quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Sobre o cavalheirismo

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Resolvi consultar a palavra “cavalheiro” em um dicionário de Língua Portuguesa, a fim de escrever um texto sobre o assunto. Segundo o conceituado dicionário Aurélio, cavalheiro é um “homem de sentimentos e ações nobres” ou ainda um “homem de educação esmerada”. Para entender mais a fundo, resolvi procurar pelos vocábulos “nobre” e “esmerada”. Nobre, para os fins de nossa reflexão, quer dizer “elevado, sublime, generoso”. E esmerada é uma qualidade de quem tem esmero, que significa “cuidado especial em um serviço”. 

Deste modo, entendi que um genuíno cavalheiro é o homem de sentimentos e ações elevadas, sublimes e generosas e que cultiva a educação com cuidado especial.

Contudo, não fiquei satisfeito. Afinal, ainda há uma palavra em nossa definição que precisa ser mais bem compreendida. Trata-se de “educação”. O que isso significa? Resolvi procurá-la também e me deparei com o seguinte: “Processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano” e ainda “civilidade, polidez”. O termo “civilidade”, por sua vez, significa “conjunto de formalidades observadas pelos cidadãos entre si em sinal de respeito mútuo e consideração”. E a palavra “polidez” é relativa a ser “atencioso e cortês”. “Cortês”, de cortesia, significa ser “delicado e amável”.

Tendo essas definições em mãos, compreendi que um genuíno cavalheiro é o homem de sentimentos e ações elevadas, sublimes e generosas que cultiva em si mesmo, com cuidado especial, o desenvolvimento das capacidades física, mental e moral, e observa com apreço o respeito mútuo e a consideração pelo próximo, buscando ser atencioso, cortês, delicado e amável. Em inglês, este é o “gentleman”, o homem gentil.

Ser cavalheiro evidentemente ultrapassa o limite da cordialidade para com a mulher. As virtudes de um cavalheiro devem estender-se para todos os indivíduos a volta, o que inclui outros homens. Contudo, o cavalheirismo geralmente é relacionado ao tratamento dispensado ao sexo feminino. Por que isso ocorre? É simples. A mulher, como gênero, apresenta um conjunto de inerências biológicas (geralmente refletidas em cada uma delas) que as fazem mais emotivas, delicadas, amáveis, carinhosas, sensíveis, detalhistas, perfeccionistas, caridosas e, no nível físico, frágeis. O homem, por sua vez, tende a ser mais bruto, insensível, desatento a detalhes e, no nível físico, mais forte. Em um mundo perfeito, essas diferenças não gerariam problemas, mas complementação. A verdade é que homens e mulheres foram projetados para se complementarem. Daí a maioria dos indivíduos sentir vontade de se casar. Isso transcende o simples instinto sexual, pois o casamento não é a união sexual apenas, mas a união de duas individualidades da forma mais completa que existe.

Não obstante, em um mundo que se tornou imperfeito, essas diferenças entre homens e mulheres tendem a ser corrompidas pela imperfeição natural. E, ao dar vazão a essa corrupção, a espécie humana obviamente criar um cenário no qual o gênero mais forte e bruto procura dominar sobre o gênero mais frágil e delicado. Pois é essa a tendência que domina o nosso mundo há séculos. E é por isso que o cavalheirismo é mais identificado com o tratamento do homem às mulheres.

É mais fácil ser cordial e atencioso com quem pode falar grosso com você e cortar-lhe a cabeça com um machado, do que com alguém que não representa qualquer perigo ou temor para a sua integridade física e psicológica. Desta forma, o homem que escolhe ser cavalheiro com as mulheres demonstra um nível muito maior de cavalheirismo, pois neutraliza sua brutalidade e força, buscando ser mais sensível e detalhista para com alguém frágil, que não lhe oferece riscos ou temor.

Contudo, mais cavalheiro ainda é o homem que escolhe ser cavalheiro para com as mulheres que compõem a sua vida, isto é, sua mãe, sua esposa (ou pretendida) e suas filhas. Para ser mais exato, este é o verdadeiro cavalheiro, o cavalheiro pleno, o gentleman real. Porque é fácil ser cavalheiro apenas na frente da sociedade, para manter a boa aparência ou para conseguir uma esposa. Mas tal como a bondade inquestionável é aquela que ocorre quando a sociedade não está vendo, o cavalheirismo inquestionável é aquele que ocorre quando dentro de casa, dentro da família. O homem que é cavalheiro com sua mãe, sua esposa e suas filhas, este entendeu o que realmente é cavalheirismo.

Mas até agora só falamos do tratamento do cavalheiro para com os demais. Há ainda um aspecto muito importante do cavalheirismo que não deve ser esquecido: o tratamento de si mesmo. O ser humano foi constituído com incríveis potencialidades. Potencialidade são dons, aptidões e capacidades que podem ser desenvolvidas, isto é, podem se tornar realidades. Isso não apenas se refere ao indivíduo e seus dons naturais, mas a espécie humana como um todo e suas capacidades gerais. A questão aqui tem a ver com educação no sentido já mencionado de buscar desenvolver suas áreas física, mental e espiritual.

O cavalheiro pleno é o homem que entende que seu ser é uma obra maravilhosa da qual ele necessita cuidar bem. Não apenas por amor a si mesmo, e a quem ele crê que a possibilitou existir (algo que o ateu não tem como fazer), mas a todos os que estão a sua volta, a começar por seus pais, depois seus irmãos, sua família, seus amigos, sua esposa, seus filhos e toda a sociedade. O cavalheiro entende que a elevação de suas virtudes não diz respeito apenas à satisfação própria, mas à satisfação e o bem-estar de todas as pessoas a sua volta. Porque tudo o que nós somos influencia e afeta de alguma forma o nosso círculo de pessoas. E tudo o que influencia e afeta nosso círculo de pessoas, afeta e influencia outros círculos. De modo que quando um homem escolhe ser cavalheiro, sua postura pode vir a afetar pessoas das quais ele jamais conhecerá ou ouvirá falar em sua vida.

O cavalheiro pleno, portanto, deve procurar constantemente por educação. Ele deve se importar com a boa saúde física, abstendo-se de fumo e bebidas e fazendo exercícios; ele deve buscar conhecimento, ter um bom vocabulário, saber se expressar, adquirir cultura, ser capaz de conversar com todo o tipo de pessoas, ter humildade para aprender, paciência para ensinar, ânimo para continuar descobrindo,; valorizar os estudos, amar a leitura, aprender a cozinhar, , aprimorar seus dons; ser justo, amigável, se importar com os mais fracos, respeitar aos mais velhos, usar palavras nobres, responder com amabilidade, pensar no que é puro e reto, não se deixar levar pelos seus instintos naturais vis, estar sempre pronto a reconhecer seus erros,ser intolerante com a maldade, cultivar a fidelidade e a lealdade e saber colocar-se no lugar dos outros antes de julgar ou de fazer algo.

Finalmente, ser cavalheiro não é algo que se conquista uma vez na vida, como um cargo militar ou uma competição esportiva em determinado ano. Não, cavalheirismo é algo que devemos conquistar todos os dias. Ser cavalheiro é esforçar-se constantemente para ser cada dia melhor. A constância nesse esforço conta muito para ser chamado de cavalheiro. A perfeição, infelizmente, não é algo que se possa alcançar nesta terra. Mas para quem é imperfeito, perfeição é não traçar limites para seu desenvolvimento pessoal.

Termino esta postagem com um vídeo muito belo enviado por um amigo, o Darlan. Ele é um cavalheiro que certa vez me pediu para eu escrever algo sobre o cavalheirismo. O vídeo que ele me enviou, inspirou-me para produzir este texto hoje. Segue, portanto, o vídeo. Que os leitores possam tirar suas conclusões.


Maridos, amai vossa esposa (ou: como o marido cristão deve agir, segundo a Bíblia)

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Algo que muito me impressiona é a capacidade cada vez maior que as pessoas tem de se tornarem idiotas. Ainda há pouco, vi uma imagem, um desenho, onde uma mulher ajoelhada diante de uma cama servia um lanche para seu marido, este relaxado sobre o leito e com uma expressão de prazer. Havia uma legenda na imagem que dizia: "Vós, mulheres, sujeitai-vos a vossos maridos" (Efésios 5:22).

Trata-se de uma citação bíblica. O intuito da imagem é óbvio: levar-nos a crer que a Bíblia endossa e incentiva o marido a explorar, oprimir, maltratar e humilhar a esposa.

A imbecilidade que reside nessa tentativa estapafúrdia de denegrir a Bíblia me causa extrema irritação. Para começar, o cidadão que formulou a imagem não se deu, sequer ao trabalho de ler todo o texto que citou. Se o tivesse feito, perceberia que há alguma coisa errada na sua interpretação da Bíblia. a continuação do texto diz:

"Maridos, amai a vossa mulher, como também Cristo amou a sua Igreja e a si mesmo se entregou por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado com a lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo Igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito. Assim também os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo. Quem ama a esposa a si mesmo se ama. Porque ninguém jamais odiou a própria carne; antes, a alimenta e dela cuida, como também Cristo o faz com a Igreja; porque somos membros de seu corpo. Eis porque deixará o homem pai e mãe se unirá à mulher, e se tornarão os dois uma só carne" (Efésios 5:25-31).

Então, perceba que o texto estabelece para o marido um altíssimo padrão de amor para oferecer a esposa: o homem deveria amá-la tanto quanto Cristo amou a Igreja se entregando à morte por ela e também tanto quanto ele amava a si mesmo.

Pergunto: se um homem tiver esse tipo de amor, a cena acima, que expressa opressão e humilhação, vai ocorrer? Aliás, eu devo lembrar aos idiotas que aceitaram acriticamente o argumento do autor da imagem que o Cristo que morreu pela Igreja é o mesmo Cristo lavou os pés dos seus discípulos em atitude de humildade. Ou seja, ele lavou os pés de seus submissos. E depois morreu por eles.

A imagem, portanto, poderia ser a seguinte: um marido lavando gentilmente os pés de sua esposa e a legenda: "Maridos, amai a sua esposa, como também Cristo amou a sua Igreja".

Em Colossenses 3:19, o mesmo apóstolo Paulo que escreveu a a essa carta aos Efésios afirma: "Maridos, amai vossa esposa e não a trateis com amargura".

Esses textos, a anta que produziu a imagem não deve conhecer. Ou então conhece e, nesse caso, é um tremendo desonesto.

Agora, vamos entender o que a Bíblia quer dizer com submissão. Primeiramente, levemos a coisa para o contexto da época. Quem trabalhava fora para comprar comida e roupas para casa? O homem. Quem era convocado para guerra? O homem. Quem era responsável por proteger a família de ataques, assaltos, invasões e etc.? O homem. Quem introduzia o filho na vida de trabalho, ensinando-o um ofício para que o mesmo se tornasse alguém valoroso e pudesse ajudar em casa? O homem. Quem cuidava para que a filha tivesse um bom casamento, que lhe rendesse felicidade e estabilidade financeira? O homem. Quem precisava manter uma imagem de forte e durão para proteger a família e se impor diante de homens sem caráter? O homem. Quem era o sacerdote da casa, incumbido de manter todos nos preceitos de Deus? O homem. Em outras palavras, o homem era o gestor da casa. Quando a Bíblia fala em sujeição ou submissão da esposa, está simplesmente dizendo que a esposa deveria respeitar e se deixar guiar pelo homem nessas questões de gerência, já que essa parte cabia a ele. É só isso.

E qual era o papel da mulher na equação toda? Ela era a auxiliadora, aquela que daria a ele força, ânimo, coragem, ideias e conselhos. Jamais foi ideia de Deus transformar a relação conjugal em uma relação opressor x oprimido.

Se a questão da sujeição é válida ainda hoje? Alguns diriam que não. Hoje a mulher trabalha e o contexto é bem diferente. Mas a Bíblia não parece vincular a questão da sujeição/submissão apenas ao contexto. E é este o segundo ponto da nossa análise. A Bíblia dá ao homem uma tarefa de proteger e guiar a mulher e a família. Por quê? Talvez porque seja do agrado de Deus que o homem seja o braço protetor da mulher, o guia, aquele que a deixa segura e que caminha à frente da família.

Que todos precisam de líderes, isso é fato. E Deus parece ter encarregado o homem desta missão. Não que isso signifique que o líder seja mais importante que os liderados, ou que fará as coisas sem consultar aqueles que estão sob sua responsabilidade. Gosto de usar a analogia do grupo de escola. Quando alguns alunos se reúnem para fazer um trabalho, todos ali devem, pelo menos em tese, trabalhar juntos, ouvindo as ideias uns dos outros, ajudando-se mutuamente, dando e ouvindo conselhos, e fazendo as tarefas de modo equitativo. Mas, geralmente, há um aluno que se destaca na orientação e distribuição de tarefas. Esse é um aluno líder e, não raro, o grupo leva muito em conta as suas palavras e esperam que ele guie o grupo e dê a última palavra. Por mais que todos participem. Aparentemente, é isso o que Deus deseja do homem.

Uma coisa é certa: o gênero masculino, biologicamente, é mais forte fisicamente e menos sentimental. O gênero feminino, biologicamente, é mais detalhista e ligado às emoções. É por isso que historicamente os homens assumiram as tarefas de trabalhar fora, de lutar fisicamente e de gerir as questões econômicas, ao passo que as mulheres assumiram as funções da gerência da casa e da criação dos filhos. É óbvio que uma mulher é perfeitamente capaz de trabalhar fora e um homem é perfeitamente capaz de cuidar da casa e dos filhos. Tudo é uma questão de hábito (e da disposição do indivíduo). E não há nada de errado nisso. Na Bíblia, inclusive, há exemplo até de mulher que foi Juíza Geral de Israel (algo como uma primeira-ministra hoje). Mas as inerências biológicas supracitadas existem e, por isso, essa divisão de tarefas (mulher em casa e homem fora) foi majoritária durante a história e sempre será a mais natural (o que não quer dizer que variações sejam erradas, enfatizo novamente)

Em suma, o que deve ficar claro é que, para a Bíblia, o marido, mesmo ocupando posição de líder da família e da casa, deveria tratar a esposa com amor e respeito. A tal sujeição ou submissão feminina jamais foi um sinônimo de humilhação, opressão e exploração. Se isso ocorreu, na prática, não foi por incentivo ou ordenança bíblica, mas pela própria maldade no coração dos seres humanos. Qualquer um que tenha um pouquinho de conhecimento e honestidade é capaz de perceber isso.

Aliás, não há nada de mal em ser submisso. Todos nós devemos submissão à pessoas. Devemos submissão ao nosso pai e a nossa mãe. Ao nosso avô e a nossa avó. Aos nossos professores. Ao nosso pastor. Aos anciãos de nossa igreja. Ao nosso patrão. Aos nossos governantes. E, acima de tudo, a Deus. Jesus mesmo, quando na terra, foi submisso a todos estes, mostrando-nos que não se trata de algo vergonhoso. 

E para o bom líder, a posição de líder jamais significará liberdade para tratar mal. Jesus, como líder de seus discípulos, mostrou-se humilde o suficiente para lavar-lhes os pés. Mais que isso: como Senhor do Universo, mostrou-se humilde o suficiente para vir a Terra como homem, andar entre pecadores, sofrer e, o mais impressionante de tudo, morrer por nós. Nós, os submissos. Pois é este o exemplo de liderança que Jesus nos deixa. Ser submisso a quem lava seus pés e morre por você não é um fardo, no fim das contas.

A dica que fica aqui é a seguinte: antes de sair por aí dizendo besteira sobre a Bíblia, leia a Bíblia e a estude de capa a capa. Há muita coisa nela que você certamente não conhece. Não dê uma de idiota. A idiotice também é um pecado. E é um pecado grave.

Termino deixando uma imagem que montei agora. Acredito que ela expressa bem a postura que Deus deseja que os maridos tenham para com sua esposa: uma postura de amor, tal como ele teve pela Igreja.


Avaliando os principais argumentos do catolicismo

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“A Bíblia deve ser a nossa única regra de fé e prática”. É mais ou menos o que os cristãos protestantes têm afirmado há cerca de cinco séculos. O princípio pode parecer óbvio à primeira vista. Se na Bíblia encontramos as verdades de Deus reveladas para o ser humano é por ela que nós devemos nos guiar; ela deve ser a base para nossas crenças, doutrinas e práticas. E se é assim, a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) cai em um erro um tanto idiota ao não concordar com os protestantes.

Não obstante, as coisas não são tão fáceis como podem parecer à primeira vista. Para o catolicismo, a Bíblia é tão importante quanto para o protestantismo. E se você perguntar a qualquer católico devoto, ele irá confirmar: “A Bíblia é a Palavra de Deus e deve ser seguida”. A diferença básica entre católicos e protestantes não está em enxergar este fato tão óbvio. A diferença está na concepção que cada um tem sobre: (1) quem tem capacidade de interpretar a Bíblia e (2) qual a interpretação está correta. É aqui que a coisa complica.

Dizer, como diz o protestante comum, que tudo se resume em seguir a Bíblia, é encarar a situação de maneira simplista. Ok, vamos seguir a Bíblia. Mas qual interpretação? E quem é a autoridade para interpretar? Se você não responde a essas duas questões, não chega a lugar nenhum. E para desespero do protestante comum, o católico tem resposta para essas duas questões. O católico acredita que quem tem a capacidade plena e inerrante de interpretar a Bíblia é o seu magistério, isto é, os seus bispos e o Papa.
Você pode achar que essa crença não faz sentido, mas faz. O católico entende que Jesus instituiu uma Igreja aqui na terra. Essa Igreja é a Católica. Se isso é verdade, é plausível supor que a ela tenha sido dado por Deus a capacidade de interpretar corretamente as Escrituras.

Aqui é a hora de deixar a arrogância de lado e reconhecer: o pensamento católico não é um absurdo. Ele pode até estar errado, mas é uma hipótese possível. Adotar esse tipo de postura quando vamos analisar algo é essencial. Nós, humanos, erramos muito por nos apegarmos a estereótipos e reducionismos, o que acaba por gerar um sentimento de que as ideias em que não acreditamos são idiotas. Ora, elas até podem ser idiotas, mas para se concluir isso é preciso fazer uma análise honesta. E no que se refere ao catolicismo, essa breve análise honesta mostra que o mesmo é uma boa hipótese. Mas será que é uma hipótese verdadeira? Bem, é o que pretendo averiguar aqui.

A visão protestante

Vamos começar com algo que ainda não foi feito nesse texto: delinear qual é a visão protestante da coisa. Para o protestante, Jesus Cristo realmente fundou uma Igreja aqui na terra. Mas essa Igreja não era nenhuma instituição que conhecemos hoje. Ela era tão somente um conjunto de judeus naturais e de conversos ao judaísmo que acreditavam que o Messias esperado já tinha vindo e era Jesus. Essa foi a Igreja que Jesus fundou. Portanto, todo aquele que aceitava Jesus como o Messias prometido, o seu sacrifício e mais a base religiosa provida pelas Escrituras Judaicas era parte da Igreja. E isso é válido para os dias de hoje. A Igreja fundada por Cristo não é uma instituição formal, mas abarca as mais diversas pessoas que creem ser Jesus o Messias, que aceitam o seu sacrifício e que se guiam pelas verdades básicas das Escrituras Judaicas.

Agora, isso não quer dizer que todas as facções dentro do cristianismo estão corretas, que não há uma verdade absoluta e que podemos crer no que quisermos. Para o protestante, há sim uma verdade e obviamente ele sempre vai achar que a sua facção está correta e as outras estão erradas, da mesma forma que o católico acredita que a ICAR está correta e todas as outras estão erradas. É uma questão de lógica. E não há nenhum problema nisso (desde que a discussão não descambe para o desrespeito e a violência).

Com o crescimento da mentalidade politicamente correta no mundo, essa disputa pelo monopólio da verdade diminuiu muito nas últimas décadas. Há uma tendência dentre as facções protestantes atuais de focarem mais nas semelhanças entre elas do que nas diferenças e enfatizar que o importante é estar de acordo nas verdades básicas (as questões menores podem esperar). Mas nos primeiros séculos após a Reforma, muitas disputas e tensões surgiram em função da visão de que a verdade não é relativa e, assim, não podem estar todos certos.

Mas, voltando ao início, o protestante acredita que ao fim do primeiro século, quando todos os apóstolos já haviam morrido, a Igreja começou um lento processo de romanização, no qual, ao longo de séculos foi agregando as características que viriam a definir a Igreja Católica Apostólica Romana. Dois pontos altos nessa romanização seriam os anos de 313, quando o Imperador Constantino acabou com as perseguições aos cristãos e iniciou um “namoro” com o cristianismo, e 538, quando o Imperador Justiniano derrotaria os últimos exércitos bárbaros que impediam o Papa de exercer maior autoridade. Assim, segundo a visão protestante, Jesus não teria fundado a Igreja Católica, mas sim uma Igreja que se romanizou ao longo do tempo.

O problema dessa romanização é que ela traria consigo muitos erros doutrinários. E por esse motivo Deus precisaria levantar pessoas que denunciassem esses erros, a fim de desenvolver muito gradualmente um movimento livre dos mesmos.

Contrapondo as ideias

Então, temos o seguinte panorama: o católico crê que Cristo fundou a Igreja Católica, ela é inerrante doutrinariamente e tem plena capacidade de interpretar as Escrituras. O protestante crê que Cristo fundou a Igreja Cristã, que abarca todos os que creem nele, mas essa Igreja se romanizou, agregando erros doutrinários e transformando-se na Igreja Católica.
 
O lado católico geralmente argumenta o seguinte: Jesus fez uma promessa a Pedro. Ele prometeu que iria edificar sua Igreja sobre a rocha e que as portas do inferno jamais prevaleceriam contra ela. Ora, uma Igreja que pudesse agregar erros doutrinários e assim se manter por séculos seria, na visão do católico, uma Igreja totalmente vencida pelo inferno. A Igreja fundada por Cristo, portanto, precisava ser inerrante. Além disso, uma Igreja capaz de errar não poderia produzir uma Bíblia Sagrada infalível, tampouco interpretações infalíveis. Para o católico, se hoje podemos crer que a Bíblia é a Palavra de Deus é porque uma Igreja infalível a produziu: a ICAR. E se a ICAR produziu a Bíblia, ela é a única que pode interpretá-la corretamente.

Vamos avaliar o argumento por partes.

“As portas do inferno não prevalecerão”
 
O primeiro ponto diz que uma Igreja que fosse capaz de agregar erros doutrinários seria uma derrotada pelo inferno. A palavra para inferno na língua original grega é “hades”. Hades geralmente era usado pelos judeus no lugar do hebraico “sheol”, que significa “sepultura”, “sepulcro” ou “abismo”. É o lugar para onde as pessoas vão quando morrem. Um corpo no sheol/hades é um corpo morto; uma alma no sheol/hades é uma alma morta. O sheol/hades, segundo a Bíblia, nunca se cansa de tragar vidas. Assim, dizer que as portas do sheol/hades não prevaleceriam contra a Igreja era dizer que a Igreja não iria morrer.
 
Se nós pensarmos que os primeiros trezentos anos de cristianismo foram de perseguição aos cristãos e milhares de mortes, faz sentido Jesus ter dado essa promessa. Ainda mais no início, quando os cristãos eram alguns poucos milhares, era bem fácil se desesperar e pensar: “A Igreja será totalmente extinta”. A promessa de Jesus visava, portanto, dar a certeza de que, apesar das perseguições, a Igreja continuaria viva.
 
A Igreja não permaneceu viva apenas diante das perseguições, mas diante dos ataques teológicos de pagãos, arianos, deístas, agnósticos e ateus. Sobreviveu ao pensamento antirreligioso iluminista, ao cristianismo liberal que pretendeu retirar toda a sacralidade da Bíblia, às revoluções comunistas e fascistas e ao islamismo crescente. E continua viva. Os cristãos ainda foram a maior religião do mundo. A Igreja não desapareceu.

A promessa de Jesus foi cumprida e não é necessário crer na ICAR para reconhecer essa verdade, pois o que Jesus disse se limitou a isso: a minha Igreja não vai morrer. E não morreu. Mas não morrer não implica em ser inerrante. Tentar retirar esse entendimento do texto de Mateus 16 é tentar forçar o texto a dizer mais do que ele diz.

“Igreja falível, Bíblia imperfeita”
 
O segundo ponto afirma que uma Igreja falível não poderia produzir uma Bíblia infalível. Mas será? Pense no seguinte. Existem alunos que são muito inteligentes em matemática. Mas o fato de eles serem muito bons com cálculos não faz deles alunos infalíveis. Eles podem errar. Tanto podem que jamais vemos um aluno gabaritar todas as provas, trabalhos e exercícios de matemática que faz em sua vida. Eu, pelo menos, nunca vi isso. É perfeitamente possível um aluno muito bom em matemática gabaritar várias provas ao longo da sua vida acadêmica. É o que geralmente acontece. Mas nunca todas elas.
Então, perceba que não é necessário um bom aluno de matemática ser infalível para que ele faça algumas provas perfeitas durante sua vida. Embora, provavelmente, ele vá falhar em muitas ocasiões, ele também será infalível em tantas outras.
 
Da mesma forma, o fato de que alguns homens santos registraram fielmente os ensinos de Jesus e outros, também santos, reuniram esses registros (diferenciando o que era de Deus e o que não era) não significa que eles eram infalíveis em matéria de doutrina ou que precisavam ser inerrantes para que uma Bíblia perfeita surgisse. Como seres humanos, eles eram falíveis. Estavam sujeitos a cometer erros doutrinários, aceitar alguma crença falsa, a interpretar mal as palavras e ações de Jesus Cristo, a enxergar algo de acordo com pressuposições próprias. Isso se aplica principalmente aos que não foram seus discípulos diretos.
 
Tal como o aluno bom que estuda e se torna apto para gabaritar uma prova, mesmo ainda estando sujeito a errar, Deus tornou homens santos aptos para registrar fielmente os seus ensinos e, depois, para reuni-los em um cânon; mesmo estes homens santos ainda estando sujeitos a errar.
 
O católico pode perguntar: “Mas se os discípulos diretos de Cristo e os Pais da Igreja poderiam errar doutrinariamente, como podemos crer na Bíblia? Ela pode muito bem estar repleta de erros”. Sim, à priori, ela poderia mesmo estar cheia de erros. Qualquer coisa feita por humanos pode estar errada. Mas “poder estar” não significa “estar”. E a única maneira de descobrir se algo está errado ou certo é fazendo uma análise. Não é o que fazemos quando queremos descobrir a verdade? Não há nada de novo aqui.
 
O fato é que uma análise ampla da Bíblia, baseada na arqueologia, na história, na lógica, em princípios básicos de interpretação e nas suas próprias evidências internas de que está dizendo a verdade são suficientes para provar a sua infalibilidade. Qualquer pessoa honesta, que tenha um conhecimento razoável e uma vida espiritual saudável é capaz de se aplicar em uma análise dessas. Ademais, bons livros sobre o assunto não faltam.
 
Mas ainda que o católico diga que tais evidências internas e externas não provam cabalmente a infalibilidade da Bíblia (e que, por isso, seria necessário pressupor a infalibilidade da Igreja), deve lembrar que pouca coisa nessa vida é provada de modo cabal. Seja na área teológica, seja na área cientifica, ou nas pequenas coisas da vida, não podemos ter essa prova cabal. Geralmente, o máximo que conseguimos, em todas as áreas da vida, é acreditar em coisas bastante prováveis. Talvez a ideia de fé se enquadre justamente aí nesse intervalo. Fé não é a certeza do que é cabalmente provado, mas a certeza do que é provável dentro de determinadas circunstâncias.
 
Outro questionamento pode advir do católico aqui: por que Deus guiaria homens na produção de uma Bíblia infalível, mas não guiaria homens na manutenção de uma Igreja infalível? É uma boa pergunta. Mas podemos elencar várias respostas. Em primeiro lugar, vamos usar o senso de proporção. A Bíblia foi escrita por cerca de quarenta autores. E provavelmente foi reunida por algumas poucas dezenas de líderes. A Igreja, no entanto, foi liderada por milhares de clérigos ao longo dos séculos (somando padres, bispos, arcebispos, cardeais e papas). A Bíblia teve um desfecho em sua mensagem. É um livro fechado, imutável. A Igreja, no entanto, precisa tomar decisões diariamente e interpretar as Escrituras. A Bíblia foi escrita por homens que testemunharam aquilo sobre o qual escreveram. A Igreja, conforme o tempo passa, mais distante fica dos fatos descritos. A produção da Bíblia não requereu de seus escritores e selecionadores uma perfeição extensa, mas apenas perfeição nos momentos em que a produziam. A Igreja, para ser infalível, requer que seus diversos líderes sejam perfeitos em doutrina durante longos anos, enquanto durar suas lideranças (ou, no mínimo, que seus principais líderes sejam infalíveis sempre, a fim de que o erro não se propague). Em resumo, é muito mais fácil administrar a produção de uma Bíblia infalível do que de uma Igreja infalível.
 
Minha afirmação pode parecer uma afronta a Deus. Haveria algo difícil para Deus fazer? Quem sou eu para dizer que Deus teria dificuldade de criar uma Igreja infalível? Mas, acalme-se. Não estou limitando Deus. Se Ele quisesse, poderia fazer uma Igreja infalível, sem dúvida. Ocorre que Ele também poderia não fazer. E uma evidência disso é que Ele, de fato, não trabalhou desse modo no Antigo Testamento. No princípio, antes de haver Israel, o ser humano conhecia um monoteísmo primitivo, que era a tradição deixada por Adão e seus descendentes. Contudo, Deus permitiu que os homens fossem desvirtuando esse monoteísmo, aceitando crenças e interpretações errôneas. Isso daria origem a diversas religiões politeístas e a deturpações dentro do próprio monoteísmo.
 
Posteriormente, Deus desenvolveu a nação israelita, a fim de proteger suas verdades da influência pagã. Mas não impediu que séculos depois os líderes judeus começassem a crer e propagar interpretações equivocadas das Escrituras.
 
Ora, se esse desvio doutrinário foi possível durante todo o Antigo Testamento, por que não seria no Novo? Não há uma razão. A não ser que Deus diga que não é mais possível isso acontecer na era da Igreja, não há porque achar que não é possível.
 
Certa vez, debatendo com um católico, fiz a ele esse questionamento. A sua resposta foi que no Antigo Testamento Deus ainda não tinha completado a sua revelação. No Novo Testamento, com Cristo, a revelação estava completa e tudo agora era novo.
 
Ok. Eu concordo que Cristo nos salvou da morte, nos libertou da escravidão do pecado, transformou nossa vida, nos deu o seu Espírito Santo. Por isso tudo se fez novo em nossas vidas. Inquestionável. Mas enquanto ele não voltar para levar a Igreja, como prometeu, nós continuaremos a ser falíveis, tal como eram os homens do passado. Nem tudo mudou. Há coisas que só mudarão no fim. Então, por que seria absurdo supor que a Igreja, feita de pessoas falhas, com pressupostos e influencias, com teimosia e ganância, não poderia agregar doutrinas e interpretações equivocadas ao longo do tempo? Não há razão para se pensar assim. Aliás, a ICAR acredita que todos os homens falham (até o Papa). Como um homem capaz de falhar, estaria isento de falhar doutrinariamente? Não dá para isolar uma coisa da outra. Pelo menos não temos base alguma para isso. Falhas chamam falhas. De todo o tipo.
 
Talvez o católico fique triste comigo aqui e pense: “Poxa, mas quanto empecilho esse irmão coloca para aceitar o catolicismo!”. Mas não pense assim de mim. Eu aceitaria o catolicismo de bom grado se ele me parecesse verdadeiro. O problema é que quando eu analiso suas crenças, doutrinas e interpretações, não vejo base sólida. Pior que isso: vejo nela os mesmos erros cometidos pelos líderes judaicos da época de Jesus. Estes líderes acreditavam firmemente que eram infalíveis em matéria de doutrina e interpretação das Escrituras. Cogitar a hipótese de que a tradição dos anciãos, antiquíssima e conceituada, estava errada era um absurdo. Crer que Jesus, um carpinteiro, morador da pobre Nazaré, sem instrução formal, com apenas 30 anos de idade, estava certo e eles, seguidores de uma tradição de séculos, com grande estudo formal, altos cargos e idade avançada, estavam errados, era inadmissível.
 
Parece que Deus permite os desvios doutrinários para que o homem sempre saiba que quando ele se julga infalível, torna-se cem vezes mais suscetível ao erro. Ademais, faz parte do livre arbítrio. Perguntar por que Deus permitiu desvios doutrinários no meio de seu povo é como perguntar por que Deus permitiu que o pecado entrasse no mundo. O pecado entrou porque o homem se agarrou a algo no lugar de Deus. Os desvios ocorrem pelo mesmo motivo. E isso pode acontecer até com o mais sincero adorador. Lembre-se que Davi era “homem segundo o coração de Deus”, mas tinha três esposas.
 
“Igreja falível, interpretações imperfeitas”
 
O terceiro ponto principal argumentado pelo católico é que uma Igreja falível não poderia fazer interpretações infalíveis. Bom, já vimos que para gabaritar provas não é preciso ser perfeito. O que quero dizer é que uma Igreja falível é uma Igreja que pode cometer falhas, mas não necessariamente que vai cometê-las. Particularmente, acho que dificilmente a Igreja não iria cometer falhas. Mas quando você se entende como falível, sua tendência é tomar mais cuidado para não falhar e consertar mais rapidamente os seus erros. Todos já ouviram aquela frase que dizemos ao alcoólatra: o primeiro passo para se tratar é reconhecer que você tem um problema. Uma Igreja que não reconhece que tem um problema ou que pode vir a ter tende a acumular mais erros.
 
Uma Igreja falível poderia sim interpretar as Escrituras corretamente. E ela poderia não cometer nenhuma falha doutrinária em sua história, ou algumas poucas falhas, pequenas e corrigidas rapidamente. Aliás, é sempre bom ressaltar que muitos dos primeiros cristãos acreditavam que para ser cristão era necessário ser circuncidado. É provável que os próprios apóstolos tenham sustentado essa crença por alguns anos. Foi preciso um grande debate, acirrado e acalorado, para que os mesmos chegassem à conclusão de que não era mais necessário o ritual. O que esperaríamos de uma Igreja falível que se entende como falível, seria isso mesmo: crenças errôneas consertadas em um espaço de tempo relativamente curto.
 
O católico mais uma vez pode argumentar com a questão da certeza. O catolicismo dá certeza de inerrância na interpretação. O protestantismo não. Já expliquei que poucas coisas nessa vida nos oferecem certeza absoluta e que geralmente cremos através de probabilidades. As interpretações talvez se enquadrem nisso. 

O que não se pode ignorar aqui é que interpretações devem obedecer a regras básicas de coerência lógica, textual, histórica, cultural, linguística e bíblica. Quando essas regras são obedecidas, é possível gerar interpretações bem prováveis e reduzir drasticamente o risco de erros. No mais, os debates acirrados e honestos e a condução do Espírito Santo são capazes de levar a Igreja a consertar seus erros e buscar a verdade, mesmo que isso possa levar tempo. Mas, para isso, é necessário reconhecer a falibilidade. Quando a Igreja não faz isso, os erros são sacramentados e se tornam tradição; tradição “infalível”.
 
A Igreja que se julga falível não teme ser encontrada em erro, pois está aberta a ser consertada e moldada permanentemente por Deus. A Igreja que se julga infalível não teme ser encontrada em erro porque não crê nessa possibilidade, o que a leva a não achar necessário ser consertada por Deus.

Confusões, heresias, múltiplas interpretações e facções
 
Respondida a argumentação católica, devemos agora responder alguns questionamentos lançados diretamente ao pensamento protestante. Para o protestantismo, cada crente é um sacerdote e deve ter livre acesso à palavra de Deus. Mas isso, segundo o católico, cria uma cultura de livre interpretação da Bíblia, o que dá aval ao crente para interpretar a Bíblia de qualquer maneira, sem os critérios básicos, e gera multiplicidade facções, relativismo da verdade e surgimento de heresias. Como responder a isso?
 
A livre consulta da Bíblia
 
Em primeiro lugar, não é trabalho de um líder cristão limitar a leitura da Bíblia para não deixar a Igreja correr risco de interpretar errado. O trabalho do líder cristão é dar aos seus liderados as ferramentas e as orientações devidas para que ele próprio seja capaz de interpretar corretamente. Os grandes líderes e teólogos protestantes nunca advogaram uma cultura de livre interpretação das Escrituras, sem os critérios básicos e sem ajuda de pessoas mais bem preparadas intelectual e espiritualmente. Advogou-se sim a livre consulta.
 
O fato de que a livre consulta carrega consigo o risco de incentivar as pessoas a fazerem más interpretações, criarem heresias e multiplicarem facções não pode ser usado como argumento para impedir a livre consulta. Afinal, Deus não impediu o livre arbítrio por conta de ele trazer consigo o risco de escolhermos o mal. A Bíblia é a Palavra de Deus e deve estar disponível para todos. A função do líder é tão somente estar bem preparado para interpretar as Escrituras e passar isso aos seus discípulos.
 
Os princípios básicos de interpretação, aliás, são bastante simples. Em sua maioria são os mesmos utilizados para interpretar qualquer outro texto, religioso ou secular. Isso não quer dizer, claro, que os líderes são dispensáveis. Geralmente, eles estão nessa posição porque apresentam um conhecimento acima da média, uma boa capacidade de ensino e uma vida espiritual saudável. Como não é a maioria das pessoas que tem essas características, a figura do líder é muito importante. Muito importante, mas não infalível, tampouco inatingível. A verdade e a mentira são bastante democráticas. Um grande líder pode estar redondamente errado, enquanto que um roceiro pode ter consigo todos os princípios corretos de interpretação.
 
O problema das facções
 
Em segundo lugar, a multiplicidade de facções não é um problema tão grave. O católico parece prezar muito por uma suposta unanimidade. Para ele, Deus não poderia permitir a divergência de opinião sobre doutrinas cristãs e interpretações das Escrituras, pois nos deixaria sem saber qual é a verdade. E a ICAR, segundo ele, proporcionava isso antes do protestantismo. O que o católico esquece é que essa suposta unanimidade nunca existiu. Sempre houve quem discordasse da Igreja Católica. A diferença é que antes as vozes discordantes existiam em menor número, pertenciam a poucos grupos e eram ofuscadas pela grandiosidade do sistema católico. Hoje o catolicismo precisa disputar com miríades de vozes, de miríades de grupos, e seu poder já não é mais o mesmo. Foi apenas isso o que mudou.
 
Nunca haverá unanimidade. E a existência de uma Igreja infalível não livraria ninguém de ter que estudar e escolher entre uma religião e outra, uma facção e outra. O que deve ficar claro é que, se a verdade existe (e nós cremos que sim), é possível encontrá-la. Se cada um julga tê-la encontrado, mesmo crendo em coisas diferentes, isso não muda o fato de que existe uma verdade e é possível encontrá-la. Alguém está certo e alguém está errado. O que está errado não procurou direito. Simples assim.
 
Esse quadro é o mesmo tanto se houver uma Igreja infalível quanto se não houver. É triste, mas vivemos em um mundo difícil, no qual precisamos buscar doutrinas, crenças e interpretações corretas dentre muitos erros e mentiras. É um problema inerente a este mundo caído. Mas, por outro lado, mantendo uma vida espiritual saudável, uma postura honesta, a mente aberta e os critérios básicos de interpretação, não é tão difícil encontrar a verdade. Ademais, Deus não irá cobrar nenhum cristão sincero por aquilo que ele não entendeu/conheceu, nem teve oportunidade de entender/conhecer plenamente.
 
O suposto relativismo e a ação de Deus na história

Em terceiro lugar, a ideia de relativismo protestante é um mito. A multiplicidade de igrejas no protestantismo na verdade prova justamente o contrário: cada igreja acha que está com a verdade. Se não fosse assim, por que surgiriam tantas igrejas? Se não há verdade absoluta, se todas as pessoas podem estar certas, então que diferença faz abrir outra igreja? As igrejas surgem justamente porque uma não concorda com a outra. Isso não é relativismo.
 
Talvez sejamos impulsionados novamente à questão de como saber quem está certo. O católico parece se preocupar muito com isso. Ele teme que se não há uma Igreja infalível, todas as facções podem estar erradas e, se há uma certa, não dá para saber qual é. Não vou repetir o que já falei anteriormente, mas quero focar em outro ponto: este pensamento subestima a capacidade de Deus agir na história do mundo. Quando o monoteísmo primitivo estava repleto de distorções, o que Deus fez? Formou uma nação através de Abraão para preservar suas verdades. E quando o judaísmo estava repleto de distorções rabínicas, o que fez Deus? Enviou Jesus para morrer por nós e reformar o que havia ensinado.
 
Será que da mesma forma Deus não agiu durante a história, tentando mudar os rumos do cristianismo? E será que em algum momento Ele não logrou êxito em levantar um movimento totalmente baseado em suas Escrituras? Será que não existe um movimento assim hoje? Será que nas profecias de Daniel e Apocalipse não há previsões sobre um movimento como este? Não estaria desde o passado registrado na Bíblia que a verdade seria deturpada, mas que Deus lutaria para trazê-la de volta através de um movimento que não se colocasse como infalível doutrinariamente, mas buscasse consertar seus erros e prosseguir rumo à verdade? E não seria possível, através de uma postura honesta e um estudo profundo, racional, espiritual e bíblico, chegar até esse movimento e passar a seguir a Bíblia corretamente? São possibilidades que não podemos jogar fora.
 
De fato, o que tenho visto através do estudo acurado das profecias bíblicas é que um movimento político-religioso iria deturpar verdades bíblicas e teria supremacia por bastante tempo. Esse poder emergiria no interior do governo que dominaria a Grécia, isto é, Roma. Dominaria sobre os reinos que surgiriam após a queda do Império, isto é, os bárbaros. No entanto, seria contraposto por um movimento no fim dos tempos, o qual restauraria as verdades de Deus e conclamaria os cristãos a abandonarem seus erros doutrinários. Esse movimento não é o protestantismo, pois este deixou por reformar muitas verdades e até criou novos problemas. Entretanto, é um movimento que dá continuidade ao que foi iniciado de positivo na Reforma Protestante.
 
O movimento em questão se colocaria contra todas as doutrinas católicas que são contrárias à Bíblia como a da imortalidade da alma, o castigo eterno dos ímpios, a anulação do sábado bíblico, a sua substituição pela santidade do domingo, a veneração de imagens, as orações pelos mortos, o purgatório, o batismo de crianças, o batismo por aspersão, a intercessão dos mortos pelos vivos, a infalibilidade papal, a infalibilidade da Igreja, a exclusividade de interpretação pelos líderes e etc.
 
Não é intuito desse texto identificar este movimento ou demonstrar em detalhes como ele é previsto pelas profecias bíblicas ou como a Bíblia também prediz a deturpação do cristianismo por meio de um poder político-religioso. No momento é suficiente o leitor saber que o único movimento que se enquadra perfeitamente na descrição que fizemos é chamado de “Igreja Adventista do Sétimo Dia”. Ela tem se esforçado, desde o início, em reformar suas próprias doutrinas, através de muito estudo, agregando assim verdades antes esquecidas e lançando fora crenças incoerentes. Assim, tornou-se uma sabatista, preocupada com as questões de saúde, que rechaça as crenças oriundas do paganismo (as quais encontraram “apoio” em interpretações e traduções errôneas da Bíblia) como a imortalidade da alma e inferno eterno e etc. E a mesma tem crescido vertiginosamente ao longo de pouco mais de 150 anos, já contando com quase 20 milhões de membros e colégios, universidades, hospitais, instituições de assistência social, emissoras de TV, estações de rádio, fábricas de alimentos saudáveis, gravadoras e editoras em centenas de países.  Esse conjunto de características é interessante e merece um estudo acurado em outras ocasiões. A ideia aqui é apenas mostrar ao leitor a existência de outra hipótese. E como aprendemos, só podemos considerar alguma hipótese idiota depois de analisarmos a mesma, abstendo-nos de reducionismos e estereótipos.

Conclusão

O objetivo primordial desse texto foi analisar do modo mais honesto possível se o catolicismo é verdadeiro ou não. Vimos que não é, conquanto, sem dúvida, a ICAR seja uma instituição repleta de cristãos sinceros (líderes e leigos) que ajudou a propagar o evangelho e a civilizar povos. Seus atributos são inúmeros porque não deixa de ser uma instituição cristã. Mas seus muitos erros doutrinários, acumulados pela sua crença de ser infalível, tornaram seu sistema pernicioso, tal como são todos os que não consertam os seus erros.
 
A conclusão é que o pensamento protestante está mais próximo da verdade do que o pensamento católico. Contudo, o protestantismo ainda carrega, em suas diversas facções, crenças e interpretações herdadas do catolicismo que não estão de acordo com aquilo que diz a Bíblia. A insistência em negligenciar o sábado bíblico ou em descrever Deus como um ser que capaz de manter um lugar de sofrimento eterno para os ímpios são exemplos dessa herança católica. Isso nos leva a abrir a mente para a possibilidade de existir algum movimento levantado por Deus para terminar aquilo que o protestantismo começou. E essa hipótese, caso confirmada, comprova que Deus age na história, a fim de consertar sua Igreja, a Igreja Cristã.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Jesus e o judaísmo

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Erra quem pensa que Jesus veio ao mundo para consertar o judaísmo ou fundar uma nova religião (uso a palavra "religião" aqui como simplesmente um "conjunto de crenças e práticas de cunho espiritual"). Não havia nada de errado com o judaísmo. Afinal, de contas foi o próprio Jesus que o criou. Suas leis e doutrinas estavam todas corretas. 

O que Jesus veio fazer na terra foi, em primeiro lugar, se sacrificar pelo ser humano, a fim de que qualquer pessoa pudesse alcançar a salvação por meio dele. Esse foi o objetivo supremo. Isso era o que faltava ao ser humano. Em segundo lugar, Jesus veio para consertar as interpretações que os mestres judeus estavam fazendo dentro do judaísmo. Não era o judaísmo que precisava de reforma ou substituição, mas as interpretações que faziam das Sagradas Escrituras. Estas sim, estavam distorcidas, desprovidas de sua base fundamental, que é o amor.

Erra também quem pensa que as interpretações de Jesus sobre as Escrituras eram novas e que quebravam preceitos do Antigo Testamento. Nada disso. As interpretações feitas por Jesus eram velhas; velhas e óbvias. Elas eram as interpretações corretas que sempre existiram, mas que foram esquecidas pelos grandes mestres. O que Jesus fez foi apenas trazê-las de novo à tona, desenterrá-las do cemitério que os escribas, fariseus e rabinos haviam criado para as verdades bíblicas.

O que se sucedeu daí foi um judaísmo de volta aos eixos, com as interpretações corretas e a convicção de que o Messias esperado era Jesus.

O problema é que boa parte dos judeus não aceitou esse judaísmo pleno, antes, apegou-se às interpretações errôneas e rejeitou o Messias. Daí o judaísmo verdadeiro, mostrado por Jesus, passou a ser entendido como uma outra religião, a qual foi chamada de cristianismo. E na medida em que os cristãos foram se entendendo como não judeus, o cristianismo foi jogando fora algumas crenças e doutrinas bíblicas por entender que elas eram coisas do passado.

O apóstolo João, prevendo isso, fez questão de mencionar no Apocalipse 2:9:

"Conheço a tua tribulação, a tua pobreza (mas tu és rico) e a blasfêmia dos que a si mesmos se declaram judeus e não são, sendo, antes, sinagoga de Satanás".

E também em Apocalipse 3:9:

"Farei que alguns dos que são da sinagoga de Satanás, desses que a si mesmos se declaram judeus e não são, mas mentem, eis que os farei vir e prostrar-se aos seus pés e conhecer que eu te amei".

Quando João escreveu isso, os cristãos já eram chamados de cristãos há mais de cinquenta anos. E a separação entre cristãos e judeus também já tinha décadas. Mas o apóstolo utilizou a expressão "judeus" para se referir aos cristãos e "Sinagoga" para se referir ao lugar de culto. A mensagem é óbvia: os cristãos não deveriam esquecer as suas origens, pois isso os faria passar por cima de suas próprias Escrituras Sagradas, como muitos já estavam fazendo.

Ele avisou. Poucos ouviram. Deu no que deu.

A importância da prática da leitura

Um comentário:
Por que a prática da leitura é importante? Bom, imagine o seguinte fato: você foi à praia. Está saindo dela quando passa por você uma amiga conhecida. Ela está comendo biscoitos. Ao te ver, te cumprimenta com um abraço e um beijo no rosto, para conversar um pouco, te oferece um biscoito (que você aceita) e depois segue caminho. O evento dura um minuto. Seu cérebro rigistra esse fato.

Agora, note bem. Em um minuto seu cérebro captou: (1) a visão de sua amiga e muito do que estava ao redor, com suas cores, tons, formas, movimentos, profundidade e perspectivas variados; (2) a voz de dela e das coisas ao redor, com seus sons, tons, timbres e ritmos diversos; (3) o cheiro de perfume quando ela te abraçou, o cheiro do biscoito, o cheiro da praia, o cheiro da rua; (4) o gosto do biscoito; (5) o contato físico com sua amiga.

Isso quer dizer que para registrar todo o fato não precisou fazer qualquer esforço imaginativo. Ele simplesmente captou aquilo que seus cinco sentidos estavam lhe informando. Você teve contato direto com o fato, de modo que sua mente só precisou gravar as impressões de seus sentidos físicos.

Algo semelhante acontece quando assistimos televisão. A TV nos oferece fatos quase prontos, com imagem, movimento e áudio. Pode ser que você precise imaginar algum cheiro, gosto ou tato. Mas é difícil. Geralmente não são muitas as ocasiões em que precisamos dessas informações para entender uma situação. Além do mais, esse tipo de atividade cerebral é bem mais simples do que imaginar cenários, movimentos e sons.

Com o rádio, o esforço imaginativo é um pouco maior, pois só temos acesso ao som, o que impele nosso cérebro a "montar" as imagens. Ainda assim, o som, os tons, as pausas, as palavras escolhidas, a trilha sonora, a velocidade das falas, o jeito de falar e etc. são características dos audios que contribuem muito para que o cérebro possa formar imagens com mais facilidade.

Mas aí chegamos à leitura. Na leitura, todos os sentidos físicos precisam ser imaginados na sua mente. Você não vê, não ouve, não cheira, não degusta, não sente a situação descrita. Não há qualquer sentido físico para sequer auxiliar o cérebro na reconstrução dos outros sentidos (como é o caso do som, no rádio).

Então, a primeira razão pela qual a leitura é importante é que ela coloca o seu cérebro para trabalhar à todo o vapor. Você não tem nada pronto. Você precisa imaginar tudo. É por isso que dificilmente sentimos dificuldade mental em interagir com uma pessoa, assistir televisão ou ouvir rádio. Mas ler requer mente fresca e concentração. É comum, quando estamos cansados mentalmente e/ou fisicamente, preferirmos assistir algo na televisão, ouvir algum programa de rádio ou jogar conversa fora com alguém em vez de ler. Ler dá algum trabalho. Exige mais da sua mente.

Um segundo motivo pelo qual a leitura é importante é que através dela é possível nosso cérebro remontar situações de tristeza, felicidade, tensão, medo, raiva,suspense, conflitos morais, escolhas, indecisão, coragem, vitória, derrota, amor, paixão, compaixão, carinho, humor, relações humanas e etc.

A reprodução dessas situações adapta nosso cérebro a estes sentimentos, tendendo a desenvolver nossa sensibilidade, inteligência emocional, discernimento moral, empatia (capacidade de se colocar no lugar do outro) e identificação com os sentimentos e fatos descritos.

Uma terceira razão é que a leitura obriga o cérebro a fazer um esforço de tradução e um esforço de interpretação. Tradução porque todos os fatos, eventos, informações e dados descritos em um livro estão codificados em letras. E o conjunto dessas letras expressa ideias, as quais precisam ser absorvidas pelo cérebro. Ou seja, a ideia não está pronta para ser absorvida. É necessário traduzir mentalmente esse conjunto de símbolos em ideias. Também fazemos isso quando interagimos com alguém, é verdade. Mas no caso da leitura, não contamos com o tom de voz, os gestos e outros aspectos que poderiam nos ajudar na tradução. Tampouco com a gentileza da pessoa de repetir algo que não entendemos. Some isso ao fato de que interagimos e conversamos mais do que lemos. Deste modo, a tradução mental de ideias ocorre de modo mais fácil e natural na interação pessoal, do que na leitura.

Uma vez traduzidas as palavras em ideias, elas precisam ser interpretadas. Ideias soltas não são suficientes para criar uma unidade de sentido. E nem toda a unidade de sentido que conseguimos formar é a mais plausível. Assim, a leitura obrigará nosso cérebro a trabalhar esta interpretação.

Uma quarta razão pela qual a leitura é importante é que ela aumenta e aprimora nosso vocabulário, além de nos acostumar a fazer mais ligações lógicas. Sobre este segundo ponto, isso acontece porque nos acostumamos com a estrutura das frases e o uso das palavras em cada situação, o que cria padrões em nosso cérebro, capacidade de dedução, poder interpretativo e, finalmente, maior aptidão para se expressar oralmente e pela escrita.

Uma quinta razão é que a leitura tende a gerar maior atenção, concentração, paciência e tranquilidade no ser humano. Afinal, ele não consegue traduzir e interpretar bem se não tiver atenção; e uma vez iniciada a leitura, isso demandará algum tempo. Falamos, interagimos e ouvimos mais rápido e com mais facilidade do que lemos. E a leitura cansa mais rápido do que a interação. Assim, a leitura tende a regrar o ser humano em um tempo menos veloz.

Essa menor velocidade do fluxo de informações é muito saudável, pois nos dá tempo de refletir sobre o que lemos, imaginar mais detalhadamente os cenários ou conceitos descritos, digerir as palavras, contemplar a informação.

Conclusão: a prática da leitura de livros faz o cérebro trabalhar mais, aumentando seu poder imaginativo e sua criatividade. O indivíduo que cultiva este hábito tende a aumentar e aprimorar seu vocabulário, tornar-se mais sensível, adquirir maior nível de concentração e atenção, ganhar em capacidade de reflexão, análise e espírito crítico, desenvolver melhor aptidão para interpretar textos, falas e situações, e expressar suas ideias às pessoas. E, como cereja do bolo, todo esse conjunto de características tende a desembocar em um comportamento mais educado.

É claro que isso não é uma regra infalível. O desenvolvimento das habilidades e da sensibilidade humana dependem de uma série de fatores. Mas a leitura pode ajudar muito. Talvez mais de 50%. Sem dúvida alguma, a escrita e a leitura foram as maiores invenções do ser humano, pois servem como ferramentas extremamente úteis para a inteligência e emotividade de nossa espécie.

Por isso, rogo a todos: cultivem a prática da leitura. E se não conseguirem, ao menos cultivem essa prática em seus filhos, sobrinhos e netos pequenos, e nos seus alunos de colégio, caso seja professor. Não duvide: vai fazer toda a diferença.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Considerações sobre a trilogia "Jogos Vorazes", de Suzanne Collins

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Terminei agora há pouco a leitura da trilogia "Jogos Vorazes", de Suzanne Collins. Levei apenas vinte dias para terminar os três volumes de cerca de 400 páginas cada um, mesmo trabalhando durante boa parte desse período. Isso significa que realmente gostei bastante da história. Criativa e repleta de deliciosos momentos de suspense. É claro que também tem algumas partes monótonas, sobretudo no segundo volume, onde a autora exagera em descrições de eventos não muito relevantes. Mas, no geral, a trilogia é muito interessante.

Mas o comentário que eu gostaria de fazer não é sobre o enredo em si, mas sobre alguns aspectos dele que me chamaram a atenção. Toda a história se desenrola em um país fictício chamado Panem, que se localiza no que antes (talvez séculos antes) eram os Estados Unidos. É o regime de governo desse país que me impressiona, pois ele apresenta vários aspectos de um estado socialista. Não me refiro a um socialismo marxista, mas parecido em muitos pontos, já que os mais diversos tipos de socialismos conservam bases comuns. Em outras palavras, não deixam de ser socialismos.

Não penso que a autora tenho escrito a história com o intuito de mostrar ao leitor um país socialista. Na verdade, eu tenho quase certeza que ela nem por um momento pensou nisso e este não é, definitivamente, o foco do seu livro. Mas é inevitável juntar os pontos e perceber o que talvez ela mesma não tenha percebido.

Para começar, todas as grandes empresas, setores e serviços são controlados pelo Estado. Isso não é dito explicitamente nos livros, mas pode ser inferido em vários trechos. Por exemplo, a protagonista da série, Katniss Everdeen, embora fosse muito pobre, como a maioria dos habitantes de seu distrito, frequentava a mesma escola que a filha do prefeito, de condição estável. O livro também parece indicar que todas as crianças de cada distrito de Panem, sem exceção, vão à escola e lá são doutrinadas pelo Estado. Ou seja, só podem ser escolas estatais.

A economia parece mesmo ser extremamente planificada e regulada pelo governo. Cada um dos doze distritos trabalha em algo específico para abastecer o país. No distrito 12, de Katniss, é o carvão. O distrito 11 fica com a agricultura. E por aí vai. E o governo tem total poder para fazer a distribuição da produção e para controlar todo o setor. Posso citar dois trechos que me veem a mente agora que deixam isso implícito. Um em que Rue, uma das personagens, afirma que no distrito 11 não se tem permissão para comer o que se colhe na lavoura (sob pena de morte). Outro em que Katniss, que narra o livro, comenta que a Capital fechou as minas de carvão do 12 por duas semanas. Há outros.

O sistema de televisão também é estatal. Toda a programação está a cargo da Capital e eles utilizam este recurso vastamente como modo de controlar a população suprimindo muitas informações, promovendo ordem, fazendo propagandas em prol do regime e espalhando notícias falsas.

Não há qualquer menção a grandes empresários. Se eles existem, ganham seus altos lucros permitindo que o governo tenha total controle sobre as empresas. Em outras palavras, grandes empresários e Estado estão bem casadinhos, de forma que não é possível distinguir um do outro. Os empresários, se existem, funcionam mais como empregados do governo.

Há escassez de alimentos para a maioria da população. Embora a autora não estabeleça essa ligação, essa escassez é um fato que podemos atribuir à forte intervenção do governo na economia e a consequente falta de competição entre empresas e de corporações suficientes e de qualidade para atender à demanda. Aliás, as pessoas não tem muita opção de emprego e boa parte é obrigada a trabalhar na especialidade de seu distrito.

Não é permitido que as pessoas de um distrito viajem até outro distrito, a não ser quando à mando da Capital. Se não podem transitar livremente dentro do próprio país, certamente não podem sair dele, o que nos lembra Cuba, Coreia do Norte e etc.

A população não tem acesso às armas de fogo. Os únicos portadores de armas de fogo são os chamados "Pacificadores", exércitos centralizados da capital que são enviados para os distritos. Caçar em florestas é proibido (talvez para evitar fugas, motins ou a criação de armas).

A tecnologia em quase todos os distritos é bastante rústica. Não parece haver internet ou computadores pessoais às mãos do povo comum. As televisões são velhas e, até onde me lembro, não há menção a carros. Há um distrito que produz alta tecnologia. Mas toda a produção vai para a Capital.
Panem aparentemente já era totalitária há muitos anos quando sofreu uma revolta promovida por um dos distritos. Vencendo o levante, a Capital intensificou seu poder totalitário e passou a utilizar ainda mais o poder do medo. Além disso, parece ter adotado um discurso de que outro levante seria ruim para todos, que a Capital sabe o que faz, que ela reergueu um país das cinzas e vem sustentando a todos, que a ordem é importante para manter a paz e etc. Esse discurso está presente em alguns vários pontos da trilogia, mas de modo velado.

Há um presidente em Panem. E ele está na presidência há pelo menos mais de 25 anos. Digo pelo menos 25 anos porque a trilogia menciona que ele era o presidente 25 anos antes do tempo em que a história se passa. Mas pelas descrições dos livros, eu estimaria que Snow, o presidente, já estava há uns 40 anos de poder.

Para o presidente, seus aliados e os cidadãos da Capital existe todo o conforto e riqueza. Já nos distritos, até mesmo a classe política tem seus problemas. Os prefeitos, por exemplo, também não podem viajar para a Capital (e, presumivelmente, também não podem deixar o país). E seus filhos não estão livres de participarem dos Jogos Vorazes, que ocorrem todos os anos.

Os Jogos Vorazes foram criados após o levante já mencionado, como uma maneira de relembrar ano após ano como a Capital tem domínio sobre os distritos. Nesses Jogos, eram selecionados, por sorteio, um representante feminino e um masculino e cada distrito, de 12 a 18 anos. Eles iam para a Capital, eram colocados em uma arena gigante e tinham que achar modos de sobreviver durante dias e matar uns aos outros. O último sobrevivente era o campeão dos jogos e podia voltar para casa.

Finalmente, a trilogia praticamente não faz menção a Deus. Se não me engano só encontrei a palavra "Deus" duas vezes, em frases onde era apenas força de expressão. Não sei se é assim no original, em inglês. Seja como for, não há mesmo menção a Deus como crença, nem a qualquer religião, rito religioso, igrejas e etc. Nada. É como se toda e qualquer crença em Deus ou deuses ou algo além do mundo natural tivessem sido arrancadas da cultura e da mentalidade das pessoas. 

É claro que a autora pode não ter colocado nada disso por não ser uma pessoa religiosa. Mas é impossível não pensar que essa ausência foi proposital. O mundo descrito pela autora Suzanne Collins está em um futuro pós-apocaliptico, onde guerras, fomes e desastres naturais reduziram significantemente a população e o mundo avançou séculos no tempo, deixando para trás quase tudo o que conhecemos hoje. É plausível supor que ela tenha retirado também a religião, a fim de pintar um mundo ainda mais distante no tempo e (por que não?) muito mais sombrio.

E, neste caso, também é inevitável relacionar essa descrença ao regime político de Panem e, mais profundamente, às mentalidades que conduziram a antiga América do Norte ao regime de Panem.

O que é notável em tudo isso é que a história fictícia de Collins é tremendamente verossímil. Quantos movimentos revolucionários não vimos desabrochar desde a revolução francesa pregando um Estado que intervém "em prol" da justiça social, a ascenção de uma classe revolucionária iluminada, o Estado como salvador do mundo, a centralização política, a estatização das empresas e setores mais importantes e a neutralização da concorrência? E o que esses movimentos geraram? Regimes totalitários, genocídios, miséria, violação dos direitos humanos, repressão, tortura.

E quantos movimentos revolucionários não vimos desabrochar pregando a doutrinação das crianças pelo Estado, a destruição da moral judaico-cristã, da ideia de verdades absolutas, da rica cultura religiosa, da espiritualidade, de Deus? E o que esses movimentos geraram? Mais maldade, mais devassidão, mais perseguição, mais seres não-pensantes, mais marionetes revolucionárias.

Mas eu não vou falar aqui apenas de socialistas. O mundo não é destruído apenas por eles. O capitalismo, embora eu o considere um bom sistema (dentro das limitações desse mundo imperfeito) e infinitamente preferível a qualquer tipo de socialismo, não passa de um sistema econômico. Ele não pode ser usado como um sistema que abarque toda a verdade moral/cultural/espiritual da sociedade. Quando fazemos isso, criamos um sistema frio, egoísta, desumano. Nós não nos resumimos à economia. Por isso, não podemos apenas ser capitalistas. O capitalismo por si só, sem uma boa base moral/cultural/espiritual pode se tornar um monstro quase tão perverso e destrutivo quanto os mais diversos socialismos.

No fim das contas, o que parece ficar claro aqui é que o problema maior não está nos sistemas, mas na tendência humana de querer colocar suas ideias, interpretações e vontades pessoais acima de Deus. O ser humano, religioso ou não, passou a história inteira fazendo-se Deus para si mesmo, ora alegando fazer a vontade divina, ora alegando fazer a vontade do povo, ora fazendo imperar sua vontade sem qualquer tentativa de justificar seus atos ("Eu fiz porque eu quis"). Ignorando ou distorcendo uma moral básica deixada por Deus no sistema biológico do homem e perpetrada por heranças sociais (moral a qual todo homem mentalmente são é capaz de discernir), nossa espécie tem causado os mais terríveis sofrimentos ao próximo. E assim vamos destruindo o mundo e a nossa espécie.

O mundo descrito por Collins não é uma impossibilidade. Ao contrário, ele o destino do homem. É para a completa destruição que seguimos, enredados em nossos egoísmos e crueldades, ou mesmo, em nossa ridícula empáfia de achar que podemos salvar o mundo. Não, não podemos. Temos dificuldades de arrumar o nosso quarto, de lavar a louça, de resistir à tentação de xingar o motorista que nos cortou no trânsito, de não mentir para nossos pais ou nosso parceiro, de não explodir de raiva com quem amamos, de não querer vingança de quem nos fez mal.

Quando vejo alguém querendo mudar o mundo, sempre me lembro de um anime que gosto muito chamado "Death Note" (Livro da Morte). No anime alguns seres presentes na mitologia japonesa, os Shinigamis, possuem cada um dois livros da morte. Assinando o nome de uma pessoa nesses livros e mentalizando sua face, eles conseguem matá-la, da maneira como descreverem sua morte. E os anos de vida que a pessoa teria passam para eles.

A história do anime tem inicio quando um Shinigami entediado deixa cair propositalmente um de seus Death Notes na terra para que algum ser humano o ache. O caderno é achado pelo estudante Yagami Light, um gênio que sonhava em transformar o mundo em um lugar pacífico, sem mais crimes e injustiças. Light logo descobre que o caderno funciona e passa a arquitetar um inteligente plano para assassinar criminosos sem que a polícia desconfie dele. Mas logo a polícia descobre um padrão nas mortes e contrata o maior detetive o mundo para investigá-las, a fim de chegar ao autor.

O anime, então, passa a mostrar um delicioso embate intelectual entre Light e o detetive, o primeiro para despistá-lo e o segundo para chegar ao autor dos crimes. Mas o interessante é que Light, com a polícia e o detetive em seu encalço, começa a matar todos os que se tornam um problema para os seus planos de transformação do mundo, incluindo inocentes, chegando a cogitar até a morte de seus familiares. Ele se torna obcecado com seus planos, começa a dizer para si mesmo que ele é a própria justiça e afirma que será o Deus do novo mundo. Tudo então passa a ser permitido a ele por ele mesmo em prol de seu plano supremo. Numa das falas do detetive (chamado simplesmente de "L" na série) que mais gosto, ele afirma: "Estou caçando uma pessoa sem nome ou um rosto. Alguém que acredita estar no caminho certo para livrar o mundo dos criminosos. Mas sua justiça está mal guiada. Pois agindo como Deus, ele mesmo se tornou o criminoso".

Não é preciso ter uma intenção ruim para tornar a vida de outras pessoas um inferno. É quando entendemos isso e como este fato já ocorreu tantas vezes na vida real, que entendemos como qualquer crença que nutramos na capacidade do homem de se tornar perfeito e mudar o mundo é tola e perigosa. O máximo que podemos conseguir é algumas áreas do globo relativamente mais justas e pacíficas. Mas nunca o mundo inteiro. Nunca todos os homens. Nem sequer próximo disso. Podemos até melhorar as coisas, mas jamais na amplitude que gostaríamos. Podemos até consertar um pouco a nós mesmos e a algumas pessoas em nosso redor. Entretanto, jamais mudaremos bilhões de pessoas.

É aqui que nos deparamos com o dura, porém verdadeira realidade descrita por Suzanne Collins: nossa vida é frágil e nosso mundo é mal. São dois fatos dos quais não se pode fugir e os quais não se pode mudar. Apenas devemos aprender a conviver com eles. A diferença básica entre os personagens de Collins e eu é que eles estão pendentes no abismo (ou, pelo menos, parecem estar), desprovidos de qualquer sentido último para toda a vida. Afogados na lama de nossa existência torta, sanguinária, vazia e efêmera; vendo todo o seu interior desabar quando um ente querido morre; sufocando no medo; perdendo o senso de realidade; buscando tapear o sofrimento com o efêmero. Eles não tem Deus. Eu o tenho.

Isso não é uma tentativa de argumentar emocionalmente pela existência de Deus. Tenho outros motivos racionais para crer. Mas é uma forma de mostrar ao leitor como a questão não é irrelevante e como esse mundo sem esperança, afundado na crueldade humana e na certeza de plena destruição, tem sido evitado tanto por crentes, como por descrentes em Deus. Minha aposta é que definitivamente não fomos feitos para isso.

A trilogia de Collins, que creio não ter sido feita com este intuito, me levou a pensar melhor nestas coisas, além de ter me proporcionado um bom enredo. Fica aqui o meu agradecimento de leitor.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

O que a direita brasileira quer?

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O ano de 2014 foi interessante para a direita brasileira. Vimos um considerável crescimento de manifestações contrárias à esquerda, uma eleição com mais candidatos políticos de direita em relação às eleições anteriores, muitas pessoas aderindo posicionamentos liberais em economia e conservadores em política, um aumento do interesse de diversas pessoas em política, o surgimento de vários blogs, sites e páginas de direita e uma fortíssima oposição de mais da metade do eleitorado brasileiro ao PT e a Dilma (considerando que boa parte daqueles que não votaram nem em Dilma, nem em Aécio, não estão satisfeitos com o governo petista). Os reflexos dessas mudanças são visíveis nas mídias sociais e no cotidiano das pessoas.

Entretanto, isso não é uma descrição otimista da situação da direita, mas realista. A direita realmente ganhou um pouco mais de espaço, força e representação. Mas ela ainda está muito longe de cativar o eleitorado. Para começar, não temos partidos de direita. O PSDB e DEM são apenas os mais centristas. Há algumas legendas novas surgindo, é verdade. Talvez uma ou outra dispute as próximas eleições. Mas até que esses partidos pequenos ganhem expressão e tenham chances reais de vencer a disputa por algum cargo vamos precisar de muitos anos. A melhor estratégia, portanto, é apostar as cartas em partidos mais centristas, como o PSDB, colocando lá dentro candidatos de direita e pressionando o partido a afastar-se cada vez mais da esquerda no espectro.

Ocorre que para fazer isso, a direita precisa estar bem organizada a nível extrapartidário. Em outras palavras, as pessoas em geral que se reconhecem como fazendo parte da direita precisam saber o que são, o que querem, como pretendem alcançar o objetivo e, finalmente, agir em conformidade com aquilo que sabe. E é justamente neste ponto que a direita brasileira tem falhado miseravelmente.

Enquanto a esquerda tem avançado a passos largos no domínio da cultura, do senso comum e da opinião pública, a direita ainda tem permitido ser associada com regime militar, ditadura, governo para ricos, corporativismo e etc. Ou seja, do ponto de vista estratégico a direita age como se fosse uma criança inocente. O que deve ficar claro aqui é que em política você precisa ser estratégico se quiser ganhar algo. Ser estratégico não significa ser um mentiroso ou um pragmático sem princípios e escrúpulos. Significa planejar suas ações e palavras sempre pensando no efeito psicológico que elas causam nas pessoas, e também, é claro, neutralizar rótulos e alcunhas lançados pelo adversário contra você, minando o efeito psicológico que ele desejava causar nas pessoas com relação ao seu caráter e reputação. Para aquele que é honesto e ama a verdade, tudo isso quer dizer agir conforme seus princípios, mas de maneira inteligente, bem pensada, estratégica.

A direita precisa aprender que há muito tempo os esquerdistas tem se empenhado em lutar uma guerra cultural. Suas armas não são físicas. Suas armas são psicológicas. Seus alvos são a própria plateia. Eles sempre estarão tentando colocar na cabeça do público que eles lutam por liberdade e democracia, contra o preconceito, a exploração e a desigualdade, que eles é que querem tolerância e respeito. Eles tentarão tomar posse de boas palavras para que as mesmas sempre remetam a eles. Ao mesmo tempo, inculcarão no senso comum que todos os seus opositores são de direita, que a direita é má, é preconceituosa, é ditatorial, é contra os pobres, é contra a liberdade. Todas as palavras e ações da esquerda são milimetricamente calculadas para gerar estes efeitos. Essa é a guerra deles.

Então, qualquer deslize, qualquer falha direitista que dê a eles a oportunidade de confirmar os rótulos que eles lançam cria um muro entre a direita e o público. E qualquer rótulo mentiroso lançado pela esquerda que não seja neutralizado pela direita e utilizado para desmascarar a desonestidade esquerdista apenas fortalecerá a posição esquerdista na mente do público.

Se você, portanto, se considera parte da direita, procure calcular suas palavras e ações com base nesta guerra cultural, que é uma luta pelo apoio psicológico das pessoas. Infelizmente, a esquerda está muito à frente da direita nesta guerra. Mas temos algo ao nosso lado: nós não precisamos mentir. Para escrachar a esquerda basta dizermos a verdade, usando de estratégias para que a verdade seja bem absorvida pelo público.

Em suma, saiba bem do que você é, o que quer, como pretende chegar ao objetivo e, então, aja conforme o que você sabe. Deixo aqui uma dica: a direita tem sido desde sempre o posicionamento político e econômico que desconfia de governos muito interventores e com projetos mirabolantes de novo mundo, e que aprendeu com a experiência que um Estado mais enxuto e livre economicamente é o melhor caminho para melhorar a vida da população e garantir a manutenção da liberdade individual. Isso é o que a direita defende e é isso o que você, como direitista quer, não é verdade? Então, fale e aja com base nisso, não deixando margem para que te rotulem com sucesso de fascista, defensor de ditadura, corporativista, amigo dos ricos e etc., mas demonstrando como esses rótulos não só são mentirosos como se aplicam aos próprios esquerdistas. A ideia é desmoralizar a esquerda diante da plateia.

Finalmente, se você é um daqueles que realmente que realmente acredita que o Brasil precisa de uma nova intervenção militar e vive bradando isso por aí, tire imediatamente essa ideia da cabeça e pare de falar besteira! Como eu disse, estamos em meio a uma guerra cultural. É uma guerra pelo domínio do senso comum, da cultura e da opinião pública. É uma batalha de rótulos, propagandas e discursos. Uma intervenção militar agora apenas iria reforçar na mente das pessoas uma associação entre direita e ditadura, esquerda e liberdade. A esquerda já teve muito lucro explorando essa associação psicológica com o regime militar de 1964-1985. Se tivermos outro regime desses, a direita vai morrer para sempre.

Além do mais, não é uma ditadura que nós queremos. Queremos uma democracia. Queremos liberdade. Intervenções militares sempre carregam consigo o risco de se converterem em um regime ditatorial. Uma vez que as armas atuais da esquerda são culturais, correr este risco é algo totalmente insano e idiota. Devemos, em vez disso, entrar com tudo na guerra cultural e destruir a esquerda moral e intelectualmente. Se a direita conseguir entender isso, poderá lutar de igual para igual contra a esquerda. Agora, se ela permanecer cometendo os mesmos erros infantis, adeus política. No fim, todo se resume a seguinte pergunta: o que a direita brasileira quer? A resposta vai definir o nosso futuro.