Uma amiga e leitora assídua do meu blog me pediu que eu escrevesse algo sobre a questão do casamento gay. Em outras palavras, ela deseja saber se eu sou contra ou a favor e por que. Confesso que devo ter adiado o pedido por mais de um mês, pensando em como eu iria começar esse texto. Hoje acabei tendo uma idéia. Já que sou de direita e escrevo sobre filosofia política, vou começar o texto mostrando qual é a posição da direita a respeito. Ao término, darei meu ponto de vista.
Em geral, pensa-se que a direita é contrária ao casamento gay. Não, eu não falo dos direitistas, isto é, as pessoas que compõem a direita. Falo da direita mesmo, como posicionamento político. O senso comum crê que tal posicionamento é, em sua essência, tradicionalista e conservador no âmbito da moral. Assim sendo, o casamento de pessoas do mesmo sexo certamente seria contrário ao ideal da direita. Este é o senso comum.
Contudo, a coisa não é tão simples assim. Nós poderíamos falar de muitas idéias que são unânimes dentro do verdadeiro pensamento da direita, como o individualismo, o ideal de um governo limitado e pequeno, baixos impostos, o federalismo, o incentivo à iniciativa privada, a rigidez das leis e etc. Tais idéias fazem parte do posicionamento original da direita. Se alguém não concorda com nada disso, não pode ser considerado um direitista.
Agora, a questão do casamento gay é uma daquelas questões que simplesmente não apresenta resposta dentro do pensamento de direita. Ou seja, o simples fato de ser direitista não define se você será contra ou a favor do casamento gay. O leitor deve estar perguntando: “Mas como assim? A direita não é conservadora?”. A resposta é: “Não exatamente”.
O pensamento de direita, como já escrevi em muitas postagens, surgiu a partir da união de duas mentalidades ou ideologias: o liberalismo clássico e o conservadorismo anglo-americano. A primeira estabelece como doutrina básica o individualismo. Para o liberalismo clássico, a liberdade do indivíduo deve ser respeitada e levada em conta ao máximo possível pela cultura e, sobretudo, pelo governo. A conseqüência lógica disso é que o governo não deve ter muito poder e nem se intrometer na vida do cidadão. A sua função primordial é manter a lei e a ordem.
A segunda mentalidade ou ideologia estabelece como doutrina básica a idéia de conservação das bases da sociedade. Para o conservadorismo, a sociedade está erguida sobre colunas que, se forem danificadas ou destruídas, fará desmoronar tudo aquilo que construímos. Essas colunas seriam a moral, a família, a hierarquia, a religião, o direito a propriedade privada, os direitos individuais, as instituições tradicionais, o senso de que o ser humano não tem uma natureza boa e etc.
A união dessas duas mentalidades ocorreu de maneira natural, pela afinidade entre suas idéias. Por exemplo, o conservador, ao defender a conservação da religião e dos direitos individuais, está de acordo com o liberal clássico, que deseja que todo o cidadão possa ter o direito de escolher a religião que quiser ou escolher não ter religião nenhuma, sem ser perseguido pelo Estado. E o liberal, ao defender que o governo seja pequeno e limitado, está de acordo com o conservador, que sabe que o ser humano não é confiável e que, por isso, não é bom colocar muito poder em suas mãos.
Por conta dessas afinidades, a direita se formou. Ela é o pensamento que mescla o liberalismo e o conservadorismo. Entretanto, embora haja muitas afinidades, nós não podemos esquecer que se tratam de duas mentalidades diferentes. Sendo assim, é óbvio que em alguns assuntos haverá uma tensão interna na direita, o que impossibilitará que a mesma apresente um posicionamento definido.
Em vez disso, há o surgimento, tal como na esquerda, de vertentes diferentes da direita, cada qual com seu ponto de vista em relação a tais divergências. A questão do casamento gay entra neste contexto. Não existe uma posição unânime, como em outros assuntos. As vertentes mais liberais concordam com o casamento gay. As vertentes mais conservadoras discordam. Isso, evidentemente, não faz uma vertente ser mais ou menos direitista do que a outra. Faz apenas ser mais liberal ou mais conservadora. Mas ainda continuam sendo vertentes da direita.
Analisando argumentos liberais e conservadores
Tendo compreendido que cada vertente da direita tem uma opinião diferente sobre a questão do casamento gay, resta saber quais são os argumentos que cada uma dessas vertentes sustenta. Vamos trabalhar com uma divisão básica: a vertente liberal e a vertente conservadora. Esta divisão já nos serve.
A vertente liberal se baseia no seu ideal de liberdade individual para responder a essa questão. Para ela, o indivíduo deve ter liberdade máxima para fazer o que quiser de sua vida, desde que não afete diretamente a liberdade de seu próximo. Deste modo, não faria sentido proibir um gay de casar-se, no civil, com outro gay. Por mais que o liberal possa não concordar com a prática homossexual (e isto é um direito dele), o gay tem o direito de fazer o que bem entender de sua vida. Pronto. A visão do liberal sobre o tema acaba aqui.
Para a vertente conservadora, a coisa é um pouco mais delicada. Em primeiro lugar, o conservador observa que família não significa uma aglomeração qualquer de pessoas. O mesmo entendimento serve para as definições de casamento e casal. Por exemplo, uma fila num caixa de supermercado não é uma família. Uma classe escolar não é um casal. Estar sempre com uma pessoa não é um casamento. Melhores amigos, por mais que se considerem simbolicamente uma família, não o são, de fato.
Em outras palavras, há definições específicas para casamento, família e casal, e essas definições não se enquadram na idéia de “qualquer aglomeração de pessoas”. Um casamento é a união amorosa e sexual de duas pessoas cujas naturezas possibilitam, em seu funcionamento normal e pleno, gerar descendência. Casal é a união de duas pessoas cujas naturezas possibilitam, em seu funcionamento normal e pleno, que um casamento seja feito entre ambas. Família é a união de descendência e descendentes.
Alguém pode dizer que essas definições são religiosas ou que são convenções sociais. Mas elas não são nem uma coisa, nem outra. Elas são naturais. Se você colocar em uma ilha deserta duas pessoas do mesmo sexo, em pleno funcionamento, elas jamais conseguiriam gerar descendência. Elas jamais conseguiriam gerar uma família. Então, o que temos é apenas uma aglomeração de pessoas.
Vou mais longe. Se você colocar em uma ilha deserta uma pessoa em pleno funcionamento e um animal qualquer, também em pleno funcionamento, jamais haverá possibilidade de sair dali descendência ou família. O que temos ali não é um casamento, nem um casal. Temos uma aglomeração de seres.
Quando estas definições são ignoradas, casamento, casal e família passam a ser qualquer aglomeração que se queira chamar por esses nomes. Não há mais critérios para as definições. Assim, não faz sentido afirmar, por exemplo, que o casamento deve ser entre duas pessoas. Pode ser entre três, quatro, cinco, vinte. Por que não? Pode ser entre um homem e um macaco ou entre uma mulher e um cachorro. Um casal poderia ser formado por um marido, uma esposa e um boi. Eu poderia me casar com uma cadeira.
O Brasil poderia ter um presidente e duas primeiras-damas. Por que a poligamia seria algo ilegal? Eu poderia me casar com uma cadeira. Eu poderia ter uma mãe e dez pais, ou três mães e vinte pais. Na minha certidão eu poderia ter sete mães adotivas, ou um cavalo como sendo meu pai legal. Por que não?
Quando se acaba com as definições naturais de família, casamento e casal, tudo pode ser uma família, um casal ou casamento. Isso não só mexe com toda a estrutura social, criando uma sociedade totalmente fora do padrão natural, como mexe com toda a estrutura jurídica do Estado.
Imagine a seguinte situação: um casal, formado por uma mulher e dois homens, resolve se divorciar. Contudo, a briga foi apenas entre os dois homens. Assim, eles querem se divorciar um do outro apenas, mas não de sua mulher. E ela, por sua vez, aceita a situação. E agora? Como é que o juiz irá desfazer o “casal” e ao mesmo tempo mantê-lo junto? Tudo bem, isso é uma hipótese que pode nunca ocorrer. Mas é um exemplo claro de que mexer em definições naturais gera uma inacreditável confusão na sociedade.
As observações do conservador não param aí. Ele também observa que todos esses relacionamentos não podem ser considerados biologicamente corretos. Por mais que isso possa entristecer os gays, é um fato. Se eu tivesse um gato que latisse como um cachorro ou se eu visse minha mãe comendo pedra, certamente eu não diria que esses comportamentos são biologicamente corretos. Não são. Não é algo natural.
Mas, a partir do momento em que se mudam as definições de família, casamento e casal, os relacionamentos homoafetivos, poliafetivos e zooafetivos alcançam um status de natural. De fato, a luta de muitos militantes homossexuais tem como meta principal impor sobre a sociedade o seu padrão de relacionamento, obrigando que todos reconheçam que a prática homossexual é tão natural quanto a hetero. Querer casar-se no civil serve com mais um passo para implantar essa concepção na sociedade.
Uma vez conseguido isto, ninguém mais tem o direito de discordar da prática homossexual e/ou de achar que isso não biologicamente correto. Para o conservador, esta é a gota d’água. Em função de uma minoria que prefere agir de modo diferente do natural da espécie humana, toda a sociedade é obrigada a mudar suas definições naturais de família, casal e casamento, mudar seu sistema jurídico, aceitar o homossexualismo, o poliamor e a zoofilia como práticas naturais e jamais poder discordar delas. Por essas razões, a vertente conservadora se opõe ao casamento gay.
O meu ponto de vista
Se o leitor espera de mim um posicionamento firme contra ou a favor da questão do casamento gay, sinto muito, mas terei que frustrá-lo. Minha convicção sobre o tema está sempre no muro, às vezes pendendo um pouco para um lado, às vezes pendendo um pouco para o outro, mas nunca saindo do muro.
Confesso que antes de começar a escrever este artigo, eu estava pendendo mais para o lado liberal. A visão liberal, de fato, é mais simples e mais convincente. Se você acredita que o indivíduo deve ter liberdade para fazer o que quiser de sua vida, impor a ele qualquer proibição parece ser uma afronta ao liberalismo. E como, à primeira vista, mesmo que você não concorde com a prática homossexual, o casamento gay não irá te afetar em nada, a visão liberal costuma a parecer mais plausível. Sendo eu um defensor da liberdade individual, esse caminho me agradou nesse sentido.
Por outro lado, quando comecei a analisar mais detidamente as conseqüências inevitáveis da legalização do casamento gay, passei a pender para o lado conservador da direita. Ora, realmente não faz o menor sentido destruir os conceitos naturais de família, casal e casamento, criar uma terrível confusão jurídica e dar aos relacionamentos mais biologicamente esquisitos o status de natural, se nada disso é necessário para dar aos gays o direito de se relacionarem.
Talvez esse seja o ponto mais forte da argumentação conservadora: os gays já têm o direito de se relacionarem. E o mesmo se pode dizer de quaisquer outros praticantes de relacionamentos diferentes do normal. Não é crime viver com um boi e se relacionar com ele. Não é crime viver com cinco maridos e três esposas.
Contudo, os liberais também argumentam que muitas sociedades, ao longo dos séculos, tiveram relacionamentos que fugiram ao padrão “um homem e uma mulher” e que, por isso, não faz sentido o Estado intervir nesse tipo de coisa. Os conservadores rebatem, dizendo que as sociedades foram evoluindo e que não devemos retornar às eras remotas, onde sociedades inteiras agiam de modo estranho ao padrão natural, comendo carne humana, por exemplo. E por aí vai a discussão.
Há algumas idéias intermediárias também. O blogueiro Luciano Ayan diz que o matrimônio não deveria ser algo regulado pelo estado. Isto é, o casamento não deveria ser civil. Renan, um dos articulistas do "Direitas Já!" concorda com esta idéia. Chama isso de desestatização do casamento. Em resumo, o casamento poderia ser apenas um contrato que seria formulado da maneira como o “casal” quisesse e que o Estado apenas garantiria o seu cumprimento. É uma idéia.
Luciano Ayan também defende o que ele costuma chamar de “mercado de comportamentos”. Para ele, todo e qualquer comportamento é passível de ridicularização e de críticas. Eu concordo. Isso é liberdade de expressão. Assim, segundo Ayan, desde que essa premissa seja protegida, qualquer tipo de “casamento” deveria ser permitido, a fim de se criar um “mercado de comportamentos”. Neste “mercado”, nós teríamos todo o direito de escolher o que achamos bom e o que achamos ridículo. Isso acaba com o problema de ter que aceitar práticas estranhas como sendo naturais.
Eu, algumas vezes, penso que o casamento civil poderia ser mantido da forma como é: uma união entre um homem e uma mulher. Aqueles que quisessem se unir de maneira diferente, fariam seus contratos não civis de união estável, como quisessem, e seriam assim, unidos contratualmente.
Entretanto, não devemos esquecer a questão dos filhos. Qualquer agrupamento de pessoas tem o direito de adotar filhos? Certamente foge ao natural uma criança ter três pais, por exemplo. Luciano Ayan, embora ache ridículo, acredita que isso também deve entrar no mercado de comportamentos. Eu, como não endosso nenhuma posição, não tenho certeza.
Enfim, não posso dizer que tenho uma posição definida sobre o assunto. Como já disse, estou no muro e cada hora pendo para um lado. Mas, para não deixar o leitor na completa frustração, devo dizer que esse artigo me fez pensar melhor nos argumentos da vertente conservadora. Isso levantou uma questão em minha mente: “E se eu fosse conservador, mas homossexual? Seria contraditório?”.
Creio que não. Eu poderia gostar de pessoas do mesmo sexo e ter um parceiro fixo morando comigo, mas ter convicção de que o padrão natural é a união entre um homem e uma mulher e, portanto, não fazer questão de reivindicar direitos naturais que pertencem apenas aos casais hetero, a saber, o casamento e os filhos. Acredito ser essa uma visão plausível. E o leitor? O que acha? Penso que vale a pena analisar bem os dois lados da questão. Afinal, há ótimos argumentos, tanto de um lado, quanto de outro.