Quero tecer minhas respostas a alguns argumentos católicos comumente usados para atacar o protestantismo. São argumentos que julgo bem frágeis e que eu pediria aos meus prezados amigos católicos que não os utilizem. A intenção do post não é provar que a Igreja Católica não é a verdadeira, mas apenas colaborar para que argumentos ridículos sejam postos de lado nos debates.
1) A Igreja Protestante não pode ser a Igreja verdadeira porque ela é toda dividida.
R.: Esse argumento não faz o menor sentido pelo simples fato de que não existe uma "Igreja Protestante". O protestantismo não é uma instituição formal, nem mesmo uma instituição. O protestantismo foi o nome cunhado para se referir à instituições cristãs distintas que surgiram de dissidências com a Igreja Católica a partir de 1517. Há, na verdade, não uma Igreja Protestante, mas um movimento protestante. Então, não se pode dizer que "a Igreja Protestante é uma Igreja dividida". Estamos falando de várias instituições e não apenas de uma. O movimento protestante não é um análogo à Igreja Católica.
2) O protestantismo relativiza a verdade.
R.: Esse argumento provém justamente da pressuposição errônea de que o protestantismo é uma instituição, tal como a ICAR. Daí deduz-se que dentro da mesma instituição cada um tem a sua verdade. Como já mostrei, a pressuposição está errada, o que invalida a dedução. Longe de haver relativismo da verdade no movimento protestante, o que ocorre é que cada instituição julga o seu próprio corpo de regras correto, o que implica que o corpo de regras dos demais está errado em um ou mais aspectos. É exatamente a mesma visão que a ICAR tem de sua instituição e das demais. Não há diferença aqui. Não há relativização da verdade.
3) A divisão do protestantismo em várias instituições implica a falsidade do movimento.
R.: Sustentar este ponto coloca o católico em problemas. Ora, se um movimento torna-se falso por ter se separado de um movimento original, então o próprio cristianismo é falso, pois se separou do judaísmo. E talvez até o judaísmo seja falso, pois se separou do monoteísmo primitivo, vivido por clãs isoladas. Não me parece lógico apostar nesse argumento.
4) A Igreja Católica, diferentemente da Igreja Protestante, nunca se dividiu. Permanece una.
R.: É claro que houve divisão! A Igreja Cristã se dividiu em Igreja Católica Apostólica Romana e Igreja Católica Apostólica Ortodoxa, na chamada grande cisma do Oriente (1054). Fez-se duas instituições diferentes, cada qual alegando estar correta. Posteriormente, após 1517, surgiram diversas instituições protestantes do seio da ICAR. Mais divisões. Quando uma divisão é feita, obviamente, as duas partes não são mais uma coisa só. Não se pode dizer, portanto, que a ICAR não se dividiu. Ora, a divisão em si mesma não é algo ruim. Seria preferível que ela não existisse, mas quando a verdade está em jogo, a divisão é necessária.
O argumento católico aqui pretende, na realidade, afirmar meramente que a ICAR é a Igreja verdadeira. Não importa quantas divisões ocorram em seu seio, quantos movimentos sejam excomungados, quantos grupos sejam desligados, ela permanece sendo a Igreja verdadeira. Isso pode até ser verdade, mas a questão é que não há um argumento aqui e sim uma mera afirmação travestida de argumento. Quando alguém afirma que a ICAR nunca se dividiu, mesmo tendo havido diversas divisões no seio dela (e sendo ela própria proveniente de divisões), o que está querendo dizer é simplesmente que ela é a igreja verdadeira e, portanto, todas as que dela saíram são falsas, o que implica que a igreja verdadeira em si não foi dividida. E nunca será, já que qualquer cisão que ocorrer implicará falsidade não dela, mas da outra parte. Isso é o que o católico quer dizer.
O fato ululante é que para quem quer discutir justamente se a ICAR é ou não a Igreja verdadeira, em um debate, inicar a discussão já pressupondo que ela é verdadeira se constitui raciocínio circular. Neste caso o debate não existe e não há nada o que se discutir.
5) A Igreja Católica foi a responsável por escolher os livros que iriam compor a Bíblia. Mais que isso: ela foi responsável por inspirar os livros do Novo Testamento. Logo, todos devem a Bíblia à ICAR, por consequencia ela é a Igreja verdadeira e, portanto, só ela tem aptidão para interpretar as Escrituras Sagradas.
R.: Mais uma vez, o argumento só faz sentido quando se pressupõe a cosmovisão católica. Na cosmovisão católica, a ICAR foi instituída por Jesus Cristo, tendo o anúncio sido formalizado por ele mesmo à Pedro, em Mateus 16. Iniciar o debate já com essa pressuposição é raciocínio circular, já que é justamente esse um dos pontos que precisa ser provado.
A cosmovisão protestante é distinta. Ela entende que Jesus não instituiu a ICAR, mas sim a Igreja Cristã, a qual, em sua primeira fase, se guiou puramente pelas pelas doutrinas apostólicas. Na medida em que o tempo foi seguindo, a Igreja Cristã foi passando por outras fases, nas quais elementos estranhos começaram a compor à doutrina cristã.
O processo de romanização da Igreja cristã se inicia, segundo a cosmovisão protestante, décadas após a era apostólica e de maneira bastante gradual e sutil. Nos primórdios do cristianismo, não havia um poder central formal instituído na Igreja. Cada cidade ou região possuía sim um bispo, que era simplesmente um membro local com bons atributos cristãos e que havia recebido instrução e preparo de algum missionário. Na era apostólica, os primeiros missionários foram os próprios apóstolos. Coube a eles a tarefa inicial de plantar igrejas nas cidades, preparar um líder e partir para outras cidades, deixando a Igreja plantada se virar sozinha. Havia, evidentemente, o cuidado, por parte dos apóstolos, de orientar de longe através de cartas, e de visitar as igrejas plantadas tempos depois, a fim de observar o funcionamento delas. As igrejas, por seu turno, enxergavam os apóstolos com grande respeito, já que eles haviam estado com Jesus e, portanto, conheciam a sua doutrina. Não havia, entretanto, uma hierarquia bem definida, um líder supremo dentre os apóstolos e uma sucessão formal. E cada igreja era bastante autônoma, apenas recebendo orientações de longe vez ou outra.
Com a morte dos apóstolos, a Igreja passou a se formalizar um pouco mais e os bispos de cada cidade ou região ganharam maior importância. Mas, segundo a cosmovisão protestante, a Igreja ainda seguiu por um tempo descentralizada, não possuindo um bispo supremo dentre os bispos, conquanto houvesse unidade nas doutrinas.
O bispo de Roma passaria, gradativamente, a ganhar maior relevância dentre os bispos por pertencer à capital do Império e pelo cristianismo já não contar mais com uma Igreja forte em Jerusalém (a qual foi, na fase apostólica, Igreja central do cristianismo). Considera-se, dentro dessa cosmovisão, que apenas lá pela década de 530 o processo de romanização se consolidaria, transformando efetivamente o bispo de Roma no bispo dos bispos. Esse reconhecimento, portanto, foi sendo construído ao longo de um processo que durou séculos. Então, podemos dizer, dentro dessa cosmovisão, que a ICAR só surge, no mínimo, após o ano 500. Antes disso, o que se havia era uma Igreja cristã em processo de romanização, ou ainda, uma Igreja Proto Romanizada (e, por consequencia evidenete, não mais apostólica). Ou seja, nessa cosmovisão, quem fez selecionou os livros que iriam compor a Bíblia não foi a Igreja Católica, mas sim a Igreja cristã. O máximo que se pode dizer, nesta cosmovisão, é que a Igreja cristã que o fez estava em processo de romanização.
Exponho essa cosmovisão não para afirmar que ela seja a correta (pois não é este o intuito do post), mas apenas para alertar que não existe apenas a cosmovisão católica. Portanto, iniciar um debate pressupondo que há apenas uma cosmovisão possível causa um desequilíbrio no debate. Ora, a ideia não é provar qual das duas está correta? Então, o debate deve partir do zero, sem suposições iniciais não provadas no próprio debate.
6) É logicamente necessário que Deus tenha instituído uma Igreja infalível doutrinariamente. Senão o cristianismo não vigoraria.
R.: Não, não é necessário. Na Antiga Aliança, o povo judeu passou algum tempo crendo na doutrina errônea de que o Messias seria um líder militarista que destruiria o Império Romano. Era o povo de Deus, mas estavam em erro doutrinário. No mesmo judaísmo, surgiram divisões. As duas principais eram a dos fariseus e a dos saduceus. Ambos possuíam erros doutrinários. E o povo absorvia esses erros. Durante o ministério de Jesus, o povo judeu, no geral, continuou sustentando doutrinas erradas, incluindo a visão distorcida da missão do Messias. Felizmente, Jesus reuniu um grupinho de judeus que aceitou as doutrinas corretas. Esses judeus pregaram a outros judeus, que também aceitaram, e depois partiram para evangelizar o restante do mundo. Isso evidencia que, no interior do povo de Deus, pode haver erros doutrinários. O povo quase inteiro pode abraçar doutrinas erradas. É possível e já aconteceu. Mas, apesar disso, os planos de Deus não foram inviabilizados.
Podemos voltar um pouco mais no tempo e pensar no monoteísmo primitivo, seguido pelas primeiras clãs do mundo. Formavam o povo de Deus. Mas aos poucos elas foram agregando ideias erradas também. Foi, aliás, este motivo que levou Deus a usar Abraão, membro de uma dessas clãs monoteístas, para formar um povo específico para Ele; um povo que pudesse manter as suas verdades ao longo do tempo e dar ao mundo o Messias. Este novo povo, como vimos, não se tornou infalível à nível doutrinário. E à nível moral foi um povo bastante problemático. Entretanto, Deus cumpriu seus planos através dele, não foi? O judaísmo vigorou até a vinda do Messias, não é? Do judaísmo saíram os primeiros cristão, correto? A primeira Igreja era majoritariamente formada por judeus, não é mesmo? Pois é.
A ideia de que uma instituição falível à nível de doutrina não pode servir aos planos de Deus não parece corresponder à realidade histórica e bíblica. Na comovisão protestante, Deus permanece sendo o guia supremo da história. Não importa o quanto o homem seja falível moral e doutrinariamente, o quanto o seu povo se engane com mentiras, o quanto a humanidade crie problemas, Ele sempre irá levantar homens para resgatar suas verdades e até mesmo agir por meio de quem não tem as ideias totalmente certas. Isso não é, de forma alguma, um incentivo ao erro. É apenas uma constatação: Deus age até em instituições erradas usando homens errados. Homens como Arão, Sansão, Davi e Jonas, embora falhos e com ideias tortas, foram muitas vezes usados pelo Espírito Santo para que Deus cumprisse seus objetivos. Até mesmo o problemático Saul (que no fim da vida se perdeu), quando intentava matar a Davi, foi tomado pela influência do Espírito de Deus, desistindo do mau intento e passando a profetizar (I Samuel 19:18-24). Isso mostra que o Espírito de Deus age em quem Ele quiser e alcança seus planos do modo como quiser. Quem somos nós para limitar a Deus?
7) A Igreja Católica é verdadeira porque deu ao mundo um enorme legado de boas obras e avanços nas mais diversas áreas do conhecimento, sendo este legado muito superior ao deixado pelos protestantes.
R.: Acho esse argumento bastante bobo. Não porque eu discorde do tamanho do legado positivo que a ICAR deu ao mundo (embora eu também creia que ela cometeu muitas falhas, sobretudo no quesito doutrinário). Mas eu acho um argumento bobo porque este legado positivo não é, definitivamente, um argumento para provar que a ICAR é a Igreja verdadeira. A cosmovisão protestante, por exemplo, não crê que tudo o que sai da Igreja Romanizada seja ruim. Ao contrário, uma vez que ela faz parte da Igreja Cristã, ela sempre possuiu membros cristãos verdadeiros e fervorosos que foram utilizados por Deus para a sua obra. Então, dentro da cosmovisão protestante, a ICAR fez muitas coisas boas para a sociedade não porque é uma instituição romanizada, mas sim porque, apesar dos seus erros doutrinários, é uma instituição que faz parte da Igreja Cristã e que possui membros cristãos verdadeiros e fervorosos.
Nenhum protestante honesto e minimamente estudioso negará o peso positivo que a ICAR teve em muitos aspectos da nossa sociedade ao longo dos séculos. E é óbvio que o legado dela tende a ser maior que o protestante, já que sua instituição é mais antiga. Mas antiguidade não comprova originalidade, tampouco pureza doutrinária. Por isso o argumento é inválido.
Só para lembrar: para a cosmovisão protestante, Jesus não instituiu a Igreja Católica Romana, ou a Igreja Católica Ortodoxa, ou alguma das Igrejas Protestantes. Ele instituiu a instituiu a Igreja Cristã, lá no primeiro século (e que era, aliás, formada majoritariamente por judeus e cujo centro foi por muito tempo em Jerusalém). A Igreja Cristã deixou sua fase apostólica e começou a se romanizar. Esse processo se consolidou lá para os anos 530, quando toda a cristandade reconheceu o bispo de Roma como bispo dos bispos. Ou seja, a Igreja Cristã não surgiu romanizada, mas tornou-se romanizada - pelo menos, majoritariamente, já que sempre existiram grupos cristãos fora da ICAR (muitos dos quais eram heréticos, mas não todos).
8) Os protestantes acreditam na livre interpretação da Bíblia, o que é uma prova de relativismo da verdade. A Igreja Católica acredita em uma só interpretação da Bíblia, portanto, é a Igreja verdadeira.
R.: Errado. Os protestantes acreditam no livre exame da Bíblia. Isso significa que, para a cosmovisão protestante, todo cristão tem o direito de estudar a sua Bíblia e procurar base escriturística para as doutrinas da Igreja. O livre exame não deve ser confundido com a livre interpretação. O cristão não é livre intelectual e moralmente para interpretar a Bíblia como bem lhe aprouver. A correta interpretação bíblica requer domínio de regras interpretativas lógicas, bom conhecimento histórico, bom conhecimento da própria Bíblia, hábito de leitura, honestidade intelectual, humildade de espírito e um bom relacionamento com Deus. Sobre as regras lógicas de interpretação, podemos citar as mais conhecidas: avaliação do contexto histórico, do contexto da passagem, do estilo do livro estudado, da finalidade do livro, do autor, dos destinatários, da cultura e do idioma em questão e da relação do texto com outros textos da Bíblia.
É evidente que muitos cristãos, ao terem livre acesso à Bíblia, procurarão interpretá-la sem um ou mais desses requisitos básicos. É daí que surgem as heresias. Mas veja que isso é um pecado exclusivo da pessoa que resolve assim proceder e não da cosmovisão protestante. Nenhum protestante honesto e minimamente inteligente defende que as pessoas interpretem à Bíblia de qualquer maneira, sem os requisitos básicos. Na verdade, o bom protestante deseja que todos os cristãos aprendam os requisitos básicos para se interpretar corretamente e, uma vez dispondo dessas ferramentas fundamentais, sejam livres para avaliar a Bíblia. Longe de ser um erro, tal postura é honesta, pois dá a cada um a oportunidade de zelar pelo bom cumprimento da Palavra de Deus, averiguando se ela está sendo seguida por sua comunidade. Isso não exclui, evidentemente, que cada um peça ajuda à pessoas que tem maior capacidade intelectual e espiritual para fazer avaliações. Ter humildade de espírito também se trata disso.
Os católicos geralmente batem na tecla de que o problema dessa liberdade de exame é justamente o perigo de insensatos deturparem a Bíblia. Mas esse risco é o preço da liberdade. E sempre foi. A liberdade sempre implica riscos. Quando Deus fez o Jardim do Éden para Adão e Eva, deixou no centro do jardim uma árvore cujo fruto não deveria ser comido. Mas, uma vez que ela estava ali, havia a liberdade de Adão e Eva comerem. Deus poderia não ter dado a eles essa liberdade, impedindo que aquela árvore estivesse no jardim (ou cercando-a com grades intransponíveis). Mas não foi assim que Deus agiu. Ele preferiu deixar que a escolha ao alcance das mãos do homem. O risco era a queda da humanidade no pecado. Pois foi exatamente o que ocorreu (e Deus já sabia desde sempre).
Após o pecado a questão não muda. Ecoam na minha cabeça as palavras do próprio Deus a Caim: "Se, todavia, procederes mal, eis que o pecado jaz à porta; o seu desejo será contra ti, mas a ti cumpre dominá-lo" (Gênesis 4:7). Ou ainda as palavras de Deus ao povo hebreu, no deserto: "Os céus e a terra tomo hoje por testemunhas contra vós, de que te tenho proposto a vida e a morte, a bênção e a maldição; escolhe pois a vida, para que vivas, tu e a tua descendência"
(Deuteronômio 30:19).
Lembro ainda que o autor inspirado Lucas afirma sobre os cristãos bereanos: "Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicenses, porquanto, receberam a mensagem com vívido interesse, e dedicaram-se ao estudo diário das Escrituras, com o propósito de avaliar se tudo correspondia à verdade" (Atos 17:11). Parece-me que a Bíblia dá muita ênfase à avaliação para descobrir se algo é verdadeiro. Em Provérbios Salomão já dizia: "O simples dá crédito a cada palavra, mas o prudente atenta para os seus passos" (Provérbios 14:15). Eu poderia citar várias outras passagens do gênero.
A suma é: não parece haver qualquer condenação bíblica ou lógica ao livre exame das Escrituras. E o fato de existirem pessoas que irão distorcer a Palavra de Deus é apenas uma consequencia da liberdade. Devemos aprender a lidar com isso e, através do estudo sério e da oração fervorosa, nos manter longe dos erros e abertos à verdade. Como Pedro já orientava no primeiro século: "[...] tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles. Vós, pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não suceda que, arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza; antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (I Pedro 15:18).
9) Uma Igreja falível (como sustentam os protestantes) não poderia produzir uma Bíblia infalível.
R.: Não vejo razão para concordar com isso. Lanço mão de uma analogia para explicar. Eu fiz cerca de 230 provas nos meus três anos de ensino médio. Embora eu tenha sido um bom aluno, é óbvio que não tirei 10 em todas essas provas (tampouco na maioria). Mas eu gabaritei algumas sim. Acredito que umas 40 ou mais. Nessas provas, portanto, eu fui perfeito, acertei tudo. Produzi uma prova sem falhas. No entanto, isso não muda o fato de que eu sou falível, imperfeito e que na maioria das provas eu não acertei todas as questões. É possível concluir daí que o ser humano, mesmo sendo falível e falho, pode produzir alguns resultados isentos de erros em determinadas ocasiões.
Da mesma maneira, todo cristão é passível de erros morais, administrativos e doutrinários, tanto na condução da sua vida individual, como na condução da Igreja de Cristo. Ser passível de erros não significa viver errando, ou jamais conseguir um resultado perfeito em determinada ocasião. Significa apenas que é possível cair e que, com muita probabilidade, isso vai acontecer em um ou mais momentos. O que define a intensidade dos erros e o tempo para consertá-los é uma palavrinha chamada "humildade". Quando o cristão é humilde e reconhece ser passível de erros, tenderá a cometer erros menores e a consertá-los com mais rapidez. Uma instituição, no entanto, que não reconheça essa possibilidade de desvio, poderá cair em um e nunca sair. O erro se consolida como verdade, torna-se tradição sagrada e vira um dos pilares inamovíveis da Igreja. É um perigo real.
Mas voltando à questão principal: se cristãos falíveis podem produzir resultados perfeitos em algumas ocasiões da vida, seja no âmbito moral, administrativo ou doutrinário, então é perfeitamente aceitável que alguns bons cristãos tenham recebido inspiração de Deus para compor as Escrituras, de modo que, ao fazê-lo, foram perfeitos doutrinariamente. Isso não muda o fato de que tais cristãos eram falíveis. Mas em determinadas ocasiões escreveram coisas perfeitas que os demais cristãos, majoritariamente, perceberam ser inspiradas. Não há qualquer contradição lógica nesta cosmovisão. Em tempo: o povo israelita era falível e compôs o Antigo Testamento. É sempre bom lembrar disso.
10) Mas se a ICAR não é a Igreja instituída por Deus, qual é? Como encontrá-la num mar de igrejas rivais?
R.: Primeiramente, é preciso entender qual a concepção de Igreja para a cosmovisão protestante. Igreja não é uma instituição formal, com CNPJ, Razão Social, templos e hierarquia. Não que essas coisas sejam erradas ou não tenham relevância. Mas elas, na verdade, são acessórios. Igreja é, antes de qualquer coisa, o conjunto de todos aqueles que creem verdadeiramente em Jesus como Senhor e Salvador do mundo, bem como na Bíblia (Antigo e Novo Testamento). Em suma, Igreja é o nome que se dá ao coletivo de todos os cristãos espalhados na face da Terra, independentemente se todos mantém contato ou não. Se três cristãos, por exemplo, forem parar cada qual em uma ilha deserta diferente, eles continuam sendo parte da Igreja de Cristo.
Entendido isso, fica claro que a Igreja de Cristo transcende os inúmeros grupos e facções que existem no cristianismo. Os cristãos verdadeiros de cada facção (Católica Romana, Católica Ortodoxa, Luterana e etc.) fazem parte da mesma e única Igreja: a Igreja de Cristo. Isso não implica, evidentemente, que todas as faccções contém o corpo correto de doutrinas. Já falamos sobre isso. E aqui está o desafio: como encontrar a congregação cristã que possui as doutrinas bíblicas corretas? Só há um caminho: estudar a Bíblia com afinco e fervorosa oração. A congregação correta há de se pautar inteiramente na Bíblia ou, no mínimo, demonstrar tal disposição.
Eu, como Adventista do Sétimo Dia, acredito que esta é a congregação na qual (e com a qual) Deus tem terminado de resgatar suas santas doutrinas bíblicas. Na cosmovisão adventista, Deus não deixa de agir durante toda a história, procurando fazer a Igreja Cristã como um todo retornar à pureza doutrinária da Era Apostólica. Neste sentido, o movimento protestante foi muito importante, embora não tenha completado a reforma. Esta reforma continuaria nos séculos seguintes, através de outros movimentos e grupos, todos falhos e falíveis, mas em busca da verdade. Para nós, a Igreja Adventista, vem para dar a contribuição final à Igreja Cristã, espalhando verdades não reformadas como a guarda do sábado, a mortalidade da alma, a mentira do inferno como lugar de tormento eterno, a importância da mensagem de saúde e etc. Mas isso é assunto para outra postagem. Em suma, cada igreja acredita deter o correto corpo de doutrinas. Apenas o estudo sério, honesto e unido à oração fervorosa pode provar este tipo de afirmação. E isso é a obrigação moral e espiritual de todo o cristão.
No final de tudo, entretanto, todas essas facções e grupos desaparecerão; tornar-se-ão fúteis. Os cristãos verdadeiros, espalhados por todas as igrejas, sairão de suas instituições formais corrompidas, aceitando o verdadeiro evangelho e recusando-se a seguir outra coisa que não a Palavra de Deus. Então, todos estes estarão juntos e juntos sofrerão a perseguição daqueles que preferirão a falsa religião e seu prazeres. Neste período da história, ficará claro que a Igreja de Cristo transcende paredes e que o verdadeiro cristão é aquele que "guarda os mandamentos de Deus e a fé em Jesus" (Ap. 12:17 e 14:12).
Considerações Finais
Como já dito, o intuito desse post não foi provar que a ICAR não é a Igreja verdadeira, mas apenas fazer uma crítica de alguns argumentos frágeis que são comumente usados por católicos em debates contra protestantes. Nos debates que já travei, invariavelmente a argumentação católica se resumiu à seguinte linha de raciocínio:
(1) A ICAR é a única que sabe interpretar as Escrituras Sagradas;
(2) Logo, a interpretação da ICAR sobre a instituição dela mesma por Jesus em Mateus 16 está correta;
(3) Logo, a ICAR existia antes do Novo Testamento ser escrito;
(4) Logo, a tradição da ICAR gerou o Novo Testamento;
(5) Logo, a tradição da ICAR é tão importante quanto a Bíblia e não a contradiz;
(6) Logo, a tradição da ICAR pode ser usada, juntamente com a Bíblia para provar que a ICAR é verdadeira.
Percebe o raciocínio circular? Pois é, a argumentação dos católicos com os quais já debati sempre se baseou nesse tipo de raciocínio. Que fique claro que isso não é uma generalização. Não estou dizendo que todos os católicos argumentam assim. Refiro-me apenas aos que já debati (e alguns que já vi debatendo por aí). E enfatizo que não eram católicos ignorantes em teologia, apologética e história da própria instituição deles. Mas cometiam esses erros. Ora, assim como argumentos católicos ruins me incomodam bastante, argumentos protestantes ruins também me deixam irritado. Quando vejo um protestante acusando os católicos de crerem que o Papa não peca, fico para morrer. Não é isso que diz o dogma da infalibilidade papal. É preciso conhecer o que se critica. A minha intenção, portanto, é sempre tornar o debate mais rico.
Como um debate entre católicos e protestantes deveria ser? Quero terminar o post falando sobre isso. A questão principal a ser discutida é: a ICAR foi realmente instituída por Jesus? Para responder a essa questão é preciso:
(1) fazer uma análise do texto de Mateus 16 (a principal passagem bíblica usada por católicos para sustentar sua cosmovisão), avaliando e confrontando todas as suas interpretações possíveis;
(2) fazer uma análise histórica profunda para saber se há textos do primeiro século que comprovem a posição soberana do bispo de Roma e a sucessão papal a partir de Pedro;
(3) avaliar, perante uma análise interpretativa séria, lógica e acurada da Bíblia, se as doutrinas e a tradição católicas estão de acordo com as Escrituras Sagradas.
Esses são os três pontos básicos. O que se espera é que, tendo a ICAR sido fundada por Jesus Cristo, essas três análises podem ser feitas e suas respostas demonstrarão, inquestionavelmente, a veracidade da teologia e cosmovisão católicas. Do contrário, segue-se que a cosmovisão protestante está correta. Os debates que se pautarem nesses três pontos serão, sem dúvida, muito construtivos e enriquecedores. Deixo aqui o meu pedido, à protestantes e católicos, que invistam nesse nível alto de discussão.
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