quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A crença no homem: uma análise crítica

O presente texto pretende fazer uma breve análise crítica sobre a chamada crença no homem. Não estou falando, obviamente, da crença na existência do homem (o que seria absurdo criticar), mas na crença de que o ser humano é um ser superior, bom por natureza e capaz de vencer todos os obstáculos para a transformação do mundo em um paraíso. Esta fé é a base para a existência da doutrina humanista e, consequentemente, da doutrina esquerdista.

Mas será que realmente podemos confiar nesse “bom homem” humanista? Seria o homem um ser tão bom, superior, racional e capaz a ponto de conseguir resolver todos os problemas do mundo e criar uma sociedade inteiramente nova, pacífica, harmoniosa e igualitária? Podemos confiar na humanidade como se ela fosse um Deus onipotente e amoroso? Aliás, é sensato cultuar a humanidade, como fazem os humanistas? Bem, este é o tema dessa análise.

Rousseau e o bom selvagem

Iniciar a discussão com Rousseau é essencial. Nascido em 1712, em Genebra, na Suíça, Jean Jacques Rousseau foi o principal filósofo a sistematizar a doutrina de que a maldade não está na natureza humana, mas na sociedade. Em suas obras O Contrato Social e Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, o filósofo procura expor uma visão do homem como um ser que não vivia em sociedade no princípio.

Para Rousseau, os primeiros humanos não criavam vínculos duradouros uns com os outros, eram independentes, viviam isoladamente e seus raros encontros e interações não envolviam mais do que o essencial. Os primeiros humanos eram selvagens, mas no melhor sentido da palavra. Conheciam somente os instintos naturais de sobrevivência e piedade a indivíduos da própria espécie. Não haviam desenvolvido idiomas, tampouco escrita. Não tinham moradas fixas, nem faziam construções, mas viviam como nômades solitários, dormindo onde lhe dessem na telha.

Nesse estado de coisas, nenhum homem conhecia a maldade. Rousseau entende a maldade como um componente que só poderia surgir em uma sociedade. Vivendo na solidão, o homem não tinha como cobiçar postos, não havia hierarquia. Não tinha como guardar rancor ou como cobiçar a mulher do outro. Não existia casamento ou família, aliás. Homens e mulheres simplesmente se encontravam ocasionalmente e saciavam seu desejo sexual, sem que houvesse qualquer vínculo que os unisse. O fruto de uma relação podia ser criado por uma mulher até que tivesse idade suficiente para viver por si só.

As regras sociais que conhecemos hoje, as noções que temos, aquilo que nos é normal, não faziam parte da vida dos primeiros humanos. Era um homem primitivo, que não conhecia o mal e que simplesmente vivia, solitária e pacificamente.

O problema todo teria se iniciado quando os homens, conforme se desenvolviam intelectualmente, foram descobrindo que viver em unidade era útil. Daí começaram a fazer as primeiras associações. Surgiu à língua, o comércio, as funções, a reflexão sobre o que pensavam os outros homens e temores. O homem foi criando vínculos que antes não tinha, o nomadismo foi diminuindo, começou a se construir as primeiras cabanas, surgiram as primeiras famílias e, assim, os primeiros tipos de propriedade.

O homem aprendeu sentimentos novos como o amor conjugal, o amor fraternal e a ideia de meu e seu. Minha esposa, meus filhos, meu trabalho, minha casa. “O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer ‘isto é meu’, e encontrou pessoas bastante simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil”, diz o filósofo, na segunda parte de seu Discurso.

Deriva daí a ambição por mais propriedades (ou o que o valha), a importância que se dá à honra e ao status, as paixões eróticas, o ciúme, a cobiça, o rancor e, a partir de então, todos os demais males que conhecemos. Assim, para Rousseau, a essência do homem seria boa, mas o tipo de sociedade que se construiu acabou engendrando males, vícios e paixões, que são passados a cada homem, de geração em geração. Quer dizer, nós todos nascemos bons, mas somos corrompidos aos poucos pela sociedade, conforme crescemos.

Essa era a crença de Rousseau. Mas ele não se limitava a enxergar o ser humano como bom por natureza e fim de papo. Para o filósofo, o ser humano tinha a capacidade de mudar esse panorama cruel e desigual da sociedade. E a chave para a mudança era uma reforma política. Rousseau entendia que a concretização dos males ocorrera com a instauração de uma desigualdade política. O despotismo era o último e o pior estágio dessa desigualdade, onde um único homem mandava em todos os homens. Entretanto, qualquer tipo de desigualdade política era nocivo.

Bem, sendo o homem bom por natureza e racional, havia nele a possibilidade de escolher o bem ou o mal mais uma inclinação natural ao bem. No fim de seu Discurso, ele declara: “Basta-me ter provado que esse [estado de maldade] não é o estado original do homem, e que só o espírito da sociedade e da desigualdade que ela engendra modificam e alteram, assim, todas as nossas inclinações naturais”.

Ou seja, as inclinações naturais do homem, para Rousseau, eram boas. É com base nisso que o filósofo vai sustentar as teses da “não-representação” e da “vontade geral”. A não-representação era a idéia de que um povo só é realmente livre se seguir as leis que ele mesmo fez. Assim, o poder legislativo deve ser o próprio povo e não um corpo de representantes do povo.

Quando o povo pode fazer suas próprias leis, prevalece o interesse comum acima do interesse individual. Aqui surge o conceito de vontade geral. Para Rousseau, sendo o homem bom por natureza, inclinado ao bem e fazendo parte de um povo que pode fazer as próprias leis, emerge desse contexto uma vontade geral de todo o povo. Não se trata da vontade da maioria, mas a vontade de todos mesmo. O filósofo entende que não há dissensão na vontade geral, pois todos colocam de lado seus interesses pessoais, o que lhes possibilita chegar a um bem comum (indiscutivelmente bom para todos).

Esta é a resolução do problema, para Rousseau. Quando o homem chega a esse bem comum, derivado da vontade geral (possibilitado pela reforma política), maldades, vícios e desigualdades desaparecem. Afinal, o mal não está dentro do homem, mas sim dentro sociedade, o que significa que se mudarmos a sociedade, nós acabamos com o mal que nos assola.

O mal como problema social

Aqui começam nossas análises. O mal é um problema social ou natural? Vamos supor, primeiramente, que ele seja social, como propõe Rousseau. De fato, muito do que o filósofo apresenta faz sentido. O meio em que vivemos tem grande influência sobre o desenvolvimento de nosso caráter. Assim é possível sustentar que se a sociedade como um todo não estivesse infectada com o mal, ninguém seria mal.

Mas essa concepção apresenta dois grandes problemas. O primeiro: ela ignora as nossas inclinações naturais. Todo indivíduo já nasce com inclinações naturais. Isso não quer dizer que ele precisa segui-las, mas é sempre mais fácil que as siga. Por exemplo, há pessoas que já nascem com um gênio mais forte, sem que haja qualquer influência do meio externo. Ela fica irritada com facilidade, é impulsiva e tem dificuldade de medir as palavras. Já há outras pessoas que nascem com uma calma natural. Seu metabolismo é mais devagar, ela é mais reflexiva e dificilmente se irrita.

Isso não é verdadeiro apenas para modos de agir, mas para gostos e dons. Quem não conhece uma pessoa que já nasceu com facilidade de desenhar? Nunca fez curso e ninguém na família tem essa habilidade, mas a pessoa desenha maravilhosamente bem desde pequena. E quanto à preferência que cada criança tem a algum tipo específico de brinquedo? Eu e meu irmão do meio gostávamos de boneco quando éramos pequenos, mas meu irmão caçula só se interessa por carrinhos. Isso é algo natural nele. Ninguém ensinou ou influenciou meu irmão caçula a gostar de carrinhos.

As pessoas nascem com inclinações naturais. É certo que tais inclinações podem ser desenvolvidas ou não, a depender do meio social em que o indivíduo vive, bem como de suas escolhas. Da mesma forma, o meio social e nossas escolhas podem criar inclinações em nós que não existiam, transformando-nos em pessoas diferentes do que seríamos naturalmente.

A coisa não é diferente quando o assunto são os vícios, as paixões e o mal. Por exemplo, aquela criança de dois ou três anos que recebe um brinquedo (não há nada de mal em ganhar um) e que desenvolve um ciúme excessivo do mesmo sem que ninguém o ensine ou influencie nisso. Isso o leva, por conta própria, a não querer emprestar seu brinquedo para outra criança, a não deixar ninguém pegá-lo e até a dizer: “É meu!”.

Esse é um caso comum e que eu já vi muitas vezes. Quem ensinou a criança a ser egoísta? Quem ensinou a criança a ter ciúmes excessivos? Dizer que foram os pais é uma mentira. É justamente em casos como esse que os próprios pais se surpreendem com a atitude da criança e procuram ensiná-la a fazer diferente. Ora, se somos mesmo bons por natureza, nossa inclinação natural deveria ser a de dividir, bem como a de não nutrir ciúmes excessivos.

Ainda falamos de crianças, também é comum ver crianças pequenas querendo o que é da outra criança para si. As mesmas crianças desobedecem aos pais, mentem para conseguir o que querem e muitas vezes fazem pirraça. Como explicar que uma criança de dois anos de idade aprendeu tudo isso com os pais ou com a sociedade?

O que parece ficar claro é que já nascemos com inclinações a determinados erros e mais que isso, com uma inclinação a não ser perfeito. Isso não está contra a noção de que os males sociais existem. Não há dúvida que existem. Isso também não quer dizer que somos presos as nossas inclinações naturais. Pessoas geniosas podem controlar sua raiva e fazer disso um hábito. Mas o ponto é: as evidências parecem indicar que o mal não é apenas social.

Bem, existe um segundo problema no que diz respeito à visão do mal como um problema apenas social. Ainda que isso fosse verdade e que o homem fosse bom em sua natureza, isso não garante que o homem pode acabar com o mal no mundo e fundar um paraíso na terra. Perceba: todos nós já fomos corrompidos pelo mal social. Se, de fato, é a sociedade que nos corrompe, não há quem não tenha sido corrompido. Qualquer que nasce na sociedade, será um pouco corrompido.

A noção de corrupção social envolve todos e as perguntas que ficam são: Até que ponto eu fui corrompido? Até que ponto cada um foi? Existe volta? Há como cada pessoa se “descorromper” socialmente? E será que podemos ficar imunes à corrupção social? Será que uma vez corrompidos socialmente, é possível se livrar dessa corrupção e nunca mais ser influenciado por ela? E ainda: Será que é necessário se descorromper totalmente ou a sociedade pode se tornar boa mesmo com nossos “pequenos” erros?

Aqui vemos que a doutrina do mal como mero problema social é duplamente ingênua. O humanista não só precisa acreditar que o homem é bom e que o mal é social, como precisa acreditar que o homem, mesmo corrompido, é capaz de se descorromper e de não mais sofrer nenhuma influência social, mesmo vivendo em sociedade. Isso é bem ingênuo quando pensamos em termos de mundo, porém é orgulhoso quando pensamos em nosso próprio ser. Olhe para si mesmo, amigo leitor. Você, com todos os erros que tem, se considera bom o suficiente para formar um mundo perfeito? Corrompido como você é, será que o mundo poderia ser perfeito se todos fossem como você? Será que as diversas situações e contextos do mundo não fariam de muitos que tem o seu caráter, ladrões, exploradores, genocidas, sádicos, estupradores e ditadores?

Em outras palavras, como pessoas que foram corrompidas socialmente, mesmo que o mal não seja natural, não dá para saber se podemos fazer um mundo perfeito. Não nos conhecemos a nós mesmos o suficiente. Como depositar confiança na humanidade inteira, então? A verdade é que as evidências parecem estar contra a descorrupção social da humanidade também. Afinal, todos os exemplos de projetos políticos que intentaram fazer isso na história, fracassaram. O resultado vem sendo sempre genocídios, opressão, ditadura e um fim bem diferente do que os idealizadores gostariam.
Então, vemos aqui que encarar o mal como um problema meramente social e o ser humano como naturalmente bom, apresenta grandes problemas, porque não leva em conta as evidências das inclinações naturais humanas e porque acredita que o homem, mesmo corrompido, pode formar um mundo perfeito (um contra-senso). Ao que parece, o homem já tem uma inclinação ao mal e, por isso, o problema não é só social.

O mal como problema natural

- A visão darwinista:

O mal como problema natural não é muito bem visto pelos acadêmicos. Por uma razão simples: a maioria dos acadêmicos tem tendências humanistas. Desde o advento da Revolução Francesa, tornou-se feio no meio acadêmico afirmar que o homem é mal por natureza, pois isso parece remeter à religião tradicional. Foi a religião tradicional (o judaísmo, o cristianismo e o islamismo) que sempre entendeu o mal dessa forma. Como a Revolução Francesa pretendia minar a religião tradicional e procurar fazer um mundo perfeito através da crença no homem, a herança que recebemos foi a de que o mal como problema natural não passa de uma mentira religiosa.

Felizmente (ou, infelizmente, para os humanistas), o mal como problema natural não necessariamente precisa estar ligado à religião. E creio ser esse o maior trunfo dos conservadores modernos. Conforme aponta o filósofo ateu John Gray, em seus livros Cachorros de Palha e A Missa Negra, o darwinismo não oferece ao humanista uma boa base para crer que o homem é naturalmente bom. Pelo contrário, é por meio da teoria da evolução das espécies que todos nós podemos ter a plena certeza de que o mal é natural e não dá para mudar isso. Explico.

O darwinismo não entende o ser humano como um ser diferente dos animais. Ele apresenta razão, ok, porém não deixa de ser um animal como os outros. Então, existem algumas coisas básicas inerentes aos animais que também são inerentes ao homem, tais como o instinto de luta pela sobrevivência, o territorialismo, o gregarismo, a busca pelo poder no bando, o predadorismo e etc. Trata-se de características naturais e que, quando somadas à razão, tornam-se ainda mais fortes.

Ora, são dessas características que surge o egoísmo, o egocentrismo, a noção de que algumas mentiras podem nos levar a alcançar algo que queremos, o desejo de ser o líder de um “bando”, a concepção de status, a inveja, a idéia de “meu” e “seu”, o ciúme excessivo, o rancor, a necessidade da luta e etc.

Thomas Hobbes, um filósofo e escritor monarquista do século XVII, parecia já ter essa idéia em mente antes de Darwin formular a teoria da evolução. Ele afirmava que o homem, em seu estado natural, estava sempre em conflito. Tais conflitos eram gerados pela competição, pela desconfiança e pela glória. O ser humano compete porque muitas vezes deseja aquilo que é de outrem e que não pode ser desfrutado por ambos; desconfia porque teme pela sua vida (instinto de auto-preservação); busca a glória porque é um ser que naturalmente se julga maior que o outro, querendo esse status.

O que Hobbes descreve aqui nada mais é do que o homem como um animal. É essa a descrição que se espera de um animal racional. Ele preserva elementos naturais que foram responsáveis pela seleção natural de sua espécie, mas por ser racional, tem a condição de usar essas características de maneira pensada. O homem é pior do que os outros animais justamente por racional. É isso lhe permite maquinar o mal contra a sua própria espécie e usar seus instintos para alcançar o que seus instintos não alcançariam naturalmente se não houvesse razão.

É claro que essa descrição incômoda do homem não é uma desculpa para que nós ajamos como pessoas más. Se, por um lado, a razão nos torna capaz de sermos piores, por outro lado, nós temos um senso moral. E é esse senso moral que precisa ser exercitado por cada indivíduo. Isso é possível, pois existem pessoas que são muito boas e justas. Mas a verdade é que como animais, nós temos características naturais que não são boas ou, no mínimo, que nos levam com facilidade a cometer erros. São inclinações que tornam o jargão “ninguém é perfeito” muito verdadeiro.

A idéia de que a evolução nos faz evoluir moralmente também é uma tolice sem tamanho. A história não só nos mostra o oposto, como também a lógica. Afinal, a moral não é uma questão de instinto natural ou genética, mas de conduta pessoal. Ou seja, ser moral ou não, depende de escolhas individuais. Eu é que decido se cometerei um erro ou não. Assim, a evolução das espécies nada tem a ver com a moral. Minha moral só vai evoluir se eu quiser que ela evolua. Ainda assim, eu não serei perfeito. Ainda assim, eu terei inclinações naturais a erros às quais não poderei anular. A vida humana é uma luta eterna contra suas inclinações e, por isso, o ser humano não é confiável.

- A visão criacionista:


Bem, vimos que o darwinismo é uma evidência favorável ao mal como problema natural do ser humano. Agora, creio que nós podemos verificar a concepção da religião tradicional sobre esse tema. A idéia de que o ser humano tem a natureza corrompida é uma das principais bases da religião tradicional. É na Bíblia judaico-cristã, por exemplo, que podemos observar afirmações contundentes como: “Maldito o homem que confia no homem” (Jeremias 17:5) e “Não há justo, um só sequer” (Romanos 3:10). O apóstolo Paulo chega a ser cético quanto a sua própria conduta natural, dizendo:
Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro e sim o que detesto. (...) Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer bem está em mim; não, porém, o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço. (...) Então, ao querer fazer o bem encontro a lei de que o mal reside em mim (Romanos 7:15, 18, 19 e 21).
Em Salmos 146:3-4, o rei Davi deixa claro como que deve ser a nossa conduta no que diz respeito à confiança em homens importantes:
Não confiem em príncipes, nem nos filhos dos homens, em quem não existe salvação. Sai-lhes o espírito e eles retornam ao pó [morrem]. Nesse mesmo dia, perecem todos os seus desígnios.
Em suma, para a Bíblia, o ser humano é um mero mortal, naturalmente inclinado ao erro e incapaz de levar salvação ao mundo. Ele não pode mudar sua natureza e é por isso que mesmo existindo muitas pessoas relativamente boas e justas, não nos é possível fazer o mundo inteiro ser bom. A humanidade simplesmente é incapaz disso.

A explicação religiosa para essa contingência está na queda dos primeiros seres humanos. Deus os havia criado naturalmente bons; inclinados ao bem. E todo o mundo era harmônico e perfeito. Mas a partir do momento em que eles cometeram o primeiro erro, sua natureza e o mundo começaram a se modificar rapidamente. Surgiu o instinto de sobrevivência em um mundo que não era mais harmônico, o temor da morte, a raiva, a angústia, a falta de paciência, o egocentrismo, o egoísmo e o orgulho. Os instintos e temores novos que surgiam, bem como a hostilidade que aumentava no mundo, faziam com que a humanidade se inclinasse mais e mais aos pecados.

A queda também gerou diferenças naturais nos seres humanos. Homens são mais fortes que mulheres; alguns homens são mais fortes que outros homens; alguns são mais inteligentes. Essas diferenças geraram diferenças de resultados na vida de cada um, o que converteu a auto preservação em um amor excessivo por si mesmo, despertando o desejo de querer o que é do outro, de querer ter sempre mais e de se sentir ameaçado por quem pode querer o que é seu. Os erros se instalaram em nossa natureza.

Uma cadeia lógica de eventos pode explicar bem todo o processo de degradação no mundo e na natureza das espécies. Se no começo tínhamos um mundo harmonioso, as vidas microbióticas existentes neste mundo não representavam um perigo para o homem ou mesmo para os animais em função do forte sistema imunológico de ambos e pelas funções não nocivas que foram dadas a esses micróbios.

A decomposição de matéria orgânica não digerida pelo homem e pelos animais, o auxílio na digestão em algumas espécies e a associação com vegetais são algumas das funções destes micróbios primitivos que ao serem absorvidos por qualquer espécie, não apresentando serventia, são simplesmente expelidos do organismo, sem causar danos a nenhuma das duas espécies. Não há nada que afete o equilíbrio nesse mundo. Cada ser coopera de alguma forma com o ecossistema em constante e perfeito mutualismo.

Não há necessidade de instinto de sobrevivência, não há temor de se perder a vida, não há territorialismo, não há luta. Tanto homem como animal, não se alimentam de carne, mas de frutas, vegetais, cereais, tendo estes os nutrientes essenciais para a sustentação da vida. Uma nutrição que não dá espaço para desgastes, disfunções e câncer. Além disso, o derramamento de sangue é inexistente, não há morte e o espaço terrestre é gigantesco, dando possibilidade a uma extensa procriação.

Mas, no momento em que os primeiros homens cometem o primeiro erro, surge uma leva de sentimentos novos que começam a destruir a harmonia. O pecado pesa na consciência. Surge a tristeza, o remorso e a insegurança. Isso abala o psicológico do ser humano e diminui sua imunidade. Alguns microorganismos passaram a ser prejudiciais ao homem. A luta entre anticorpos e micróbios se torna desequilibrada. Em vez de expulsões sem danos, micróbios passam a deixar problemas no organismo humano e o nosso organismo por sua vez passa a ser um problema para alguns deles. Isso impele essas vidas microbióticas a desencadear um sistema de adaptabilidade. Os micróbios passaram a ficar cada vez mais fortes.

O corpo humano tentava desesperadamente retornar ao seu estado original, mas o psicológico do homem estava muito abalado. Havia estresse. Havia baixa auto-estima. Havia agora problemas causados pela mente. A falta de paciência é um sintoma direto disso, bem como a agressividade. Com mente e corpo abalados, a situação do homem só piora no que diz respeito às suas inclinações naturais.

Os micróbios que desencadeiam os seus primeiros processos de adaptabilidade tornam-se um problema também para os animais. Alguns passam a ficar estressados e se tornar mais agressivos. Disputas começaram a ocorrer e a natureza foi se transformando em um campo de batalha onde somente os melhores adaptados poderiam sobreviver.

O corpo enfraquecido requer uma dieta diferente para muitos. A modificação do instinto natural e as novas necessidades alimentares posteriormente gerariam uma classe de animais carnívoros. Estes também se adaptam ao longo dos tempos, conquistando dentes e garras mais afiadas, além de técnicas próprias para a caça. E, desse modo, cada espécie, animal e ser vivo passa a desenvolver formas diferentes de sobrevivência em um mundo cada vez mais hostil.

Esta visão de mundo está de acordo com a chamada “lei da entropia”, uma lei da física que afirma que o sistema tende a se desordenar. Isso ocorre porque vivemos em um sistema interligado. Uma vez que não exista total harmonia nesse sistema, uma coisa tende a desordenar a outra. É como efeito dominó. Empurre o primeiro dominó de uma série de peças e todas elas começarão a cair, uma derrubando a outra. A diferença entre o dominó e o nosso sistema é que os organismos que compõem o sistema respondem incessantemente a essa tendência à desordem, criando mecanismos de adaptação.

Em suma, a religião tradicional não vê o homem como naturalmente bom, pois a sua natureza humana foi corrompida, o sistema todo se desordenou e desde então nós somos apenas seres inclinados ao que é errado. Podemos e devemos tentar não cometer erros, tentar sermos os mais justos possíveis e procurar nos guiar pela moral, mas não é possível alcançar a perfeição individual e é uma idiotice acreditar que o mundo inteiro alcançará essa perfeição. O paraíso não pode ser alcançado enquanto a natureza do ser humano não for modificada. E isso só ocorrerá após essa vida terrena.

A imbecilidade e a periculosidade da crença humanista

Bem, nós vimos que o mal como problema meramente social não se sustenta. O mal no mundo tem sim uma dimensão social, mas o ser humano nasce com inclinações naturais ao erro. Tanto se aceitarmos a teoria darwinista como se aceitarmos a idéia de queda do ser humano descrita na Bíblia, a conclusão é a mesma. Para quem não deseja aceitar nem uma teoria nem outra, as evidências históricas bastam. A maldade que tem havido na humanidade desde os tempos mais remotos indicam que o problema não pode ser meramente social. Os pequenos erros que cometemos e as inclinações que podemos ver já em crianças indicam que já trazemos uma espécie de “pecado” em nós.

Mas ainda que o mal fosse só social, mais uma vez a crença dos humanistas no homem não se sustentaria. O fato do mal ser social não nos dá a certeza de que podemos vencer esse mal, pois em maior ou menor grau, todos já foram corrompidos socialmente e não estão imunes ao problema. Montesquieu, que não acreditava no mal natural, sabia que o homem não se tornava imune ao erro só por este ser social. É dele a frase: “Todo o homem que tem poder é levado a abusar dele; vai até encontrar limites”.

Em outras palavras, Montesquieu podia até não concordar que o ser humano era mal por natureza, mas sabia muito bem que não havia volta para a humanidade. Foi isso que o levou a criticar veementemente o poder despótico e a pensar que a tripartição do poder político (em legislativo, executivo e judiciário) era essencial para evitar que um número pequeno de pessoas explorasse o povo inteiro. Montesquieu entendia a questão da luta: acreditava que a limitação e a tensão entre os poderes criavam a moderação. Ele não depositava muita confiança no homem.

Aqui fica comprovada a imbecilidade da crença humanista. O humanista acredita com todas as suas forças no ser humano. O mal é reflexo de uma sociedade corrompida, que tem passado valores errôneos adiante. Mas o homem é plenamente capaz de vencer o mal, de mudar o mundo e de fazer um paraíso na terra. Não é ridículo? Mas o pior não é a imbecilidade da crença, mas a sua periculosidade.

A crença humanista é responsável por pelo menos 150 milhões de mortes só no século XX. Como? É simples. Acompanhe o raciocínio. Se o homem tem a capacidade de mudar o mundo e torná-lo um paraíso, por que não o faz? Bem, é porque existe algo que está impedindo essa mudança. E o que seria? Para Rousseau o problema estava na desigualdade política. Ela impedia que se colocasse em prática a vontade geral (ou algo próximo a isso). Mas as idéias de Rousseau eram muito vagas. Então, veio Karl Marx e revolucionou o pensamento humanista e esquerdista. Em vez de apontar a desigualdade política como a culpada, Marx raciocinou que essa desigualdade era apenas resultado da luta de classes.

Para Marx e seu amigo Engels, essas lutas ocorrem desde o início da sociedade entre “homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre e companheiros, numa palavra, opressores e oprimidos”. E agora essas lutas estariam alcançando o seu apogeu com a burguesia e o proletariado.

Perceba como o marxismo está fortemente baseado no humanismo. O marxismo entende que o capitalismo torna a sociedade desigual porque a burguesia toma conta dos meios de produção e suga todo o lucro do trabalho do proletariado, que é formado pela maior parte da população. Assim, a riqueza da maioria depende da miséria da maioria, criando assim a exploração, a ganância e todos os males que nos assolam.

Em outras palavras, a sociedade deixará de ser má quando o proletariado destruir a burguesia. Não havendo mais antagonismos de classes, não haverá luta e não havendo luta, a sociedade será igualitária e pacífica (o céu na terra). É por ter tanta fé no homem que Marx e Engels não viam problema algum na tal “ditadura do proletariado”. Essa era a ditadura que ocorreria entre o capitalismo e a consolidação do comunismo em todo o mundo, até que a burguesia fosse derrubada, os problemas sociais fossem resolvidos e o próprio Estado se tornasse desnecessário. É preciso muita fé no homem para crer nisso...

Bem, já vimos postagem Os principais erros de Marx que a idéia de burguesia como o câncer do mundo é um engodo. O que Marx faz aqui é adotar a fé no homem naturalmente bom e plenamente capaz e tentar justificar essa fé, colocando a culpa na burguesia. Mas e se tal crença estivesse correta? Bem, se Karl Marx e Friedrich Engels estivessem certos, o comunismo seguiria exatamente o caminho que eles traçaram. De fato, se o homem é bom e capaz e o problema está na burguesia, a ditadura do proletariado com certeza iria dar jeito em tudo, não é?


Mas o que foi que ocorreu no século XX, quando os primeiros países começam a implementar o socialismo marxista em sua política? Uhn... Opressão, autoritarismo, um forte controle dos meios de comunicação, produtos de má qualidade, pobreza para todos (menos para os ditadores, claro), incapacidade de se levar bem a economia, repressão a idéias dissidentes e, claro, genocídios. Era onde eu queria chegar...

Os genocídios não são coisa repugnante para os esquerdistas (todo o esquerdista é humanista e vice versa). Afinal, se há um bem maior para se conquistar, matar quem está atrapalhando (ou quem parece estar atrapalhando) é justo. Os jacobinos, partido de esquerda da Revolução Ultra-humanista Francesa, foram os primeiros a entender bem essa mentalidade maquiavélica. No período que ficou conhecido como Terror Jacobino (1793-1794), os líderes jacobinos prenderam os deputados de oposição, acabaram com a política democrática recém formada e iniciaram uma forte repressão a qualquer que se opusesse às suas idéias, o que levou à morte de algo entre 20 e 50 mil pessoas. Isso tudo em nome de um bem maior. Isso tudo em pouco mais de um ano...

É nesse espírito que os ditadores comunistas do século XX governam os seus países. Lênin, da URSS, mata cerca de 1 milhão de pessoas. Pol Pot, do Camboja, leva à morte cerca de 2 milhões. Stálin, também da URSS, mata cerca de 20 milhões. Mao Tsé Tung, da China, mata cerca de 70 milhões de pessoas. Há também 2 milhões de morte na Coréia do Norte e 150 mil almas levadas na América Latina. E eu não citei tudo. A estimativa média é de que o comunismo tenha levado à morte algo em torno de 100 milhões de pessoas. Bem, era de se esperar, já que todos os países comunistas tiveram regimes ditatoriais e repressivos.

Mas nem só de comunismos se faz um século genocida. Adolf Hitler levou à morte mais ou menos 40 milhões de pessoas. E Benedito Mussolini, o Duce, matou algo em torno de 440 mil, a maioria empurrando para a guerra. Porém, perceba como que os ditadores fascistas compartilhavam exatamente das mesmas idéias básicas dos ditadores comunistas: o ser humano tem a capacidade de mudar o mundo. Ele pode resolver todos os problemas porque não é em sua natureza que reside o mal, mas na sociedade.

Daí é que surge a noção de que uma ditadura não será algo ruim. Um Estado totalitário é uma fórmula infalível para pôr em prática a nova sociedade, para regular a economia, para elevar um determinado grupo (o comunismo queria elevar os proletários de todo o mundo, enquanto que o nazismo queria elevar o homem ariano e o fascismo italiano queria elevar o homem italiano), para tirar obstáculos do caminho, para chegar a um suposto “bem comum”, para tornar o homem menos individualista e, por fim, para criar o paraíso. Todos eles tirando a culpa de si mesmo e pondo a culpa em um grupo, como a burguesia, o conservador, o judeu, o negro ou qualquer outro bode expiatório da humanidade inteira.

Vimos isso na postagem sobre a religião política. O que define religião política é justamente essa crença utópica na bondade e na capacidade do homem. O pilar da fé do religioso político não é Deus, mas o ser humano. E o seu Messias é o revolucionário que usará os poderes do Santo Estado para fazer vir o reino de paz. Hitler, Stálin, Lenin, Mao Tsé Tung, Fidel Castro, Che Guevara. Todos eles, Cristos da religião política. As diferenças existentes entre as ideologias desses Cristos são detalhes secundários, assim como as diferenças entre as diversas vertentes da religião tradicional também o são.

O básico da religião tradicional é: Há um Deus criador onipotente; há santos profetas e Messias. Há o Espírito Santo do Criador. Há um paraíso prometido para os bons. Há os bons e há os maus. Há o Diabo. Há a condenação para os maus.

O básico da religião política é: Há o Ser humano, naturalmente bom e capaz; há santos revolucionários e um líder Messias. Há o Santo Estado do Messias. Há um paraíso que será formado aqui nessa terra por esse líder, seus santos revolucionários e seus discípulos. Há os bons (quem está do lado do líder) e os maus (quem não está do lado do líder). Há um grupo de pessoas que estão impedindo a formação do novo mundo. Há a repressão desses para o bem de todos os “bons”.

Todo o projeto que se pauta no humanismo segue essa mesma linha de redenção mundial através da capacidade do ser humano. E é isso que a esquerda continua a pregar incessantemente até hoje. Por mais que os discursos tenham se tornado mais diluídos e, aparentemente, menos radicais, a religião política continua a mesma. O obamismo que o diga: “Yes, We Can do it” (“Sim, nós podemos fazer isso”).

A estatolatria, os mirabolantes projetos globais e o culto à personalidade são as marcas registradas dessa crença esquerdista no homem que continua a engambelar os indivíduos com a utopia do mundo melhor. E onde isso vai parar? O filósofo e articulista Olavo de Carvalho fala com muita propriedade sobre isso, no vídeo denominado Fujam do Mundo Melhor:


Em suma, a crença no homem não só é imbecil e contrária as evidências, como é perigosa. Se muitos homens, ao longo do tempo, usaram a religião tradicional para fazer o que queriam, com muito mais intensidade usaram a religião política para escravizar as pessoas. Afora isso, um religioso tradicional está errado diante de Deus e de sua própria religião ao cometer atrocidades. A Bíblia nos manda amar ao próximo, não matar, não roubar, não fazer o mal. Porém, um religioso político é livre para fazer qualquer coisa ruim. Afinal, seus atos são justificados pelo bem maior que ele acredita estar fazendo para a humanidade. Vide Che Guevara, um assassino frio. No entanto, sua imagem é venerada e muitos jovens se sentem inspirados pelo “revolucionário”.



Ironicamente, os religiosos políticos atacam os religiosos tradicionais por suas crenças “cegas” e “perigosas”. Acreditam que o mundo estaria melhor sem a existência da religião tradicional. Veja só quanta tolice! Em primeiro lugar, se todos os religiosos tradicionais seguissem realmente a religião tradicional, tudo estaria resolvido. A religião tradicional prega o amor. Então, o problema é justamente a religião não ser seguida da forma como está escrita. Acabar com a religião não é o caminho. O caminho é tornar os religiosos mais praticantes daquilo que prega a sua religião.



Em segundo lugar, se de fato as crenças da religião tradicional são falsas elas não são tão cegas quanto às crenças humanistas. O religioso político crê que o homem é bom, que pode mudar o mundo, que pode fazer um paraíso na terra, que a ditadura do proletariado é uma coisa positiva, que o Estado deve intervir fortemente na vida dos cidadãos, que os genocídios esquerdistas são justificados pelo bem da causa, que o Estado deve acumular inúmeros serviços e funções (o que aumenta os impostos e torna a administração quase impossível – e os desvios de verba, mais freqüentes), que a culpa de tudo é de uma classe de pessoas e etc. São ou não são crenças cegas?



Bem, esta é a crença no homem. Creio que não há mais nada para falar. Tentei mostrar nesse texto que tal crença é infundada, está contra todas as evidências e, ainda por cima, é uma crença perigosa, que anda de mãos dadas com genocídios. Foi um texto breve, pois cada um dos pontos apresentados aqui poderiam ser bem mais detalhados e explicados. Mesmo assim, acredito ter deixado bem claro que as crenças humanistas são dignas de deboche e ridicularização. 



Gostaria de terminar com um apelo: se o leitor é um conservador ou religioso tradicional como eu, não deixe que um humanista (ou esquerdista, dá no mesmo) fique empurrando essas crenças imbecis pra cima de você. Encha-o de questionamentos. Peça para que ele prove cada uma dessas crenças. Não é ele que se julga o dono da razão? A obrigação dele, portanto, será provar ser o dono da razão. Ou melhor, tentar... Porque no final, você vai perceber que ele é mil vezes mais crente do que você.

3 comentários:

Caro leitor,
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