quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

O humanismo roxo de senhora Joana

2 comentários:
Nesses dias entrei em um debate na página do Facebook de um professor que tive na faculdade, no semestre passado. Ele havia postado um link que convocava as pessoas a assinarem uma petição para a cassação do registro de psicólogo do pastor Silas Malafaia, em função de seus comentários públicos sobre o homossexualismo e sua posição contrária ao projeto de lei 122.

Achei a campanha pela cassação do registro do homem algo descabido e fiz um comentário questionando por que o pastor não tinha o direito de expressar a sua opinião e onde ficava o “Posso não concordar com uma palavra que dizes, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las”, uma frase do pensador iluminista Voltaire.

Uma pequena discussão do assunto seguiu-se entre nós dois, porém não durou muito tempo, visto que em certo ponto me fiz parecer ofensivo (embora não tenha sido a minha intenção – é apenas o meu jeito enfático de debater) e o professor achou por bem terminar o debate. Concordamos, eu pedi desculpas, ele aceitou e “saí do ringue”.

Não obstante, quando eu pensava estar tudo acabado, eis que surge das cinzas uma conhecida do professor, fazendo comentários e citando meu nome. Eu, que não iria continuar o debate, agora era chamado novamente para o ringue (não interpretem isso de maneira literal, por favor). O comentário da dita-cuja foi o seguinte:
Caro Davi Caldas, a questão é que esse psicólogo não está sendo imparcial na sua especialidade, pois não apenas se deixa influenciar pela religião como, também funde as formações profissional e religiosa, baseando na religião os seus muitos preconceitos...

Os religiosos, a história nos mostra, têm cometido muitas atrocidades em nome de Deus e usando ‘sua palavra’ como argumento e justificativa. O que acontece, sr., é que ninguém aqui viu Deus assinando contrato de exclusividade com estes religiosos, e, ao que sabemos, não escreveu uma linha sequer dessa ‘palavra de Deus’. Isso, afinal, depõe contra o documento em si, o que deveria impossibilitar tal apropriação e fundamento.

Ademais, a liberdade de expressão que defende é a mesma que defende-mos para os homossexuais e que, ao que tudo indica, contraria o Sr. Malafaia, que com seus preconceitos estruturados em textos bíblicos, engrossa as fileiras da violência ao servir de estímulo para os homofóbicos e outros preconceituosos.

A questão de homossexualidade jamais poderá ter análise justa enquanto discutida por religiosos convictos que seguem a ‘palavra de Deus’, cujos preconceitos, julgamentos e punições bem conhecemos, assim como também não é justa por conta de psicólogos influenciados pela mesma religiosidade.

Quanto às escrituras bíblicas não instruírem a escravizar negros, coloni-zar índios e matar judeus, é bem verdade, seria um anacronismo afirmar isso, contudo, nos primeiros livros, em toda a passagem até a Terra Prometida instrui dizimar, escravizar e pilhar caduceus, saduceus, amoreus, jebuzeus, hititas, etc., o que dá no mesmo, pois eram os povos discriminados na época, tais como posteriormente os negros, prostitutas, mulheres, homossexuais e etc. Vê? Um longo histórico de violência pela discriminação que é diferente, considerado inferior, e tudo ‘em nome de Deus’.

Ademais, não podemos descosturar o objeto da ação pelo objeto da reação. Independente da bíblia aconselhar ou não, ela tem servido como argumento e justificativa e os fiéis acreditam e procedem segundo suas instruções. Será que agora vê sentido na cassação? Não está em questão a opinião da pessoa do Malafaia, mas o uso que faz dela enquanto pastor e psicólogo.

Não obstante, a questão se torna preocupante quando temos tantos pastores infiltrados na política, tentando, por esta esfera, inserir seus pensamen-tos religiosos na educação (depois de tanta luta por sua laicidade) e no compor-tamento alheio, o que é uma privação da ‘liberdade de expressão’, à qual se refere. Me parece uma evidente desconstrução do próprio argumento substituir a relevância pelo objeto; não concordar com constrangimentos impingidos aos fumantes, mas aceitar que homossexuais sejam constrangidos com os rótulos de pecado, doença, anomalia, etc., assim como admitir que, independente da bíblia ‘eles fariam do mesmo jeito’, denuncia um entendimento de que homens inescrupulosos expressam ideias próprias através do simbolismo bíblico, o que já depõe tanto contra o documento, não escrito por Deus e apresentado como sua palavra, quanto depõe contra a argumentação pelas intenções e a índole de quem dele se apropria.
Como diria o cômico filósofo Olavo de Carvalho: “Aaaaaaaahhh, meu Deus do céu!!!”. Como é que uma pessoa pode dizer tanta besteira dentro de um comentário tão pequeno como esse? Mas, vamos lá, refutar esse negócio. A propósito, chamarei essa senhora pelo nome fictício de Joana.

Em primeiro lugar, devo lembrar que uma pessoa só consegue usar a Bíblia para justificar atrocidades se distorcê-la. E a própria Bíblia condena essa prática, como pode ser visto em passagens como Ezequiel 34:1-10 e Pedro 3:15-18 (entre inúmeras outras). Eu desafio a senhora me provar que é possível justificar atrocidades sem distorcer aquilo que a Bíblia diz. Desafio a senhora a me mostrar uma pessoa atroz que não faça exatamente o oposto do que a Bíblia fala para fazer.

Em segundo lugar, a senhora afirma que a Torá “instrui dizimar, escravizar e pilhar caduceus, saduceus, amoreus, jebuzeus, hititas, etc”. Vou pedir-lhe, com todo o respeito, para não tirar fatos de seus contextos, porque isso, sim, dá margem para atrocidades. Qualquer estudante sério da Bíblia (o que já posso ver que a senhora não é) sabe que nenhum texto pode ser tirado de seu contexto e que a Bíblia deve ser estudada levando-se em conta o contexto da passagem e o contexto histórico. Ou seja, tudo o que a senhora não faz.

A senhora, por exemplo, “esquece” de dizer que os povos que moravam na terra de Canaã tinham costumes bárbaros como queimar seus próprios filhos em ofertas a deuses, estuprar estrangeiros que chegavam a suas cidades, cometer incestos, violentar mocinhas e mocinhos, torturar seus escravos e prisioneiros de guerra, vender suas filhas para serem prostitutas, fazerem sacrifícios humanos e etc. E isso já se estendia por centenas de anos. Isso a senhora não faz questão de citar, não é...? São esses os povos “discriminados” que a senhora defende? Bom saber...

Agora, me diga, senhora: “O que a senhora faria se tivesse que se apossar de terras que são suas por direito, mas que estão repletas de pessoas que cometem essas atrocidades?”. Há 3 opções: (1) pedir educadamente que essas pessoas saiam dali, pois as terras são suas; (2) morar junto com essas pessoas; (3) guerrear contra elas. Acredito que as duas primeiras sejam inviáveis, né...? Neste caso específico, a guerra é inevitável. Eu desafio a senhora a me mostrar que entrar em uma luta inevitável por algo que lhe é de direito, contra pessoas que cometem as mais terríveis atrocidades é uma coisa cruel e imoral. E desafio também a me provar que a Bíblia afirma que instruções civis e contextuais da época são válidas para os dias de hoje.

Quanto à Bíblia servir para discriminar, não senhora, ela não serve. A Bíblia, se estudada corretamente e se não distorcida, mas seguida fielmente, não é capaz de ser usada para justificar discriminações. Quero que prove-me que um, apenas um, desses idiotas homofóbicos que espancam gays por aí é um cristão fiel à Bíblia. A senhora não conseguirá. Porque a máxima da Bíblia Sagrada é: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. Ou seja, o cristão não deve concordar com a prática homossexual, mas tem o dever de amar o homossexual como a si mesmo. É bíblico isso.

Terceiro, a senhora afirma que é algo preocupante ter “tantos pastores inseridos na política, tentando, por esta esfera, inserir seus pensamentos religiosos na educação (depois de tanta luta por sua laicidade) e no comportamento alheio”.

Como eu disse, eu não estou defendendo o Silas. Na verdade, acho que ele falha em muitos pontos e até briga por coisas desnecessárias, às vezes. Quanto à relação entre religião e política, acredito que elas não devem existir. Agora, concordo com o Silas quando ele se opõe a projetos infames como a PL 122 que intenta tirar dos cristãos o direito de não concordar com a prática homossexual e elevar o homossexual acima das outras pessoas. Isso não é misturar religião e política, mas lutar para garantir o direito da liberdade de expressão.

Também concordo com o Silas quando ele diz que o homossexualismo não é algo predeterminado geneticamente. Uma pessoa pode até nascer com inclinação à prática homossexual, assim como há pessoas que nascem com uma inclinação a serem violentas – não é uma doença, é uma característica. Mas isso não quer dizer que esta pessoa está obrigada e destinada a seguir esse comportamento. A pessoa pode muito bem vencer essa tendência SE ELA QUISER (se ela não quiser, nenhum cristão bíblico está intentando obrigá-la aqui).

Agora, sabe o que realmente me preocupa? É ver tantos marxistas infiltrados na política, na cultura e nas salas de aulas, tentando, por meio de doutrinadores marxistas fantasiados de professores, inserir seus pensamentos genocidas na cabeça do povo. A senhora sabe (ou deveria saber) que o marxismo ajudou a criar dezenas de ditaduras no século XX, dentre as quais se destacam a URSS, a China, a Coréia do Norte e o Camboja. E a senhora sabe (ou deveria saber) que todos os regimes comunistas juntos levaram à morte mais de 100 milhões de pessoas por repressão, fome e guerras causadas diretamente pela política comunista. Na China, por exemplo, milhares e milhares de cristãos foram perseguidos, presos e mortos na “Revolução Cultural” de Mao Tsé Tung, que queria exterminar tudo o que era velho, o que incluía a religião.

O humanismo, a crença de que o ser humano é bom por natureza, que o mal está em algum fator externo a ele (a burguesia, o capitalismo, os religiosos, os judeus, os não-arianos, os estrangeiros ou qualquer outro bode expiatório) e que ele é capaz de transformar o mundo em um paraíso lutando contra os “agentes” do mal, é o maior dos males que tivemos no século XX. Foi responsável pela morte de milhões de pessoas, não porque foi distorcido, mas porque foi seguido fielmente. Ele é a base do marxismo, do fascismo e do nazismo. Felizmente nazismo e fascismo foram estigmatizados e quase todo mundo os acha horríveis. Não obstante, o marxismo continua aí, sendo pregado e infectando a cabeça das pessoas. Uma ideologia genocida por natureza que não tem como alcançar o paraíso porque se sustenta em uma premissa que já se mostrou falha há tempos: a de que o homem é bom e capaz de fazer um céu na terra.

O cristianismo, querida senhora, diferentemente do humanismo, não se baseia na premissa de que o homem é bom e que o mal é externo a ele, mas sim na premissa de que todos nós somos pecadores, ninguém é melhor que ninguém e todos nós precisamos de Deus. É o que a Bíblia diz. Então, o problema não está na Bíblia, senhora, mas sim em quem não segue a Bíblia da forma como ela realmente é. E colocar a culpa na Bíblia é uma prova cabal de que a senhora não aceita que o problema está no homem, mas em algum agente externo (seu bode expiatório é a Bíblia, né?). A senhora é uma humanista roxa, quiçá, uma marxista ferrenha. E eu já consigo prever, sem dificuldade, que seus ataques à Bíblia e a religião jamais acabarão, pois o mal não pode estar no ser humano, não é mesmo?

Quarto, a senhora faz referência a várias coisas que eu disse em meu debate com o meu professor. Uma dessas coisas foi a minha resposta ao argumento do professor de que algumas opiniões devem ser restringidas se elas advêm e/ou são causa de algum a discriminação, preconceito ou violência. Deixe-me colocar minha resposta aqui:

M. A., eu concordo com você que coisas que incitem o preconceito devem ser restringidas. O problema é que não há nenhum incentivo ao preconceito em não concordar com a prática homossexual. Eu, por exemplo, não concordo com a prática do fumo. Acho horrível, nojento, nocivo, de péssimo gosto. Falo isso abertamente. Critico quem fuma. Mas nem por isso trato essas pessoas de uma maneira diferente de como trataria qualquer não-fumante. Então, não sou preconceituoso. Eu o seria se achasse certo bater em fumantes, cuspir neles, xingá-los, não permitir que eles entrassem em determinados lugares, matá-los, torturá-los, exilá-los, não permitir que tenham empregos, prendê-los, expropriar seus bens e etc. Isso é preconceito.
A Joana afirma que eu me contradisse, pois não concordo com constrangimentos impingidos aos fumantes, porém aceito que homossexuais sejam constrangidos com os rótulos de pecado, doença e anomalia. Percebam que ela distorce as minhas palavras e inventa algo que eu não disse. Em nenhum momento eu disse que não concordo que os fumantes recebam críticas que os constranja. O que eu disse foi que não concordo que os fumantes sejam espancados, cuspidos, xingados, torturados, expropriados, banidos da sociedade e proibidos de terem empregos só porque são fumantes. O mesmo serve para qualquer pessoa. Agora, receber críticas, acho que tanto fumantes como homossexuais podem receber, pois todo comportamento é passível de crítica. Por que não?

Acho engraçados esses humanistas. Vivem falando um monte de baboseira contra Deus, a Bíblia e o cristianismo; coisas que não tem o menor sentido e que ofendem a beça. A própria Joana me ofende e constrange ao dizer (sem nenhum conhecimento) que a Bíblia não é a palavra de Deus e que é a culpada pelas atrocidades que um monte de imbecil faz por aí. Aliás, todo dia, eu vejo humanistas falando coisas que constrangem religiosos, dizendo que eles são burros e ignorantes ou que são a causa de todo o mal da humanidade e tudo o mais. Piadinhas com coisas sagradas então é o que não falta. Aí quando um religioso resolve criticar as idéias humanismo... “Ah, meu Deus, como você é intolerante e blá, blá, blá”. Joana, comigo esse truque não vai colar. Desista.

A senhora diz ainda que admitir que “homens inescrupulosos expressam idéias próprias através do simbolismo bíblico” depõe contra o documento. Mas é evidente que não! Se a Bíblia não manda fazer algo, mas a pessoa faz e depois distorce a Bíblia para justificar seu erro, o erro é da pessoa, não da Bíblia. A Bíblia não manda fazer. Acabou, Joana. Não tem o que discutir aqui. Quem fica tentando achar “simbolismo” na Bíblia para “justificar” suas atrocidades está deturpando esta e, portanto, não está seguindo o que ela diz. É difícil de entender isso? Vai continuar tirando a culpa do ser humano e colocando a culpa em algum agente externo?

Por fim, quero responder o seu “argumento” contra a Bíblia. A senhora afirma que “ninguém aqui viu Deus assinando contrato de exclusividade com estes religiosos, e, ao que sabemos, não escreveu uma linha sequer dessa ‘palavra de Deus’. Isso, afinal, depõe contra o documento em si...”.

Diga-me, cara Joana, o que seria um livro escrito literalmente por Deus? Seria um livro com papel divino, escrito com tinta divina? E ainda que fosse e que este livro existisse, o que me garante que a senhora não questionaria se, de fato, o papel, a tinta e o livro são divinos? Entende? Não faz sentido querer que Deus tenha escrito a Bíblia de maneira literal. Se de fato Deus existe, Ele inspirou homens a escrever. E sabe como nós descobrimos se a Bíblia é mesmo a Palavra de Deus? Estudando.

A senhora conhece os argumentos que existem a favor de Deus, do cristianismo e da Bíblia? Já leu algum livro de estudiosos como William Craig, Alvin Plantinga, C. S. Lewis, Norman Geisler, Alister McGrath, Peter Kreeft, Richard Swinburne, Rodrigo Silva, Olavo de Carvalho, G. K. Chesterton, Robert Huntchinton, Darrel Bock, Francis Collins, Dinish d’Souza, Michael Behe, F. F. Bruce, N. T. White e K. A. Kitchen? Não? A senhora só conhece o que a mídia vomita em nós? Então, senhora Joana, vá estudar! E leia a Bíblia direito, porque a senhora não soube sequer citar os nomes corretos dos povos cananeus antigos (saduceus era uma facção da religião judaica da época de Cristo e “caduceus” nem é uma palavra que exista na Bíblia).

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Sobre os Milagres

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Certo blogueiro cujas postagens eu admiro expôs em seu blog uma vez o motivo pelo qual deixara de ser cristão. Segundo ele, a razão era a sua dificuldade de acreditar em milagres como, por exemplo, a ressurreição de Jesus. Sua descrença não o transformou em um militante contra o cristianismo ou o teísmo, mas impossibilitou que ele continuasse a ser um apologista cristão.

Foi por lembrar esse fato que achei importante dedicar uma postagem à questão dos milagres. De fato, embora os argumentos expostos até aqui tornem a crença em Deus muito racional e plausível, é complicado para uma pessoa acostumada a negar o sobrenatural, aceitar, de uma hora para outra, a existência de milagres. Os questionamentos dessas pessoas são mais ou menos os seguintes:

“Como pode ser possível que alguns eventos (milagres) quebrem as leis da natureza? Como podemos acreditar em algo que a ciência não pode explicar? Crer em milagres não é contra-rio à lógica, à razão e a ciência? Se realmente eles são possíveis, podemos dizer que eles são prováveis? Qual a probabilidade de milagres acontecerem? Por que milagres não ocorrem com mais freqüência? Por que a maioria das pessoas não vê milagres?”.

Oferecer respostas a essas perguntas é um trabalho que não pode ser negligenciado. Se há pessoas como o blogueiro que citei, que perderam sua fé por causa desse tipo de questionamento, nós devemos estar atentos a elas e respondê-las do melhor modo possível. É o que pretendo fazer nesse capítulo.

Sobre as Leis da Natureza

O que são “leis da natureza”? Esta é a primeira pergunta que qualquer pessoa deve fazer antes de discutir se os milagres podem ou não quebrá-las. A compreensão geral do termo parece ser a seguinte: “As leis da natureza são fenômenos naturais fixos, isto é, fenômenos que ocorrem com uma constância determinada, que são parte inerente da ordem no mundo e que não podem mudar”. Um exemplo de lei da natureza seria a força da gravidade que existe em nosso planeta. Em função dela, todas as coisas são puxadas constantemente para o centro da terra.

Bem, é justamente a partir desse entendimento sobre leis da natureza que os naturalistas chegam à conclusão de que não é possível existir milagres. Por exemplo, sabemos que um homem que se ponha de pé em cima das águas, afundará, porque as leis da natureza não permitem que alguém se firme em pé sobre algo em estado líquido. Então, quando o Novo Testamento vem e diz que Jesus andou por sobre as águas, a idéia é que ele quebrou as leis da natureza. Mas se as leis são fixas, então a história de que Jesus as quebrou é falsa. Esse é o pensamento naturalista.

Agora, se o leitor me permite um pouco de ceticismo, eu devo afirmar que este pensamento é tão ingênuo que chega a ser risível. Uma análise um pouco mais cuidadosa da situação, mostra que se, de fato, Cristo andou por sobre as águas, não houve absolutamente nenhuma quebra das leis da natureza. As coisas ficam mais claras através de uma analogia. Vamos supor que eu lance uma maçã do quinto andar do meu prédio, em linha reta, na direção do chão da calçada. Qual é a previsão que temos? É a de que a maça cairá no chão, não é verdade? E por que nós prevemos isso? Porque existe uma lei da natureza chamada força da gravidade, que puxa as coisas para baixo. Então, se jogo a maçã do quinto andar, em linha reta, na direção do chão, a previsão é de que ela caia no chão.

Contudo, imagine que eu jogue a maçã em linha reta, ela desça na direção do chão, mas no momento em que ela passa em frente ao apartamento do segundo andar, alguém coloca a mão pela janela e a segura. Oh! O que aconteceu?! A maçã não caiu no chão como nós havíamos previsto. Podemos dizer então que a lei da gravidade foi quebrada? É claro que não. O que ocorreu foi uma quebra da previsão. Nós prevíamos que a maçã iria cair no chão porque tínhamos em mente apenas dois fatos: a lei da gravidade e a queda em linha reta da maçã. Se realmente apenas esses dois fatos ocorressem na situação, nossa previsão não seria quebrada. Porém, um terceiro fato, inteiramente novo, surgiu e modificou o resultado que esperávamos: a mão de alguém interceptou a queda da maçã.

C. S. Lewis, em sua obra intitulada Milagres, apresenta uma analogia ainda melhor. Ele diz o seguinte:

Se coloco seis centavos em uma gaveta na segunda-feira e mais seis na terça, a lei determina que (...) vou encontrar ali 12 centavos na quarta-feira. Se a gaveta, porém, for arrombada é possível que eu encontre apenas dois centavos. Algo terá sofrido alteração (...), mas as leis da aritmética não se alterarão. A nova situação criada pelo ladrão demonstrará tão bem as leis da aritmética quanto a situação original [1].
O leitor percebe? Não houve quebra da lei da gravidade na situação da maçã, tal como não houve quebra das leis da matemática (aritmética) na situação do dinheiro na gaveta. A soma de seis mais seis continuou sendo doze e a gravidade continuou puxando as coisas para o centro da terra. O que mudou foi a previsão que fizemos, justamente porque um fato novo, com o qual não contávamos, interferiu na situação.

Portanto, se realmente milagres existem, é idiotice dizer que eles quebram as leis da natureza. O que eles quebram são as nossas previsões. “O milagre”, completa C. S. Lewis, “introduz um fator novo à situação: a força sobrenatural, com a qual o cientista não contava” [2]. Foi o que ocorreu no caso de Jesus. A previsão era de que um homem não poderia andar por sobre a água, pois eram considerados fatores como a lei da gravidade, a densidade que tinha um homem de pé e o estado físico do local em que estava pisando. Com apenas esses fatores em jogo, não haveria como um homem andar sobre a água. Mas com mais o fator sobrenatural, o resultado foi diferente.

É importante ressaltar ainda que é justamente por causa das leis da natureza que os milagres podem existir. Se não existissem leis naturais que determinassem que um homem não pode pisar na água sem afundar, não poderíamos dizer que Jesus operou um milagre. Da mesma forma, a existência de leis naturais assegura que milagres podem ocorrer se o elemento sobrenatural estiver operando. Porque não faz sentido que a situação natural por si mesma e a situação natural somada ao sobrenatural, produzam apenas o mesmo resultado. Se um elemento novo é posto na situação, o resultado não poderá ser o mesmo. Assim como nossa maçã, que acabou não caindo no chão por conta da mão que interceptou sua queda.

Os Milagres e a Ciência

Muito bem, nós já sabemos que os milagres, se existem, não quebram as leis da natureza. Contudo, isso não muda muito a situação para o naturalista. A natureza pode não ter as suas leis quebradas pelo elemento sobrenatural, porém o curso natural de seus eventos é alterado. E o maior problema disso, para o naturalista, é que o sobrenatural não poderá ser explicado através do natural. Por exemplo, se eu digo que Cristo andou por sobre as águas por que havia ali um elemento sobrenatural chamado fé, o naturalista questionará: “Como isso se dá? A fé gera algum tipo de prancha para que a pessoa flutue?”.

O naturalista sentirá uma terrível dificuldade de aceitar que haja qualquer tipo de interação entre a fé e a natureza. E isso ocorrerá porque o naturalista só consegue pensar no interior de sua perspectiva natural. Acontece que isso nem de longe prova que não seja possível haver tal interação. E se a interação entre a fé e a natureza é mesmo possível, é evidente que não poderemos entendê-la da perspectiva natural. Para citar outra vez o saudoso C. S. Lewis:

O comportamento dos peixes que estão sendo estudados em cativeiro torna o sistema relativamente fechado. Suponhamos, porém, que o tanque onde se encontram fosse abalado por uma bomba nas imediações do laboratório. O comportamento dos peixes não poderia mais ser explicado por aquilo que acontecia no tanque antes de a bomba cair, pois houve uma falha na interligação anterior. Todavia isso não significa que a bomba e a história anterior dos acontecimentos dentro da tanque estejam total e irremediavelmente desconectadas, e sim que, para encontrar a relação entre eles, será preciso voltar a uma realidade muito mais ampla, que inclui tanto o tanque quanto a bomba – a realidade da Inglaterra no tempo da guerra: as bombas estão caindo, mas alguns laboratórios continuam em atividade. Essa relação jamais seria encontrada na história do tanque. O milagre, da mesma forma, não se acha naturalmente associado na direção retroativa. Para descobrir como ele se acha interligado com a história anterior da natureza, é necessário substituir tanto esta quanto o milagre em um contexto mais amplo: tudo está ligado com tudo o mais. Nem todas as coisas, porém, estão ligadas pelos caminhos curtos e diretos que esperávamos [3].
O erro do naturalista é querer entender tudo apenas pelo o que acontece dentro do “aquário”. Não consegue entender que se existe mesmo uma sobrenatureza, é necessário ter uma visão completa tanto do que acontece dentro da natureza, como o que ocorre fora; e qual é a relação entre as duas. Talvez devêssemos lembrar aqui que a ciência estuda o mundo natural e nada tem a dizer sobre o que vai além. Então, é mais que certo que um milagre não esteja dentro da alçada da ciência. O dia em que a ciência natural puder explicar um milagre, então teremos certeza de que não houve um milagre, mas um fenômeno natural.

Bibliografia:


1. Lewis, C. S. Milagres. São Paulo: Vida, 2006. Páginas 93 e 94.
2. Lewis, C. S. Milagres. São Paulo: Vida, 2006. Página 94
3. Lewis, C. S. Milagres. São Paulo: Vida, 2006. Páginas 97 e 98.