quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Esquerda: Uma Religião Política

Um comentário:
Experimente tentar defender qualquer assunto relacionado ao cristianismo ou à moral judaico-cristã dentro de uma universidade. O resultado, fatalmente, será uma tempestade de críticas de teor bem agressivo. Essa tendência de se enxergar a religião tradicional como uma pedra no sapato do mundo, um empecilho à ciência, um gerador de guerras e um elemento opressor da humanidade não é algo novo, mas se expande em alta velocidade desde que os iluministas começaram acreditar que ser humano é um ser altamente evolutivo e de natureza boa, que é plenamente capaz de criar um paraíso na terra com suas próprias mãos.

Esta perspectiva de alta fé no ser humano, advinda do humanismo e propagada aos quatro ventos pelos iluministas é um dos pilares do pensamento de esquerda (senão, o pilar). E, não é difícil observar como que essa perspectiva entra facilmente em oposição ao pensamento da religião tradicional. Afinal, o que se faz aqui é substituir a fé em um Deus supremo e bom, dono de toda a moral e que promete um mundo novo, pelo ser humano (sempre representado por uma classe específica), que também passa a ser supremo e bom, dono de toda a moral e que promete um mundo novo.

Então, o que vemos aqui é que a disseminação dessa fé descomunal no homem pelos iluministas acarretou em algo muito mais perigoso e letal do que poderia se tornar qualquer religião tradicional: a religião política (mais conhecida como esquerda). Essa religião, diferente da religião tradicional, jamais culpará a natureza do ser humano pelos problemas do mundo. No lugar disso, ela definirá bodes expiatórios que possam levar a culpa de toda a desgraça humana nas costas, e instigará o ódio a esses “culpados”, legi-timando todo o tipo de ação contra eles.

Para se ter ideia do quão perigosa é essa postura, só precisamos observar o que a religião política tem feito ao longo de sua história. Vamos utilizar dois exemplos bem conhecidos. O primeiro é o do comunismo, uma das várias vertentes da esquerda. O que o comunismo prega? Bem, segundo Karl Marx e Friedrich Engels (os fundadores da teoria), a história de toda a sociedade até hoje é a história de lutas de classes. Essas lutas teriam ocorrido desde o início da humanidade entre “homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestres e companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos”; e agora, estaria alcançando o seu apogeu com a burguesia e o proletariado.

Baseado nisso, o pensamento comunista entende que a culpa da sociedade ser desigual e viver em desarmonia é da burguesia. Afinal, é a burguesia que toma conta dos meios de produção e suga todo o lucro do trabalho do proletariado, que é formado pela maior parte da população. Assim, a riqueza da minoria depende da miséria da maioria. Como é na desigualdade que residem os males, o comunismo sustenta que a sociedade deixará de ser cruel quando o proletariado destruir a burguesia; não havendo mais antagonismos de classes, não haverá luta e não havendo luta, a sociedade será finalmente igual e pacífica (sem necessitar mais de Estado, inclusive).

Veja como todos os elementos da religião política são dispostos cuidadosamente na teoria de Marx e Engels:
(1) defini-se que o mal da sociedade não está na natureza humana;  
(2) busca-se um bode expiatório para pôr a culpa desse mal (a burguesia);  
(3) instiga-se o ódio aos “culpados”, pois eles não deixam o paraíso ser formado; 
(4) legitima-se toda e qualquer ação contra os “culpados”, em prol de um bem maior e supremo, que será alcançado quando eles forem eliminados.
E qual foi a consequência desse pensamento, obviamente, utópico? Genocídios imensos causados pela União Soviética (de Lênin e Stálin), Camboja (de Pol Pot), China (de Mao Tsé Tung), Cuba (de Fidel Castro), além de terríveis perseguições, totalitarismo, opressão do povo e, finalmente, a não concretização do tal paraíso. Isso, claro, porque o mal reside no ser humano como um todo e não na burguesia.

O segundo exemplo vem do Nacional Socialismo alemão (que é chamado erroneamente de extrema-direita só porque foi anticomunista). Para Hitler, o problema do mundo não estava na natureza humana, mas sim nas “raças” e pessoas “inferiores”. O ser humano realmente bom, supremo, capaz, racional e evoluído era o homem ariano. Os demais eram apenas desviantes biológicos, que deveriam ser destruídos para que a terra retornasse ao seu rumo correto.

Mais uma vez é claro o uso das ideias da religião política (esquerda), baseada no humanismo. A única diferença do nazismo para o comunismo é que no lugar de culpar a burguesia, o nazismo culpou quem não era ariano. E o resultado? Milhões de judeus, negros, homossexuais e deficientes foram exterminados, e o extermínio, legitimado pela ideologia da religião política.

O grande problema da religião política é que ela encara o homem como Deus e culpa quem ela quer pelos problemas. Por isso qualquer ação pode ser legitimada. Ora, se um cristão faz algo ruim, como agredir um adversário, ele não é legitimado pela sua religião, pois a religião tradicional diz: “Ame o próximo” (Tiago 2:8); “todos são pecadores” (Romanos 3:9); “não há um justo sequer” (Romanos 3:10); “a vingança a Deus pertence” (Romanos 12:19); “quem nunca cometeu pecado (ou seja, ninguém) que atire a primeira pedra” (João 8:7). Ele está errado. A religião tradicional condena sua atitude. Deus condena sua atitude.

Mas se um religioso político agride um cristão, por exemplo, ele está certo. Está legitimado. Sob o esquerdista não pesa nenhuma culpa e ele não deve ser recriminado, afinal, ele está dando ao “culpado” pelos problemas do mundo o devido tratamento. O homem é o próprio Deus e por isso está sempre certo.

Por esse motivo é que podemos dizer que a religião política é a mais perigosa das religiões. Ela induz as pessoas a fazerem coisas irracionais como:
(1) depositar sua confiança em grandes líderes (isso também ocorre na religião tradicional, mas não por indução da Bíblia, pois ela deixa claro: “Maldito o homem que confia no homem” - Jeremias 17:5 - bem como nos ensina a acreditar apenas em quem age conforme os princípios morais judaico-cristãos); 
(2) crer que fazem parte de uma grande revolução que levará a humanidade a um paraíso na terra; 
(3) criar bodes expiatórios para os problemas da humanidade e odiá-los; 
(4) legitimar toda e qualquer ação contra esses bodes.
E não pensemos que agora, em pleno século XXI, estamos livres das ações da religião política. Como Adolf Hitler costumava dizer: “Uma mentira repetida mil vezes se torna uma verdade”. As inúmeras mentiras da religião política estão por aí, moldando a cabeça das pessoas; sobretudo, nas universidades. Lá, boa parte dos professores é hostil ao cristianismo por crer na religião política e desejar que o ser humano possa ter a mesma autoridade e direito sobre as coisas que tem Deus na religião tradicional.

Mas quem questiona isso? O amigo leitor conhece muitas pessoas que critiquem a religião política com a mesma intensidade com que os religiosos políticos criticam a religião tradicional? Tenho certeza que não. A religião do momento é a religião política e enquanto ela estiver dominando a área acadêmica sem questionamentos (como tem sido), continuará espalhando suas mentiras genocidas. Lembre-se: o ser humano é Deus na religião política. O que quer que a esquerda queira fazer, será legitimada em todo o tempo por essa concepção.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O mais belo dos pecados

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De todos os pecados que existem, o pecado mais bonito é o orgulho. Vestido de roupas finas e caras, ele desfila de modo elegante, sustentando ainda uma pesada capa, um cetro de ouro e uma coroa cravada de diamantes.
Forte, bonito, imponente, a sua postura é ereta, seu olhar é altivo e suas palavras são cuidadosamente articuladas quando ele abre sua boca. Também não há entre os pecados quem seja mais sábio do que o orgulho. O orgulho tudo sabe, tudo controla, tudo calcula, tudo prevê. É nas mãos do orgulho que se encontram todas as virtudes. Para ele tudo sempre está sob controle, porque ele é o mais virtuoso dos pecados e nada poderia sair diferente daquilo que ele entende como correto.
Diante desta ousada, porém, realística descrição, emerge, então, um pertinente questionamento: seria mesmo o orgulho um pecado? Que mal haveria em orgulha-se alguém daquilo que é verdadeiro? Se realmente sou o melhor, ou o mais bonito, ou o mais forte; se realmente sou incomparável, impecável, imbatível; se tudo está sob controle e eu sou o mais perfeito e calculista dos homens, que mal haveria em orgulhar-me disso? Minhas virtudes não são dignas de minha soberba? Ora, como poderia ser pecado aquilo que só existe em função das minhas virtudes?
Certa feita, disse o Senhor à Satanás: “Tens visto meu servo Jó? Saiba que não há na terra nenhum homem que a ele seja semelhante. É um homem íntegro e reto, que teme a Deus e que se desvia do mal”. Palavras do Senhor, portanto, verdadeiras. O que poderia dizer Jó para contrariar as palavras que o próprio Deus estava dizendo? Deus sabia que Jó era o melhor homem que havia na terra. E Jó, modéstia à parte, também sabia disso.
Ele era tão justo e sábio que chegava ao ponto de acordar de madrugada para oferecer sacrifícios ao Senhor em prol dos seus filhos adultos. “Talvez tenham pecado os meus filhos”, ele raciocinava, “então, eu já tomo as minhas providências”. Com Jó, tudo era calculado. Seu raciocínio era lógico, sua sabedoria era grande e sua justiça era a mais pura que existia. Sim, ele era tão bom que até Deus o admirava. Por que então um homem como este não poderia nutrir dentro de si um orgulho?
Bem, lembre-se do que falei. O orgulho é o pecado mais bonito que existe.
Jó, o nosso personagem perfeito, era rico, saudável e feliz. De um dia para o outro perdeu tudo. Já não tinha mais filhos, nem saúde e tampouco felicidade. E aparen-temente não havia nenhum motivo para que Deus permitisse que aquilo acontecesse o mais justo dos homens. É neste momento então, que começamos a entender qual era o problema de Jó. Não, ele não era blasfemador, nem assassino, nem ladrão, nem desones-to, nem explorador. Não era adúltero, nem mentiroso, nem alcoólatra. Tampouco era um mal pai, um mal marido ou um mal adorador. E seu amor por Deus era tão real quanto ele professava ser.
O problema de Jó era apenas um. Era um problema interno, que talvez ninguém pudesse enxergar. Provavelmente nem mesmo ele sabia que o tinha; e, se sabia, não o encarava como um problema. O problema de Jó era o orgulho.
Jó se orgulhava de ser justo e de ser sábio. Talvez mais ainda de ser sábio. Sua sabedoria era o seu senso de justiça. E apoiando-se naquilo que conhecia, achava-se seguro. Mais seguro que qualquer homem. “Sei o que é certo e o que é errado. Sei que estou fazendo o que é certo. Portanto, sei que não há nenhuma falta que Deus possa atribuir a mim”.
Não, ele não estava menosprezando Deus. Mas estava exaltando a si mesmo em seu interior. Se por um lado Deus era maior que todos os homens (e disso ele não tinha nenhuma dúvida), por outro lado Jó se sentia maior que todos os que estavam abaixo de Deus. “Eu me conheço. Não se trata de orgulho, mas de realidade”.
Foi este mesmo embalo que levou Pedro a dizer que jamais negaria a Jesus. E o próprio Deus, encarnado em um corpo de Filho de homem, precisou informar com pesar ao seu discípulo orgulhoso: “Hoje mesmo tu me negarás três vezes”.
 De todos os pecados que existem, o pecado mais bonito é o orgulho. Na maioria das vezes não o encaramos como um pecado real. E quanto mais ele se desenvolve, mais belo ele se parece para nós. Porque a sua aparência, na realidade, é a das virtudes com que se veste. Quando olhamos para o nosso orgulho, não vemos um pecado. O que vemos são as nossas virtudes. E assim a soberba se torna um tumor, enraizando-se pelo nosso ser.
Os sintomas? Ah! Tornamo-nos sábios e justos, donos de tudo. Com o orgulho nós tudo sabemos, tudo controlamos, tudo calculamos, tudo prevemos. Não há nada que possa acontecer diferente daquilo que julgamos correto. E assim nos distanciamos cada vez mais de Deus, sem perceber. Tornamo-nos o nosso próprio Deus. Um Deus “justo e sábio” que já não é mais aquele no qual acreditávamos.
Mas é neste ponto angustiante em que cremos realmente que somos perfeitos e controladores de tudo, que a vida nos dá um golpe. E é a violência com que caímos no chão que nos faz questionar: “Não tinha eu o controle de tudo? O que houve, então?”.
Jó não blasfemou. Mas por um longo tempo, muito embora reconhecesse Deus como soberano, continuou a querer justificar-se. Ele era sábio. Ele era justo. Ele sabia que não havia nada de errado. Então, para salvá-lo daquele terrível círculo vicioso de justificações, Deus entra em cena. A sua primeira pergunta é chocante: “Quem é este que escurece meus desígnios?” E logo Depois: “Onde estavas tu quando eu lançava os fundamentos da Terra? Diga-me, se é que tens entendimento”.
O discurso de Deus é gigantesco. Mas se pudéssemos resumi-lo em uma frase, apenas uma frase, poderíamos dizer: “Você não sabe tanto assim”.
Aqui cai todo o orgulho. O que é o homem longe de Deus? Que sabedoria tem? Que justiça tem? Que controle tem? E o que é o homem para acreditar que vale mais que os outros homens, se ele é tão orgulhoso quanto todos os outros? A verdade é apenas uma: o homem não é nada quando pensa ser alguma coisa. Por si mesmo é apenas um monte de barro. Não é sábio, não é bom e nada controla. É apenas com Deus que realmente podemos valer alguma coisa.
Diante de todo o discurso, Jó, então, apenas diz: “Falei do que não entendia. Eu te conhecia só de ouvir, mas agora meus olhos te vêem”. Sim, o orgulho foi quebrado. E foi ali que Jó viu a Deus.
O orgulho é o pecado mais bonito de todos. Porque ele carrega nas mãos todas as virtudes, menos uma: a de enxergar que sem Deus, nós não temos virtude nenhuma. 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Poesia: Quando o Mundo cair ao meu redor

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Quando o mundo cair ao meu redor
E eu não tiver pra onde correr
Abismos se formarem a minha frente
E a escuridão tomar conta do meu ser
Eu não terei chance de me salvar.

Toda a minha força, toda a minha coragem,
Toda a minha decência, toda a minha bondade
Tudo o que eu acho que tenho, não me servirá
Porque na verdade eu não tenho nada.
E nada de mim naquele dia há de sobrar.

Em vez disso, verei com meus olhos tristes
Que meus joelhos são trôpegos
Que meus pés são errantes
Que minha vida não existe
Que jamais fui feliz antes.

Então, também eu cairei com este mundo
Afundando na escuridão de um abismo qualquer
Em meio ao licor dos rebeldes e infelizes
Que gentilmente me ajudaram a perder minha fé.

Esta é a minha realidade cruel
O que naturalmente irá me suceder
Porque o salário do pecado é a morte
E todo o homem um dia há de morrer.

Mas o que me ocorreria pois,
Se por um lapso da mais maravilhosa graça
Eu pudesse ser salvo desse destino mal
Apenas por acreditar naquele amor sobrenatural?

O que naturalmente me sucederia
Sobrenaturalmente também me atingiria?
Ou o curso natural da minha vida ser mudado poderia
Não por sorte ou por magia, mas pelo ato de maestria
Do autor da harmonia?

Porque na verdade, naturalmente, pobre homem que sou!
Fadado ao pecado e engano, aos desejos mais torpes.
Força não tenho, levantar não consigo.

Cai o mundo ao meu redor e eu caio junto dele.
Mas sobrenaturalmente há alguém que me levanta
No mais profundo abismo ele me acha
Na mais concreta morte ele me alcança.
No centro do mundo caído ele me resgata.

Tentei esconder-me da face daquele Amor
Só para provar que poderia viver com dor.
E enquanto pela primeira vez eu caía
Junto com todo aquele mundo que ardia
Ele me salvou com suas próprias mãos.

Quando o mundo cair novamente ao meu redor
E eu não tiver pra onde correr.
Abismos se formarem a minha frente
E a escuridão tomar conta do meu ser
Já não serei eu a enfrentar toda essa loucura.
Porque quando eu caí pela primeira vez,
de uma vez por todas Jesus me mostrou a cura.

                                                                              (Davi Caldas)

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Conceito de Beneficiários e Funcionais

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Nas últimas duas postagens sobre política, eu fiz uma análise bem explicativa sobre as definições reais dos termos “direita” e “esquerda”. Nelas entendemos que a esquerda é um posicionamento político baseado no humanismo e na mentalidade revolucionária e que direita é o posicionamento político baseado no conservadorismo e no liberalismo clássico. Também entendemos que a direita sempre vai preferir um Estado mais enxuto, menos intervencionista, ao passo que a esquerda entenderá o Estado como a mãe do povo.

Obviamente essas definições reais não agradam aos esquerdistas, pois elas deixam patente que a ideologia de esquerda é muito mais passível de ser usada para enganar o povo do que a ideologia de direita. Enquanto a direita, a cada dia que passa, se torna mais cética em relação à bondade do ser humano e sua capacidade de construir um paraíso na terra, a esquerda continua a alimentar a confiança no ser humano e no Estado. E é evidente que a maioria dos políticos sempre irá preferir um povo menos cético. Daí o investimento tão grande em um “Estado-mamãe”, no populismo e no culto à personalidade.

Mas para entender melhor a ação da esquerda como um todo é importante entender o conceito de Beneficiários e Funcionais. Conheci esse conceito no blog do Luciano Ayan e o julgo muito elucidativo. Vamos entender do que se trata.

Em resumo, há dois tipos de atores envolvidos no sistema esquerdista: os Beneficiários e os Funcionais. Os beneficiários são aqueles que conquistam benefícios pessoais diretos através da implementação das idéias da esquerda. Estes não precisam acreditar realmente nas idéias esquerdistas, mas simplesmente se utilizar delas para alcançar seus interesses pessoais, sejam interesses legais ou ilegais. 

Evidentemente é no grupo dos beneficiários de esquerda que se encontra a maior parte dos políticos corruptos e incompetentes. Um beneficiário consegue o poder por meio daquele discurso humanista de que podemos mudar o mundo (ou sociedade, país, estado, cidade), de que o governo é uma mamãe e de que ele é um papai para o povo, de que o assistencialismo irá elevar o padrão de vida das pessoas, de que o político anterior era elitista (e de “direita”), de que o governo irá trabalhar mais (ou seja, acumular mais funções, o que quer dizer: impostos altos) e etc.

Quando este beneficiário chega ao poder, então, a manutenção deste poder com um considerável apoio do povo se dará com o assistencialismo (esmola para algumas pessoas), o discurso de apoio às minorias oprimidas e os gastos astronômicos com os infalíveis “pão e circo”, propagandas e obras eleitoreiras no último ano de mandato. Tudo isso é possível, claro, porque o Estado é inchadíssimo, tendo dinheiro o suficiente para manter os beneficiários no poder (e receber desvios para os bolsos dos corruptos).

Nos Estados em que a autoridade do governo já atingiu um nível muito alto e que o totalitarismo começou a aflorar, a situação ainda é pior. O chefe de estado investe pesado no culto à autoridade e ao governo, através do mesmo discurso humanista, conquistando a fé e a simpatia do povo.

O perfil não muda muito. A depender da conjuntura política do Estado, o beneficiário pode obter benefícios pessoais por meio do regime democrático ou por meio de um totalitarismo radical (o que inclui um discurso mais radical, por exemplo, o discurso comunista). Se olharmos para governos como o de Evo Moralez, Hugo Chavez, Fidel Castro e Josef Stálin, é possível ver muitas semelhanças, embora a conjuntura política de seus estados não tenham sido, naturalmente, a mesma.

Mas para ser beneficiário da esquerda, não é necessário ser um político. E é aqui que nós começamos a entender como que a esquerda propicia um cenário maravilhoso para quem não está nem aí para o povo. Por exemplo, pense em um grande empresário. Pode ser o Eike Batista. Você pode pensar: “O que o Eike Batista ganharia com um governo de esquerda?”. Eu digo: “Muita coisa”. Eike Batista é dono de um verdadeiro império. Para ele, é fácil pagar altos impostos para o Estado, ao passo que, para empresários de médio e pequeno porte, não é uma tarefa simples. Em outras palavras, enquanto Eike Batista sobrevive bem pagando altos impostos, pois tem uma situação mais estável, muitos empresários não conseguem crescer ou vão à falência por sua instabilidade financeira. Isso diminui a concorrência, tornando mais fácil o enriqueci-mento de Eike e a hegemonia de suas empresas.

Vamos mais longe. Se o esquerdismo facilita a hegemonia de grandes indústrias, estas também crescerão em seus status, logicamente. Crescendo em status, serão mais bem cotadas para ganharem licitações do governo (para fazer obras e serviços). Isso é bom para a empresa e também para o governo, pois quanto mais alto for o valor do serviço prestado pela empresa ao governo, mais desculpas o governo terá para manter os altos impostos, criar outros e, claro, desviar verbas públicas através de valores superfaturados. Ironicamente, a esquerda, que surgiu na Revolução Francesa com a proposta de defender a pequena burguesia, acabou se mostrando uma mãe para os grandes burgueses.

Ainda existem outros tipos de beneficiários que podem ser: autores de livros, cineastas, palestrantes e pessoas envolvidas com o meio acadêmico. Estes ganham fama e a simpatia das pessoas por pregarem idéias de esquerda em seus campos de atuação. Como as idéias de esquerda são esperançosas, enérgicas, emocionais, chamativas, boas para ouvir e facilmente espalháveis, estes beneficiários são considerados grandes personalidades e, óbvio, conseguem muito dinheiro. Enfim, é bem fácil se beneficiar das idéias de esquerda.

Mas os beneficiários não constituem grande parte da esquerda. A maior parte do sis-tema esquerdista é formada pelos funcionais. Os funcionais são aqueles esquerdistas que, de fato, acreditam nas idéias da esquerda. Estas pessoas levam a sério discursos de “igualdade social”, “luta de classes”, “governo pelo povo”, “mundo melhor” e “revolução”. Por menos politicamente engajadas que elas sejam, apresentam uma grande influência esquerdista na formação de suas opiniões.

Ótimos exemplos podem ser tirados daqui do Brasil, um país altamente influenciado pelo esquerdismo. É só observar a fé descomunal que muitas pessoas depositaram em Lula e no PT; os inúmeros jovens universitários que veneram Che Guevara e adoram ver revoltas armadas e vandalismos; a totalidade de professores ensinando seus alunos que a história do mundo é a história da luta de classes; a idéia de que a culpa da homofobia é dos religiosos e dos conservadores; o uso do termo “direita” como sendo sinônimo de elitismo, apoio aos ricos, opressão aos pobres e ditadura; a demonização da direita; a associação do pensamento conservador ao nazismo e fascismo; a tolerância da criminalidade por ser considerada culpa apenas das circunstâncias e nunca do autor do crime; o apoio ao MST; uma enorme gama de partidos que levam no nome algo relacionado à “social” ou “socialismo” e etc. 

Enfim, é visível que um grande número de pessoas acredita de verdade em idéias esquerdistas no Brasil. Essas pessoas formam o grupo dos funcionais. Mas por que elas são chamadas de funcionais? Simples. Porque elas desempenham a função de disseminar as idéias esquerdistas. Cabe a elas o trabalho mais difícil. Enquanto os beneficiários apenas colhem os frutos da ingenuidade das pessoas, os funcionais defendem e passam a diante tudo o que a esquerda prega. 

É claro que não é necessário que todos os funcionais concordem com todas as idéias da esquerda ou que se considere esquerdista ou que entenda alguma coisa de política. Se cada funcional tiver uma ou duas idéias pautadas no pensamento da esquerda, os beneficiários já saem no lucro. Como diz Luciano Ayan: “Quem executa uma função necessariamente não tem a visão do todo. Geralmente o funcional não sabe para que ele serve, a quem ele serve e para que serve toda sua energia despendida. Já o beneficiário sabe exatamente” [1]. Ora, o povo brasileiro já cai nessa artimanha desde a época de Getúlio Vargas, o “pai dos pobres”.

Bem, esse é o conceito de beneficiários e funcionais. E como podemos ver, ele mostra de um modo bem claro como que as ideias de esquerda podem ser facilmente utilizadas para ludibriar o povo e beneficiar a malandragem. 

Mas o esquerdista, claro, há de protestar: “Não posso considerar um verdadeiro esquerdista alguém que se aproveita das ideias de esquerda para alcançar benefícios pessoais”. Ora, esse tipo de protesto é bem comum, mas não faz sentido. Isso porque na política, o que importa para classificar uma pessoa não é o que a ela pensa e sim o que ela faz. Por exemplo, suponha que um político dê um golpe de estado e passe a ser um ditador. Não importa se ele se tornou ditador por interesse pessoal ou porque acreditava de verdade que o país precisava de uma ditadura para colocar ordem nas coisas (ainda que temporária); em ambos os casos, esse político é um ditador. Da mesma forma, não importa se um esquerdista busca interesses pessoais ou se realmente acredita na causa; em ambos os casos ele é um esquerdista. E isso vale também para os direitistas.

O esquerdista também poderia questionar: “Mas e a direita? Ela também não apresenta beneficiários e funcionais?”. Eu diria que não. A direita prega o ceticismo em relação ao ser humano, o pessimismo em relação a um mundo muito melhor, a idéia de que o Estado não deve fazer mais do que sua obrigação (e, portanto, não precisa de tantos impostos) e por aí vai. Não são idéias interessantes para uma pessoa que queira se beneficiar da ingenuidade do povo e nem são idéias que facilitam a ingenuidade. Em um cenário assim, o conceito de beneficiários e funcionais não se encaixa.

Agora, não me entenda mal. Não estou dizendo que em um governo de direita não existem políticos corruptos e eleitores ingênuos. Um político de direita pode muito bem desviar verbas, financiar o tráfico de drogas, acobertar crimes, fechar acordo com uma máfia, não cumprir as promessas que fez no período de eleições, armar ciladas para adversários políticos, apoiar leis prejudiciais para o povo e etc. Da mesma forma, um eleitor de direita pode acreditar nas promessas desse político e ser enganado. Mas o que não podemos dizer é que a ideologia de direita facilita a corrupção dos políticos e a ingenuidade do povo. Isso é uma característica da ideologia de esquerda, que prega a fé no ser humano, o otimismo, o assistencialismo, os altos impostos, o culto à autoridade e o “Estado-mamãe”.

domingo, 19 de agosto de 2012

Os tipos de leis da Torá e sua relação com o sacrifício de Jesus - Parte 2

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Jesus Cristo e as leis

Pois bem, a alegação comum entre muitos cristãos é de que quando Jesus Cristo consumou seu ministério, aboliu a lei como um todo, isto é, toda a Torá teria sido anulada, dando início a chamada “era da Graça”.

Supondo que esta alegação seja verdadeira, o que se segue daí é que também os dez mandamentos foram abolidos, já que eles fazem parte da Torá. Ou seja, se a Torá inteira foi abolida em função do sacrifício de Jesus, todos os que aceitam esse sacrifício, estão desobrigados de cumprirem mandamentos como não matar, não roubar, não adulterar, honrar os pais e adorar um só Deus.

O problema é que (1) Jesus Cristo ensinava justamente o oposto e (2) tanto Cristo como seus seguidores citaram os dez mandamentos favoravelmente, observando que eles faziam parte da lei e, por isso, deveriam ser seguidos. O que se conclui disso é que nem todas as leis presentes na Torá foram abolidas.

Agora, como nós podemos saber o que foi abolido e o que não foi? Afinal, é fato que existem leis da Torá que nós não cumprimos mais. A resposta está na lógica. Leis que expressam comportamentos morais para com Deus e para com o próximo, evidentemente, constituem um conjunto de leis imutáveis e que não teriam porque ser abolidas.

Já não é o caso das leis cerimoniais, que, como já vimos, tinham a função de simbolizar o sacrifício de Jesus, além de ser o meio pelo qual o pecador reconhecia que apenas Deus poderia perdoá-lo, limpá-lo e salvá-lo de seu pecado.

Ora, tendo vindo Jesus Cristo, a existência de rituais que simbolizavam o seu sacrifício vindouro e serviam de expressão de fé para o povo, simplesmente deixou de ter importância. O objetivo dessas leis se cumpriu quando Cristo morreu e, por isso, se tornaram obsoletas.

Quanto às leis civis, eu não gosto de dizer que elas foram abolidas. Em vez disso, eu prefiro dizer que elas passaram por uma recontextualização histórica. O que quero dizer é: leis civis são, e sempre foram, leis contextuais. Isto é, elas são criadas para uma sociedade específica, num contexto histórico, político e cultural também específico. Ignorar este fato é a mesma coisa que exigir que uma lei criada no México, em 1927, deva ser seguida pelos brasileiros, nos dias de hoje. Isso não faz sentido nenhum. Leis civis sempre são criadas e modeladas de acordo com a situação de um determinado país e variam muito de lugar para lugar e de tempo para tempo.

Na Bíblia tal fato é muito bem visualizado. Jesus, por exemplo, não seguiu as mesmas leis civis do contexto histórico de Moisés, mas seguiu as que estavam sendo impostas, em seu contexto, pelo Império Romano. De igual forma, todas as vezes que Deus permitiu que os israelitas fossem dominados por algu-ma nação, as leis civis que passaram a valer foram as da nação dominadora e não as de Israel da época de Moisés.

Voltando a Cristo, uma de suas frases mais famosas não deixa dúvidas de que as leis civis são contextuais. Ele diz assim em Mateus 22:21: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.

Nesta ocasião, Jesus Cristo havia sido questionado pelos mestres da Torá se era lícito, perante Deus, pagar tributos a César, o que, sem dúvida, legitimava as leis civis de Roma, em detrimento das leis civis judaicas. A idéia dos mestres era pegar Jesus em uma contradição. Se Cristo dissesse que era lícito, seria acusado pelos mestres e pelo povo de ir contra as leis de Deus. Mas se dissesse que era ilícito, seria acusado de ir contra as leis romanas e levado à corte romana pelos próprios mestres.

E o que Jesus fez? Nem foi contra a lei de Deus e nem contra a lei romana. Simplesmente fez com que todo mundo ali entendesse que leis civis são contextuais e que, por isso, sendo César o legislador da época, eram as leis civis dele que deveriam ser seguidas. Em bom português, o que Jesus Cristo disse quer dizer: “Siga as leis civis vigentes no lugar e no contexto em que você vive”.

O apóstolo Paulo complementa com propriedade:
Todo o homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus [se Deus não der permissão, ninguém sobe ao poder]; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação (Romanos 13:1-2).
Portanto, no que tange as leis civis da Torá, por elas serem contextuais, como quaisquer outras leis civis, seu cumpri-mento acaba ocorrendo quando cumprimos as leis civis vigentes no contexto em que vivemos. Ou seja, leis civis ainda valem, só que diferem de lugar para lugar e de tempo para tempo. As leis civis dos Hebreus da época de Moisés foram para aquele contexto e não podem ser aplicados em outros contextos.

Por fim, com relação às leis de saúde, embora existam muitas objeções à sua validade nos dias de hoje (das quais fala-rei nas notas do autor, no fim do livro), o fato é que elas não são contextuais e nem cerimoniais. Elas não são contextuais porque todas as pessoas, como pertencendo a Deus, devem cuidar bem de seus corpos – o que, é de interesse da própria pessoa que o faz, aliás – não importando em qual contexto vivem. E, também não são cerimoniais porque a boa saúde do povo de Deus jamais foi símbolo do sacrifício de Jesus, mas obrigação de cada pessoa para com o seu corpo.

Sendo assim, não há porque postular que leis de saúde foram abolidas por Cristo. Isso nem sequer faria sentido, já que o Novo Testamento afirma que nós somos habitação do Espírito Santo (I Coríntios 6:19) e que devemos conservar íntegros todo o nosso ser – espírito, alma e corpo (I Tessalonicenses 5:23).

Além disso, se um cristão não cuida bem de sua saúde, não poderá ser protegido de doenças, e ficando doente, pode vir a atrapalhar objetivos do Senhor em sua própria vida; o que não deixa de ser ingratidão para quem morreu para nos dar vida; e vida em abundância.

Então, em resumo, vimos que nós devemos seguir as leis civis do contexto em que vivemos; que as leis de saúde ainda são importantes; e que as leis morais são imutáveis. Somente, então, as leis cerimoniais é que perderam, de fato, a validade; não no sentido de terem sido quebradas por Jesus, mas porque justamente elas apontavam para ele. Em outras palavras, Jesus era o cumprimento da lei cerimonial.

Se o leitor entendeu bem esse último parágrafo, podemos agora analisar o contexto de algumas passagens existentes no Novo Testamento que falam sobre leis para saber a que tipo de lei elas se referem, se de saúde, civis, cerimoniais ou morais.

Quero começar com o capítulo 5 de Mateus. A partir do versículo 21, Jesus inicia uma série de citações aos dez manda-mentos e a forma errônea e/ou superficial de como os mestres judaicos os interpretavam. O primeiro mandamento que ele cita é: “Não matarás”. E ele se aprofunda no mandamento, dizendo que guardar ira é tão ruim quanto matar. Afinal, o princípio do sentimento homicida é a ira.

O segundo mandamento do decálogo que Jesus cita, no versículo 27, é: “Não adulterarás”. E aqui também ele estende o mandamento; estende para a questão dos pensamentos lascivos, que são o princípio para que haja o adultério.

No mesmo discurso Jesus ainda vai falar sobre questões como juramentos, vingança e amor ao próximo. Ou seja, está claro que Jesus está falando sobre leis morais. E está muito claro que ele não faz menção em abolir nenhuma dessas leis, mas ao contrário, ele se aprofunda a compreensão sobre a lei.

Da mesma maneira, o apóstolo Paulo, quando fala sobre a lei no capítulo 7 de Romanos, não deixa dúvida de que fala sobre leis de aspecto moral. Diz assim a passagem:
Que diremos, pois? É a lei pecado? De modo nenhum! Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás. Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, despertou em mim toda sorte de concupiscência; porque, sem lei, está morto o pecado.
Há quem diga que Paulo está colocando a culpa do pecado na lei, nesta passagem, por ele dizer que sem lei não há pecado. No entanto, o que Paulo faz aqui é reconhecer que a lei não é pecado e que por meio dela ele tem a capacidade de discernir o que é errado. Ou seja, a lei tem um papel positivo, pois se não há lei, não se pode discernir o que é pecado. Paulo ainda faz questão de especificar que está falando sobre leis de aspecto moral, mencionando um dos dez mandamentos. Embora escreva difícil, o apóstolo vai clareando o conteúdo da passagem de maneira gradativa:
Outrora, sem lei, eu vivia; mas, sobrevindo o preceito, reviveu o pecado, e eu morri. E o mandamento que me fora para a vida, verifiquei que este mesmo se tornou para morte. Porque o pecado, prevalecendo-se do mandamento, pelo mesmo mandamento, me enganou e me matou. Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom.
Ou seja, a lei moral é boa; o mandamento de não cobiçar também é, mas a inclinação ao pecado, que existe em cada pessoa, é mais forte que ambos, o que faz com que o próprio fato de olhar para a eles, já lhe dê vontade de pecar. Tendo dito isso, Paulo começa a descrever a terrível situação do ser humano em sua inútil luta interior para seguir a santa lei moral:
Acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa [a lei], causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se me mostrasse sobremaneira maligno. Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto.
Trata-se do velho problema: O bem que queremos fazer, não fazemos e o mal que não queremos fazer, esse nós fazemos. O apóstolo ainda ressalta, confirmando o que já disse a pouco, que o problema está com ele (o ser humano) e não com a lei moral e os mandamentos. Por isso ele continua:
Ora, se faço o que não quero, consinto com a lei, que é boa. Neste caso quem faz isto já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero esse faço. Mas, se eu faço o que não quero, já não sou eu quem o faz, e sim o pecado que habita em mim.
Esta parte é linda. O apóstolo afirma que o querer bem está no homem, pois o homem foi criado para ser bom e tem uma lei moral dentro de si. Mas, em sua carne habita o pecado. Então, por mais que ele queira se livrar de sua iniqüidade, não consegue. É mais ou menos a situação que vimos nos capítulos 5 e 7. Até aqueles que querem fazer o certo, não conseguem ser totalmente corretos perante Deus. Aí o leitor já começa a entender aonde Paulo quer chegar. Em todo o momento ele exalta a lei moral, mas deixa claro que não é capacitado para cumpri-la. O cenário é angustiante, no entanto, a solução é colocada mais adiante:
Então, ao querer fazer o bem, encontro a lei de que o mal reside em mim. Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei [moral] de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros. Desventurado corpo que sou! Quem me livrará do corpo desta morte? Graças a Deus por Jesus cristo, nosso Senhor. De maneira que eu, de mim mesmo, com a mente, sou escravo da lei de Deus, mas, segundo a carne, da lei do pecado.
Glória a Deus pelo versículo 25! É nele que está a solução. A angustiante situação descrita por Paulo desde o versículo 7 tem a solução em Jesus Cristo. A aceitação sincera do sacrifício de Jesus inicia uma regeneração sem igual. E a respeito dela Paulo fala no capítulo seguinte, o oitavo, dizendo:
Agora, pois, já nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus. Porque a lei do Espírito da vida, em Cristo Jesus, te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto o que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando o seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado, a fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito.
Não analisarei todo o capítulo 8, mas fica claro por tudo o que lemos até aqui, que assim como Jesus Cristo, Paulo não condenou a lei moral, antes, a elogiou, lembrando, no entanto, que o ser humano não é capaz de cumpri-la sozinho. Ele mostra que só a lei não adianta para o homem. A lei sozinha apenas condena, pois por ela vemos nossos erros e nossa impossibi-lidade de mudar sozinhos.

Contudo, mediante Cristo e mediante o Espírito Santo de Deus, somos capacitados a vencer a cada dia a nossa iniqüidade. É neste sentido que tantas vezes Paulo dizia que não estávamos na lei. A lei não tem mais a capacidade de condenar à morte quem aceita a Cristo cm sinceridade. O pensamento é comple-mentado em Gálatas 2:20, com Paulo dizendo: “Cristo vive em mim”.

A epístola de Tiago também é bem instrutiva no que diz respeito à lei moral. No seu capítulo 2, a partir do versículo 8, é possível ler:
Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo, fazeis bem; se, todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo argüidos pela lei como transgressores. Pois qualquer que guarda toda a lei, mas tropeça em um só ponto, se torna culpado de todos. Porquanto, aquele que disse: Não adulterarás também ordenou: Não matarás. Ora, se não adulteras, porém matas, vens a ser transgressor da lei.
Não há dúvidas de que Tiago está falando da lei moral, mais precisamente, dos dez mandamentos, base para o aspecto moral da Torá. E assim como Paulo, Tiago não condena a lei moral, pelo contrário, relembra às pessoas que ela deve ser seguida e por completa.

O apóstolo João também nos traz uma contribuição preciosa ao dizer:
Todo aquele que transgride o pecado também transgride a lei, porque o pecado é a transgressão da lei. Sabeis também que ele [Deus] se manifestou para tirar os pecados, e nele não existe pecado (I João 3:4-5).
Aqui João define pecado como “transgressão da lei”. Se o pecado é a transgressão da lei e nós não devemos pecar, então isso significa que nós não devemos transgredir a lei. E se não devemos transgredir a lei é porque ainda existe uma lei para ser seguida por nós. Assim, as evidências de que Jesus Cristo não aboliu todas as leis são muito fortes.

Até agora vimos apenas passagens que falam sobre as leis morais. De fato, o Novo Testamento se restringe a discursar explicitamente sobre leis morais e leis cerimoniais. Sendo assim, vamos analisar agora algumas passagens que falam sobre as leis cerimoniais. Como a maior parte das passagens que fazem refe-rência a este assunto foi escrita por Paulo, faz-se necessário res-saltar os motivos pelos quais ele gostava de enfatizar o tema.

Paulo era um legítimo e sincero judeu; e, em sua época, o judaísmo estava muito voltado para a ideia de salvação por obras, tal como as outras religiões. Todo o ritualismo havia per-dido o seu verdadeiro significado. As pessoas sacrificavam ani-mais simplesmente por sacrificar, crendo que Deus se importava com sangue. As festas e os jejuns eram mecânicos e o tradicio-nalismo enchia a religião de fardos; regras que não estavam nas Escrituras Sagradas, mas que eram inventados pelos mestres da lei, como um modo de serem mais aceitáveis e merecedores das bênçãos de Deus.

Então, quando Jesus Cristo veio e iniciou uma renovação no interior das pessoas, mostrou que nada que o homem fizesse o salvaria ou renovaria, a não ser aceitá-lo como sendo Senhor e deixar-se limpar pelo Espírito Santo de Deus.

Contudo, muitos judeus que se converteram, influencia-dos pelos pensamentos legalistas da época, não conseguiam acreditar que só a aceitação do sacrifício de Jesus era suficiente para salvá-los. Para eles, era preciso aceitar Jesus, mas continuar com as práticas ritualísticas judaicas, como a circuncisão dos meninos. Tais judeus foram chamados judaizantes e eram um grande problema para os gentios que queriam se converter, pois impunham os rituais judaicos para serem salvos.

Por esse motivo, quando Paulo se tornou um cristão, ele percebeu que o quanto a idéia de salvação por obras da lei era contrária ao cristianismo. Era uma heresia, pois tirava o mérito de Jesus na cruz. O penoso sacrifício do Messias se tornava insuficiente para salvar o ser humano. E o cristianismo passava a ser uma religião complicada, por conta do embate que havia entre os cristãos e os judaizantes, afastando os que desejavam se converter a Cristo.

O livro de Atos dá uma prévia dos problemas que seriam formados pelos judaizantes, no capítulo 15, dizendo:
Alguns indivíduos que desceram da Judéia ensinavam aos irmãos: Se não vos circuncidardes segundo o costume de Moisés, não podeis ser salvos. Tendo havido, da parte de Paulo e Barnabé, contenda e não pequena discussão com eles resolveram que esses dois e alguns outros dentre eles subissem a Jerusalém, aos apóstolos e presbíteros, com respeito a esta questão.
A passagem continua, mas o que gostaria de ressaltar é o finalzinho da resposta que Pedro, discípulo direto de Jesus, oferece sobre a questão, nos versículos 10 e 11, na reunião, em Jerusalém. Diz assim o discípulo:
Agora, pois, por que tentais a Deus, pondo sobre a cerviz dos discípulos um jugo que nem nossos pais puderam suportar, nem nós? Mas cremos que fomos salvos pela graça do Senhor Jesus, como também aqueles o foram.
Quando Pedro diz que nem os seus pais e nem eles suportaram o jugo da antiga aliança, está mostrando como que as leis cerimoniais eram pesadas, não só porque eram numero-sas, detalhistas e metódicas, mas porque não os salvavam e nem tinham o poder de transformá-los interiormente. Por isso eram fardos.

O que de fato salvava na antiga aliança era a confiança de que Deus era misericordioso e faria algo para resolver o problema do homem. Era a confiança de que os sacrifícios de animais significavam algo maior; e que viria um Salvador da parte de Deus. E agora, que o Salvador já tinha vindo, e que era fundada a nova aliança, não havia porque retornar aos fracos rudimentos das leis cerimoniais.

Sabendo da existência desse embate entre cristãos e ju-daizantes, é mais fácil entender o teor das epístolas de Paulo. A respeito do que acabei de falar, por exemplo, o apóstolo diz em Gálatas 4:8-11:
Outrora, porém, não conhecendo a Deus, servíeis a deuses que, por natureza, não o são; mas agora que conheceis a Deus ou, antes, sendo conhecidos por Deus, como estais voltando, outra vez, aos rudimentos fracos e pobres, aos quais, de novo, quereis ainda escravizar-vos? Guardais dias, e meses, e tempos, e anos. Receio de vós tenha eu trabalhado em vão para convosco.
Consegue ver? Exatamente o mesmo assunto do capítulo 15 de Atos. Isso é tão claro que, ainda na mesma carta, no capítulo 5, Paulo diz:
Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão. Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo de nada vos aproveitará. De novo, testifico a todo homem que se deixa circuncidar que está obrigado a guardar toda a lei. De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes. Porque nós, pelo Espírito, aguardamos a esperança da justiça que provém da fé. Porque, em Cristo Jesus, nem a circuncisão, nem a incircuncisão têm valor algum, mas a fé que atua pelo amor
Não há do que discordar. O apóstolo está falando de circuncisão, portanto, de leis cerimoniais. É o assunto principal da epístola, o que mostra que os judaizantes continuavam a ser uma pedra no sapato dos cristãos. Por isso Paulo enfatiza: “De Cristo vos desligastes, vós que procurais justificar-vos na lei; da graça decaístes”.

Mas para que não reste nenhuma dúvida, volto ao capítulo 3, para verificar se o contexto ainda é o mesmo que lemos nos capítulos 4 e 5. E qual não é a surpresa quando vemos a partir do versículo 24:
De maneira que a lei nos serviu de aio [tutela] para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados pela fé. Mas, tendo vindo a fé, já não permanecemos subordinados ao aio. Pois todos vós sois filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus; porque todos quantos fostes batizados em Cristo de Cristo vos revestistes. Dessarte não pode haver judeu nem grego; nem escravo nem liberto; nem homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus. E, se sois de Cristo, também sois descendentes de Abraão e herdeiros segundo a promessa.
Repare em duas coisas. A primeira: Paulo diz que a lei serviu para nos conduzir a Cristo. Qual era mesmo a função da lei cerimonial? Indicar, apontar, prever, que Jesus Cristo viria a terra e morreria por nós. 

A segunda: Paulo tem o cuidado de dizer que aceitando Jesus Cristo somos descendentes de Abraão, herdeiros da promessa e assim não há diferenças entre ninguém, nem mesmo judeu e grego. Por que Paulo utiliza essas palavras? Simples. Porque a epístola é contra as práticas judaizantes. Os judaizantes não eram nada mais nada menos do que judeus que não queriam perder orgulho de ser judeus, tanto no que diz respeito à nação quanto no que diz respeito à religião.

Portanto, quem quisesse ser salvo tinha que virar judeu e ser circuncidado, tornando-se descendente de Abraão e só então herdeiro da promessa. Jesus tornava-se apenas mais um ritual judaico. Nada mais. Por isto Paulo tem o cuidado de selecionar estas palavras. A epístola, claramente, combate o movimento judaizante.

Mas, afinal, por que estou batendo tanto nesta tecla? Porque chegamos a um ponto crucial. Não há nada que indique, em absolutamente nenhum lugar, que as leis morais foram abolidas, como muitos sustentam. Quando os autores do Novo Testamento falam sobre leis abolidas, sempre estão falando sobre rituais judaicos. Basta o leitor analisar o contexto. Uma olhada no capítulo da passagem duvidosa, na passagem anterior e na passagem posterior e isso é o suficiente para saber sobre qual lei se fala.

Portanto, Jesus Cristo não quebrou lei nenhuma, e muito menos quer que os cristãos quebrem ou ensinem que foram que-bradas. O que ele fez foi confirmar que as leis civis são contex-tuais e que as leis cerimoniais tiveram seu cumprimento em sua própria pessoa, quando ele morreu na cruz. Por isso, era tolice querer guardar leis civis do contexto de Moisés e seguir rituais que apontam para algo que já aconteceu.

Porém, a lei moral, baseada nos dez mandamentos, e as leis de saúde (que fazem sentido ainda nos nossos dias), não têm porque terem sido abolidas. E, de fato, não existe nada no Novo Testamento que indique que foram.

Os tipos de leis da Torá e sua relação com o sacrifício de Jesus - Parte 1

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E daí? Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça? De modo nenhum! Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência, desse mesmo a quem obedeceis sois servos, seja do pecado para a morte ou da obediência para a vida? Mas graças a Deus porque, outrora, escravos do pecado, contudo, vistes a obedecer de coração à forma de doutrina a que fostes entregues; e, uma vez libertados do pecado, fostes feitos servos da justiça (Romanos 6:15-18).

Quando o apóstolo Paulo escreveu sua epístola aos romanos, estava preocupado com a depravação moral das pessoas daquele lugar. A terra de Roma era a capital da iniqüidade e a Igreja formada ali estava cercada de abominações. Como Paulo gostava de enfatizar bastante que o homem era salvo apenas pela graça de Deus, mediante a fé no sacrifício de Cristo, era necessário que também deixasse claro que isso não significava que o homem estava livre para pecar. E é exatamente isso que vemos no decorrer da epístola aos Romanos. Paulo faz questão de mostrar que o fato de os cristãos não estarem mais debaixo da condenação da lei, não significava que as pessoas poderiam continuar em suas transgressões. A partir da aceitação do sacrifício de Jesus, cada indivíduo deveria permitir que o Espírito Santo de Deus renovasse o seu interior, conduzindo-o a obediência da lei moral eterna, baseada no amor.



No entanto, embora Paulo tenha sido tão enfático em dizer que a cruz de Cristo não havia crucificado a lei moral, muitos cristãos sinceros não conseguem entender perfeitamente o que realmente o apóstolo queria dizer sobre esse assunto. Então, sendo ensinados a pensar que Jesus aboliu todas as leis, ajudam a criar uma sociedade, onde se proliferam aqueles que abusam da graça de Deus.



Os questionamentos são: O que Jesus modificou após cumprir o seu ministério? Como é possível alcançar uma boa conduta cristã sem se tornar um legalista? Qual a relação entre a lei moral e a graça de Deus, entre a lei e o Espírito Santo? O que fazer com a depravação moral que tem se estendido no mundo e muitas vezes influenciando a Igreja de Cristo? Estas e outras perguntas serão tratadas aqui.



Os tipos de leis



Quando Moisés foi comissionado para libertar e guiar o povo hebreu até a terra prometida por Deus a Abraão, já existiam leis de Deus a serem seguidas. Mas a escravidão na terra do Egito e o fato de não haver um código escrito, dificultava o seu cumprimento. O quadro só começou a mudar quando os hebreus cruzaram o mar vermelho e iniciaram a longa trajetória do Egito à Canaã. Moisés, inspirado por Deus, então, passou a escrever a Torá (também chamada de Pentateuco), que são os cinco primeiros livros da Bíblia, onde também estão as leis de Deus.



A Torá pode ser definida como um código de leis gerais, pois ali existem leis de cunho civil, cerimonial, de saúde e moral também. Cada um desses tipos de leis existentes na Torá serve para uma função diferente. Vejamos:



As leis civis compreendem aquelas que visavam única-mente o bem e a ordem de Israel como nação. Ou seja, como sendo um Estado independente, com política, economia e idio-ma próprios, não lhe poderia faltar um conjunto de leis civis, que equivaleria hoje aos códigos civil, penal e a constituição de um país. Um exemplo desse tipo de lei pode ser visto em Êxodo 21:22-25, onde lemos:
Se homens brigarem e ferirem mulher grávida e forem causa de aborto, porém sem maior dano, aquele que feriu será obrigado a indenizar segundo o que lhe exigir o marido da mulher; e pagará como os juízes lhe determinarem. Mas, se houver dano grave, então, dará vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferimento por ferimento, golpe por golpe.
Como se pode perceber acima, a lei era de cunho estrita-mente civil. Fala-se em agressão a uma mulher, em juízes para julgar a causa, em indenização e em punição conforme o dano que fora feito. Aliás, é bom ressaltar como que a expressão “olho por olho, dente por dente” dentro de seu contexto, deixa claro que não era um incentivo a vingança e muito menos uma permissão para que cada um pudesse fazer justiça com as pró-prias mãos. Não, a expressão era para demonstrar o modo como o juiz deveria agir ao punir o criminoso, a depender do dano que ele havia feito.



As leis cerimoniais englobam todo o sistema de rituais do judaísmo, como: sacrifícios de animais para oferta e remissão de pecados, circuncisão de meninos, festas e feriados religiosos, meses e anos sagrados, o sacerdócio, os utensílios especiais do templo e todo o tipo de cerimônia, que, como já vimos, apontava para o sacrifício de Jesus Cristo. Um exemplo desse tipo de lei pode ser encontrado em Levítico 22:17-20:
Disse mais o Senhor a Moisés: Fala a Arão e a seus filhos e a todos os filhos de Israel, e dize-lhes: Qualquer que, da casa de Israel ou dos estrangeiros em Israel, apresentar a sua oferta, quer em cumprimento de seus votos ou como ofertas voluntárias, que apresentar ao Senhor em holocausto, para que seja aceitável, oferecerá macho sem defeito, ou do gado, ou do rebanho de ovelhas, ou de cabras. Porém todo o que tiver defeito, esse não oferecerais; porque não seria aceito a vosso favor.
Note que o texto está falando sobre conteúdo de cunho cerimonial-religioso. Estas cerimônias eram um símbolo do sacrifício supremo que Cristo faria na cruz. Por isso as ofertas de animais deveriam ser sempre assim: um macho e sem defeitos; tal como Jesus Cristo.



As leis de saúde era uma lista de prevenções e boas práticas no âmbito da higiene e da saúde em geral. No contexto em que viviam os hebreus, onde os cuidados com a higiene e a saúde no mundo eram tão precários, essas leis desempenhavam um papel fundamental para a preservação da vida. Entretanto, tais leis continuam tendo a mesma utilidade hoje. Cuidados com a higiene e a saúde são importantes em todas as épocas. Um ótimo exemplo desse tipo de lei pode ser visto em todo o capítulo 11 de Levítico, que falam sobre animais que não devem ser usados para alimentação. Entre eles estão o porco, o camarão e o urubu, que todo mundo sabe que são animais bem sujos. Não comê-los, portanto, é uma boa prevenção contra doenças.



Por fim, temos as leis morais, que podemos considerar como o tipo mais importante de lei. Este tipo de lei se refere aos comportamentos morais que cada indivíduo deve ter para com o próximo e para com Deus. Os dez mandamentos são a base para este tipo de lei, já que todas as leis de âmbito moral (ou mesmo ético) se relacionam com algum mandamento do decálogo. Em outras palavras, os dez mandamentos são o resumo da conduta que Deus deseja que os homens tenham; a síntese de todos os mandamentos de âmbito moral.



Algo que é interessante ressaltar aqui a respeito dos dez mandamentos é que, diferentemente das demais leis da Bíblia, eles não foram escritos pela mão de Moisés. Todas as outras leis foram inspiradas por Deus e escritas pela mão de Moisés, mas os dez mandamentos foram escritos pela própria mão de Deus e dados a Moisés no monte Sinai, conforme nós podemos ler em Êxodo 31:18:
E, tendo acabado de falar com ele no monte Sinai, deu a Moisés as duas tábuas do testemunho, tábuas de pedra, escritas pelo dedo de Deus.
Mais tarde, tendo Moisés se enfurecido com o povo por conta de sua idolatria, ele quebra as tábuas da lei. E, então, mais outro acontecimento interessante ocorre:
Então disse o Senhor a Moisés: Lavra as duas tábuas de pedra, como as primeiras; e eu escreverei nelas as mesmas palavras que estavam nas primeiras tábuas, que quebraste (Êxodo 34:1).
O que esses dois textos nos confirmam com clareza é que Deus considera muito importante o decálogo. Tão importante que ele mesmo fez questão de escrevê-los. E não foi uma vez só, mas duas. A importância do decálogo fica ainda mais clara quando Jesus vem a Terra. No famoso capítulo do Sermão do Monte, Cristo mostra como que os dez mandamentos são apenas o resumo da lei moral. Podemos ler:
Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela (Mateus 5:27-28).
O leitor percebe como que Jesus, no Novo Testamento, eleva os dez mandamentos? Ele confirma que o adultério é um pecado, mas estende isso para além do contato físico. Em outras palavras, ele diz “não fique só na casca dos dez mandamentos, porque eles revelam condutas morais muito mais profundas do que parecem mostrar à primeira vista”.



Concluímos, com essa pequena explanação, que existem tipos de leis diferentes na Bíblia, cada qual para atender a uma função diferente. Saber disso é essencial para que prossigamos em nosso estudo, a saber, qual a relação entre as leis, a graça e a fé, bem como se as leis da Torá foram abolidas por Jesus ou se permanecem nos dias de hoje.


quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Os porquês da virgindade antes do casamento

4 comentários:
Freqüentemente nós, cristãos, somos criticados por nossa postura em relação à prática sexual. Para nós, o sexo foi criado por Deus e é bom, contudo, não deve ser praticado antes e/ou fora do que conhecemos como casamento. Por casamento podemos entender: uma relação de amor ampla e perpétua entre um casal. Em teoria, pelo menos, é isso que um casamento deve ser; se na prática muitos casamentos não seguem essa definição, isso não é um assunto relevante para esse texto.

Ora, talvez quem mais sofra críticas desse tipo são os jovens. Conforme o tempo foi passando, grande parte da juventude passou a mergulhar mais cedo no mundo sexo e achar errada a concepção de que devemos esperar por um casamento para ter relações sexuais. Deste modo, os jovens cristãos foram empurrados contra a parede: se um jovem não adota a nova concepção de sexo é taxado de retrógrado, imbecil e retardado.

O problema, no entanto, se torna ainda mais incômodo quando percebemos que toda vez que um jovem cristão vai defender a sua concepção cristã de sexo, acaba tendo que apelar para a Bíblia. Não estou dizendo que isso é ruim. Creio plenamente que este livro magnífico é verdadeiro em cada uma de suas palavras. Mas a dificuldade está em utilizar a Bíblia como base para defender sua concepção quando a pessoa com quem o cristão debate não acredita nela. Neste caso, não há como prosseguir argumentando, a não ser que, ou (1) ambos aceitem discutir argumentos para a veracidade da Bíblia (o que exige algum conhecimento sobre apologética por parte do cristão), ou (2) o cristão passe a defender sua concepção se baseando em algo que a outra pessoa acredite e não mais na Bíblia.

Aqui está o drama da história: pouquíssimos cristãos conhecem ou tem interesse em apologética, o que os impede de defender a Bíblia com argumentos fortes. E também pouquíssimos cristãos têm a perspicácia de defender alguma concepção cristã utilizando apenas as bases em que os não-cristãos se apóiam. Assim, quando um cristão argumenta perante um não-cristão que é errado fazer sexo antes do casamento, a discussão não vai adiante e o cristão vira motivo de chacota.

O objetivo desse texto, portanto, é fazer uma defesa da concepção cristã de sexo, sem, contudo, utilizar a Bíblia como base para a argumentação. O leitor crê que isso seja possível? Bem, vamos ver se dá mesmo para cumprir esse objetivo.

A primeira coisa que devemos fazer para iniciar essa discussão é considerar os argumentos nos quais os não-cristãos se baseiam para afirmar que o sexo pode (e até mesmo deve) ser feito antes do casamento. Penso que os dois argumentos mais usados são os seguintes:
(1) Para se casar com uma pessoa é necessário saber se ela é “boa de cama”. Por isso, é importante que o casal transe algumas vezes antes de se casar. 
(2) Uma pessoa tende a ficar melhor na cama conforme tem mais experiências sexuais. Por isso, é bom que as pessoas transem bastante antes de se casarem para que no dia em que se casarem sejam bons parceiros sexuais.
Escolhi estes dois argumentos para a nossa análise porque, de fato, já os ouvi dos lábios de várias pessoas. E eles parecem ser as bases do pensamento liberal dos que não são cristãos. Vale ressaltar, ainda, que estes dois argumentos têm como objetivo defender o sexo antes do casamento sem, no entanto, desprezar o casamento. Tanto um quanto o outro argumento procuram entender o casamento como algo importante e se adaptar à concepção de relacionamentos sérios. Esse detalhe é importante que o leitor tenha em mente. Agora, vamos analisar o primeiro argumento.

Suponhamos que duas pessoas iniciem um namoro, descubram muitas afinidades entre si e desenvolvem uma relação amorosa saudável em diversos aspectos. Então, um dia esse casal resolve ter sua primeira relação sexual e, lamentavelmente, um deles dois (tanto faz se o homem ou a mulher) não apresenta um desempenho na cama (nada que tenha a ver com a saúde, mas com o sexo em si). Bem, baseado no primeiro argumento, o que deve acontecer? O namoro vai acabar. Afinal, se um dos dois é ruim na cama, não serve para casar. E se não serve para casar, também não serve para namorar. Aqui não importa o quanto o casal se amava, nem o quanto se dava bem, o sexo é determinante para acabar com o relacionamento.

Diante da frieza desse quadro, o liberal pode afirmar: “Mas se o casal se ama de verdade, eles podem ter mais experiências sexuais entre eles e assim melhorarem a cada dia. Isso, inclusive, é o que diz o segundo argumento: quanto mais experiências sexuais, melhor uma pessoa fica na cama”.

O problema aqui é que, sem perceber, o liberal acaba utilizando a mesma linha de raciocínio que os cristãos usam para defender a virgindade antes do casamento: a de que o casal irá melhorar o seu desempenho sexual dentro do casamento à medida que praticarem um com o outro. Em outras palavras, se o liberal quiser defender esta idéia de melhora do desempenho sexual com o parceiro que ele ama (só por causa do amor), ficará sem argumento contra a concepção de sexo apenas dentro casamento. Afinal, são os cristãos que, por amarem alguém, estão dispostos a se casarem virgens e terem paci-ência com seu cônjuge naquilo que for necessário.

O que podemos concluir aqui é que o primeiro argumento no qual se ancoram os liberais para defender o sexo antes do casamento se baseia no egoísmo. É por pensar apenas em seu próprio prazer que uma pessoa não deseja um parceiro que necessite de algum tempinho para melhorar seu desempenho. Este argumento coloca o desempenho sexual em um patamar tão alto que é capaz de ignorar o amor entre um homem e uma mulher caso as expectativas sexuais não sejam alcançadas na primeira noite. Sim, na primeira noite, porque se o liberal quiser tentar outras vezes (porque ama a pessoa e crê na melhora do desempenho sexual dela), estará concordando com uma base importante do pensamento cristão sobre a virgindade antes do casamento.

Agora, vamos analisar o segundo argumento dos liberais. Conforme vimos, ele sustenta que as pessoas devem ter experiências sexuais antes de se casarem para serem bons parceiros sexuais quando estiverem casadas. O primeiro ponto que deve ser visto aqui é que, mais uma vez a base desse argumento é o egoísmo. As pessoas não querem ter o mínimo de paciência com seus parceiros, então preferem que toda a experiência em relações sexuais de seu cônjuge tenha sido conquistada com outras pessoas. Isso só reforça o quadro feio que pintei há pouco: não importa se um casal se ama, se a relação sexual não for boa na primeira noite, o relacionamento deve acabar. Então, a pessoa que foi chutada terá que arrumar vários parceiros sexuais diferentes até que fique experiente e possa, quem sabe, retornar para a pessoa que amava. Aqui o egoísmo suplanta o amor, a paciência e o respeito; e as pessoas se tornam objetos.

O segundo ponto que podemos ressaltar nesse argumento é que ele não leva em consideração o casamento entre duas pessoas virgens. Mas perceba que se o problema do desempenho sexual das pessoas está relacionado à falta de experiências sexuais (que é o que este argumento afirma), a solução está justamente na virgindade do homem e da mulher até o casamento; afinal, se nenhum dos dois tem experiência em sexo, nenhum deles será superior ao outro. Em outras palavras, a concepção de virgindade antes do casamento, quando bem compreendida, leva os casais a se concentrarem mais no amor que sentem um pelo outro, a se casarem virgens e a ganharem experiência em sexo um com o outro, sem que haja superioridade por parte de algum deles durante o processo.

Portanto, vemos que esse argumento, tal como o primeiro, se baseia no egoísmo, milita contra o amor, a paciência e o respeito, transforma as pessoas em objeto, o sexo em moeda de troca, e ainda cria uma “desigualdade sexual” entre as pessoas que não seria comum na sociedade se incentivássemos mais a virgindade do homem e da mulher antes do casamento.

Perceba que até aqui eu não utilizei a Bíblia em nenhum momento. Eu apenas peguei dois argumentos comumente utilizados pelos liberais na defesa do sexo antes do casamento e mostrei como que eles estão intimamente ligados ao egoísmo e a atitudes imorais; além de não lograrem muito êxito contra concepção cristã de sexo. Vimos, sem o uso da Bíblia, que a virgindade antes do casamento está ligada ao amor, ao respeito, a valorização do indivíduo e da própria prática sexual; e não à existência de dogmas sem sentido.

Não obstante, nossas análises não devem parar por aqui. Ainda existem alguns pontos importantes que precisam ser abordados. O primeiro ponto com o qual gostaria de trabalhar diz respeito ao desempenho sexual. Como já dito anteriormente, não estou me referindo à saúde do indivíduo, mas sim à qualidade da prática sexual em si. Para os liberais, existe o “sexo bom” e o “sexo ruim” e por isso é importante “testar” antes de casar. A minha pergunta é muito simples: O que faz o sexo ser bom ou ruim? Aqui está o grande problema do liberal. Na busca desesperada por validar a prática sexual antes do casamento, ele cria um padrão de qualidade que não existe. Vamos analisar.

Em primeiro lugar, não há diferenças básicas na relação sexual das diferentes pessoas. Sexo é a penetração do órgão sexual masculino no órgão sexual feminino. Isso é básico; e não é necessário ter alguma virtude extraordinária para desempenhar essa função. Então, já não é aqui que reside uma diferença básica entre o sexo bom e o sexo ruim. Será mesmo que essa diferença existe?

Em segundo lugar, e este é um ponto essencial, tudo o que não é básico no sexo diz respeito apenas ao casal. A qualidade de uma relação sexual não depende de um padrão pré-estabelecido pela sociedade. Essa qualidade vai depender do modo como cada casal prefere sua relação. Aspectos como: se o sexo será rápido ou devagar, intenso ou tranqüilo, carinhoso ou bruto, profundo ou superficial, romântico ou seco; se haverá preliminares ou não, se será no escuro ou no claro, se haverá fantasias, se será na cama ou no sofá, se existirá mais contato entre os corpos, se haverá falas, se haverá beijos, cafuné, carinho, massagem, brincadeiras... Enfim, tudo isso é secundário e diz respeito unicamente ao casal. E o casal só descobre qual a preferência um do outro (e chegam a acordos) através de diálogo e das próprias experiências sexuais.

O que quero dizer com estes pontos é que não passa de um mito a idéia de que existe sexo bom e sexo ruim. O básico do sexo é sempre o mesmo. O que muda são seus aspectos secundários, aspectos esses que são definidos pelo casal. Cada casal fará aquilo que acha mais prazeroso; e isso só se descobre através de um relacionamento profundo, direto, amplo e com muito diálogo. É isso o que define se o sexo será bom ou ruim e não um padrão pré-estabelecido por liberais apenas para jogar fora as pessoas que não fazem sexo da maneira como eles preferem.

Neste ponto, o liberal tem duas opções de argumentação: ou ele tenta fazer sua concepção se tornar menos egoísta ou ele tenta justificar esse egoísmo. Vamos analisar os argumentos da primeira opção. Como exemplo, eu posso citar o pensamento de uma conhecida minha. Segundo a sua concepção, o sexo não deve ser visto como algo tão “sagrado”, mas como algo mais acessível: as pessoas se conhecem, se beijam, namoram e fazem sexo. Se não der certo, não deu, mas o sexo faz parte. Não se trata de tentar usar a pessoa. Esse é o pensamento do liberal que quer fugir do egoísmo.

A primeira dificuldade desse pensamento é que ele tenta rebaixar a intimidade da relação sexual ao ponto de compará-la a beijos e abraços. Ora, está claro que isso não condiz com a realidade. O sexo é o que há de mais intimo entre um casal. É ali que se revela tudo o que escondemos do resto do mundo. É ali que dois corpos se tocam com tanta profundidade que se tornam um só corpo. Dizer que isso é quase como um beijo é uma comparação totalmente desproporcional.

Aqui está o ponto-chave. Os liberais querem tornar mais acessível o sexo, que é tão íntimo, mas não tem capacidade de desenvolverem uma intimidade completa; aquela intimidade que não leva só em conta o corpo de seu parceiro, mas todo o ser do seu parceiro. O liberal quer ser íntimo fisicamente, mas tem medo de se envolver com a mesma intensidade com uma pessoa no âmbito não-físico. O liberal ostenta um orgulho enorme por não ter vergonha de ter intimidade sexual, mas não percebe o quão medroso e egoísta é por não querer o mesmo nível de intimidade no âmbito não-físico.

O que nos diferencia dos animais é justamente essa capacidade de não agirmos só por instinto; de sermos morais e sensíveis; de necessitarmos do amor verdadeiro, que vai muito além do simples contato físico. Independentemente de religião não devemos ver o sexo como os animais o vêem. O sexo humano é o selo do amor entre um homem e uma mulher. Não fazemos sexo apenas para procriar ou para sentir prazer, mas porque amamos o nosso parceiro. 

Podemos provar o quão íntimo é sexo nos lembrando de alguns poucos fatos tais como o de que não transamos com qualquer pessoa, a qualquer momento e em qualquer lugar; o de que estupros e pedofilia são crimes; o de que os casais não transam na frente dos filhos, dos pais ou de seus conhecidos; o de que as crianças não são incentivadas a manterem relações sexuais; o de que é menos traumático uma moça ser assaltada do que ser estuprada. Sim, o sexo é uma relação física íntima demais entre duas pessoas; e por isso requer o mesmo nível de intimidade não-física. É isso que faz do sexo uma relação tão sagrada. Se alguém não concorda com esses fatos, está discordando, antes de tudo, da própria moral; moral esta que até quem não tem religião gosta de sustentar.

A pessoa que escolhe perder a virgindade apenas no casamento está dizendo o seguinte para o mundo: “Eu não tenho medo de ter intimidade total com a pessoa que eu amo”. A intimidade dessa pessoa para com o seu parceiro será muito maior do que a intimidade sexual de qualquer viciado em sexo que exista. Será muito maior, muito mais ampla, muito mais verdadeira, muito mais forte, muito mais duradoura, muito mais amorosa e, sobretudo, muito mais corajosa. Ora, quanto amor e coragem uma pessoa não precisaria para resolver ter uma intimidade completa com seu parceiro? Trata-se de algo definitivamente íntimo... Mas completo.

Nós, humanos, não somos feitos apenas de corpos. Somos feitos de sentimentos, pensamentos, emoções, percepções, necessidades psicológicas; de amor, de carinho, de afeto, de moral. Assim, cada estágio de nossos relacionamentos deve conciliar a intimi-dade física com esses aspectos não-físicos. O erro de minha conhecida é tentar inverter todo o processo que existe em um relacionamento amoroso e forçar-nos a acreditar que isso é perfeitamente normal. A ordem mais correta é que duas pessoas se conheçam, descubram afinidades e empatia entre si, namorem, noivem, casem e selem o casamento com o relacionamento sexual. O que diríamos, pois, se alguém namorasse uma pessoa que não conhece, ou se casasse após namorar por um mês? O que diríamos se um amigo agisse como namorado ou se um namorado agisse apenas como amigo? É certo que as ordens estão trocadas e, queira ou não, isso não costuma trazer bons resultados.

É por esse motivo que não me admira o fato de essa minha conhecida ter quase 50 anos e não ser casada. Tal como também não me admira o fato de ela já ter se casado três vezes e em não ter tido sorte em nenhum dos três relacionamentos. É provável que o principal motivo dessa infelicidade tenha sido a falta de uma intimidade completa em cada um desses casamentos. Aqui vale se lembrar da paciência e do respeito, que, em geral, são diminuídos pela importância que se dá ao “aproveitamento sexual”. 

Portanto, parece plausível afirmar que se alguém quer ter intimidade física com seu parceiro, deve investir primeiramente em conhecer bem seus aspectos não-físicos. E esse é o pressuposto máximo da concepção de virgindade. Conheça seu parceiro, ame-o de verdade e então se comprometa a ter uma intimidade total no casamento.

Bem, se o liberal não consegue tornar menos egoísta a sua concepção, mas ao contrário, torna-a mais egoísta, covarde e problemática, então a opção que resta para ele é a de tentar justificar seu egoísmo. Justificar significa “tornar justo”. Ou seja, o liberal vai tentar aqui mostrar que alguma coisa faz com que o sexo antes do casamento não seja algo errado. É neste ponto que vamos conhecer outro tipo de liberal. Este não está mais interessado em defender sua concepção sem desvalorizar o casamento. Para ele, o casamento não é algo muito importante. Ele não sabe se vai se casar um dia ou não. Ele apenas está interessado em se divertir.

Mas antes que alguém afirme que esse é um pensamento extremamente egoísta, este tipo de liberal irá justificar sua concepção da seguinte forma:
(1) Se faço sexo com uma pessoa que, assim como eu, está atrás apenas de um divertimento (que pode ou não se tornar sério), então ambos estamos consentindo nessa relação. Assim, trata-se de uma relação honesta, consciente e concedida. 
(2) Se meu divertimento não ocorre à custa da felicidade dos outros, não há nada de errado no que faço.
Esses são os dois motivos que esse tipo liberal usa para tentar justificar o seu comportamento egoísta. De fato, parecem motivos coerentes. Porém vamos analisá-los com mais profundidade. Tanto no primeiro como no segundo argumento, o que o liberal faz é recorrer há um efeito psicológico. Note: O meu ato deixa de ser um erro se (1) a pessoa com quem pratiquei quis e (2) se eu não entristeci ninguém. Tudo bem, concordo que no que diz respeito à consciência é possível, com esse pensamento, não se sentir mal após um erro. Mas no que diz respeito à moral, se você se sente bem ou não com o erro não faz de seu erro um acerto. Moralmente falando um erro é sempre um erro.

Alguns exemplos interessantes podem ser dados para clarear o tema. O primeiro vem da série de televisão House M.D. Em certo episódio, o doutor House cuida de um paciente que tem agido com uma bondade extrema. Sua bondade fora do normal leva o doutor a postular que ela se deve a um problema de saúde que gera esse tipo de com-portamento. No entanto, House se vê numa “encruzilhada ética”, já que o paciente havia lhe prometido um milhão de dólares para restabelecer sua antiga equipe no hospital. Ora, se o paciente estava mesmo sendo bom por sintoma de uma doença, seria antiético que o doutor aceitasse o dinheiro.

Tentando justificar o seu possível futuro erro, House vai até a sala de seu amigo Wilson e lança uma analogia. Ele pede a Wilson imagine que uma viciada em sexo lhe propusesse sexo oral. Deveria ele aceitar? Uma recusa traria infelicidade para ambos, ao passo que a aceitação traria prazer para os dois.

Já sabendo onde House queria chegar, o doutor Wilson responde que ele não deveria aceitar a proposta da viciada em sexo, assim como não deveria dar álcool a uma pessoa alcoólatra, e assim como não deveria aceitar o dinheiro daquele homem. O que Wilson nos mostra aqui é que o que está em jogo em discussões morais e éticas não é o modo como nos sentimos ou como se sente a outra pessoa, mas se a atitude está certa ou errada.

O segundo exemplo pode ser tirado de nossas vidas reais. Muitas coisas que nós fazemos podem causar sentimentos ruins, mas serem boas, ou causarem sensações boas, mas serem ruins. Quando brigo com um filho por alguma desobediência, isso causa um sentimento ruim tanto nele quanto em mim, porém trata-se de uma atitude necessária e moralmente boa. Se meu filho fica doente e eu resolvo não levá-lo no médico só porque tanto eu quanto ele não sentimos prazer em injeções, isso será uma atitude moralmente ruim, ainda que nos sintamos bem com isso. Aqui a bronca e a injeção são boas, mesmo causando sensações ruins. Em contraponto, álcool e drogas podem até causar sensações prazerosas, mas são coisas ruins.

O que estou querendo dizer é que, se de fato o sexo antes do casamento é algo egoísta, covarde e incompleto, que muitas vezes coloca as pessoas como objetos e que pouco valoriza o amor, a paciência e o respeito, então ele é moralmente errado. E se ele é moralmente errado, não importa se dois liberais se sentem felizes quando o fazem e se ambos consentem; continua sendo errado.

Alguém aqui pode contestar dizendo: “Ah, mas você está se baseando em uma moral bíblica”. Isso não é verdade. Não existe moral bíblica. A moral é uma só e existe antes da Bíblia. Não é necessário acreditar na Bíblia para que alguém acredite que existe moral. Penso que a grande maioria das pessoas que não são cristãs considera a mentira, a hipocrisia, a traição, a desonestidade, o egoísmo, a covardia, o desrespeito, a falta de amor, a impaciência, a incompreensão e a indiferença como sendo atitudes erradas. Ora, isso é julgamento de âmbito moral e ético. Se alguém faz esse tipo de julgamento, não precisa ser cristão, tem que concordar que os relacionamentos humanos devem evitar se basearem nessas atitudes. Tratar uma pessoa como se fosse um objeto, ainda que esta pessoa consinta com isso, não é uma atitude correta. Pessoas são pessoas e não coisas.

Então, chegamos a um ponto em que o liberal não tem mais para onde correr. Ou ele aceita que sua concepção está errada e muda de postura ou ele aceita que está errado, mas continua errando, sem importar. Porém, argumentos para defender o sexo antes do casamento, neste ponto, não existem mais.

Agora, o leitor perceba que até aqui eu defendi a concepção de virgindade antes do casamento apenas atacando os argumentos dos liberais. Então, é possível que o leitor queira que eu sintetize os argumentos da virgindade em si. Sendo assim, vou sintetizar a partir de agora tudo o que disse até aqui. Por que devemos esperar pelo casamento para ter relações sexuais? 
(1) Porque em um relacionamento amoroso deve-se prezar em primeiro lugar virtudes como o amor de uma pessoa, a paciência e o respeito. Neste aspecto, o sexo passa a ser secundário; não secundário no sentido de não ser importante, mas no sentido de só ter importância quando estas virtudes já estão bem desenvolvidas;
(2) porque a relação sexual é extremamente íntima e não pode ser comparada a meros beijos e abraços. Por ser a máxima intimidade física entre duas pessoas, ela deve estar acompanhada da máxima intimidade não-física;
(3) porque a concepção de virgindade antes do casamento ajuda o casal a focar mais no amor, na paciência e no respeito, elementos essenciais para que se consiga um bom casamento;
(4) porque quem tem amor, paciência e respeito, não terá problema algum para aprender ou para ensinar o que sabe em matéria de sexo para o seu companheiro;
(5) porque quando duas pessoas se casam virgem, não há no casamento nenhuma superioridade sexual por parte dos cônjuges;
(6) porque na realidade não existe sexo bom e sexo ruim. O sexo é sempre a mesma coisa, o que muda são aqueles aspectos secundários, que serão feitos conforme a vontade de cada casal;
(7) porque não importa se alguém consente em ser tratado como objeto: isso continua sendo moralmente errado e contrário aos próprios julgamentos que a maioria dos não-cristãos faz.
Ora, chegando ao fim desse texto, devo dizer que cumpri com a minha missão de não me basear na Bíblia para defender a concepção cristã de sexo. O leitor pode reler o texto inteiro e, se for honesto, verá que tudo o que foi discutido aqui teve como base os próprios julgamentos que os não-cristãos fazem; julgamentos morais. Abra mão de sua moral e você poderá dizer que está certo, mas se quiser ser moral, não há como escapar da conclusão: a concepção cristã está correta.

O resultado prático da concepção cristã de sexo é que as pessoas passam a ter mais importância. Os relacionamentos passam a ser mais sérios e o próprio sexo não se torna algo banal, mas uma prática sagrada que sela o amor verdadeiro que um homem e uma mulher sentem um pelo outro. Este é o sexo que vem acompanhado com o amor e que não se baseia apenas no prazer próprio. Este é o sexo onde um pensa no prazer do outro também. Este é o sexo que pode ser comentado, analisado e conversado entre o casal, sem vergonha alguma, sem embaraço, para que se torne cada vez melhor. Este é o verdadeiro sexo humano, moral e amoroso e, por isso, da vontade de Deus.