segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Sobre os Milagres

Certo blogueiro cujas postagens eu admiro expôs em seu blog uma vez o motivo pelo qual deixara de ser cristão. Segundo ele, a razão era a sua dificuldade de acreditar em milagres como, por exemplo, a ressurreição de Jesus. Sua descrença não o transformou em um militante contra o cristianismo ou o teísmo, mas impossibilitou que ele continuasse a ser um apologista cristão.

Foi por lembrar esse fato que achei importante dedicar uma postagem à questão dos milagres. De fato, embora os argumentos expostos até aqui tornem a crença em Deus muito racional e plausível, é complicado para uma pessoa acostumada a negar o sobrenatural, aceitar, de uma hora para outra, a existência de milagres. Os questionamentos dessas pessoas são mais ou menos os seguintes:

“Como pode ser possível que alguns eventos (milagres) quebrem as leis da natureza? Como podemos acreditar em algo que a ciência não pode explicar? Crer em milagres não é contra-rio à lógica, à razão e a ciência? Se realmente eles são possíveis, podemos dizer que eles são prováveis? Qual a probabilidade de milagres acontecerem? Por que milagres não ocorrem com mais freqüência? Por que a maioria das pessoas não vê milagres?”.

Oferecer respostas a essas perguntas é um trabalho que não pode ser negligenciado. Se há pessoas como o blogueiro que citei, que perderam sua fé por causa desse tipo de questionamento, nós devemos estar atentos a elas e respondê-las do melhor modo possível. É o que pretendo fazer nesse capítulo.

Sobre as Leis da Natureza

O que são “leis da natureza”? Esta é a primeira pergunta que qualquer pessoa deve fazer antes de discutir se os milagres podem ou não quebrá-las. A compreensão geral do termo parece ser a seguinte: “As leis da natureza são fenômenos naturais fixos, isto é, fenômenos que ocorrem com uma constância determinada, que são parte inerente da ordem no mundo e que não podem mudar”. Um exemplo de lei da natureza seria a força da gravidade que existe em nosso planeta. Em função dela, todas as coisas são puxadas constantemente para o centro da terra.

Bem, é justamente a partir desse entendimento sobre leis da natureza que os naturalistas chegam à conclusão de que não é possível existir milagres. Por exemplo, sabemos que um homem que se ponha de pé em cima das águas, afundará, porque as leis da natureza não permitem que alguém se firme em pé sobre algo em estado líquido. Então, quando o Novo Testamento vem e diz que Jesus andou por sobre as águas, a idéia é que ele quebrou as leis da natureza. Mas se as leis são fixas, então a história de que Jesus as quebrou é falsa. Esse é o pensamento naturalista.

Agora, se o leitor me permite um pouco de ceticismo, eu devo afirmar que este pensamento é tão ingênuo que chega a ser risível. Uma análise um pouco mais cuidadosa da situação, mostra que se, de fato, Cristo andou por sobre as águas, não houve absolutamente nenhuma quebra das leis da natureza. As coisas ficam mais claras através de uma analogia. Vamos supor que eu lance uma maçã do quinto andar do meu prédio, em linha reta, na direção do chão da calçada. Qual é a previsão que temos? É a de que a maça cairá no chão, não é verdade? E por que nós prevemos isso? Porque existe uma lei da natureza chamada força da gravidade, que puxa as coisas para baixo. Então, se jogo a maçã do quinto andar, em linha reta, na direção do chão, a previsão é de que ela caia no chão.

Contudo, imagine que eu jogue a maçã em linha reta, ela desça na direção do chão, mas no momento em que ela passa em frente ao apartamento do segundo andar, alguém coloca a mão pela janela e a segura. Oh! O que aconteceu?! A maçã não caiu no chão como nós havíamos previsto. Podemos dizer então que a lei da gravidade foi quebrada? É claro que não. O que ocorreu foi uma quebra da previsão. Nós prevíamos que a maçã iria cair no chão porque tínhamos em mente apenas dois fatos: a lei da gravidade e a queda em linha reta da maçã. Se realmente apenas esses dois fatos ocorressem na situação, nossa previsão não seria quebrada. Porém, um terceiro fato, inteiramente novo, surgiu e modificou o resultado que esperávamos: a mão de alguém interceptou a queda da maçã.

C. S. Lewis, em sua obra intitulada Milagres, apresenta uma analogia ainda melhor. Ele diz o seguinte:

Se coloco seis centavos em uma gaveta na segunda-feira e mais seis na terça, a lei determina que (...) vou encontrar ali 12 centavos na quarta-feira. Se a gaveta, porém, for arrombada é possível que eu encontre apenas dois centavos. Algo terá sofrido alteração (...), mas as leis da aritmética não se alterarão. A nova situação criada pelo ladrão demonstrará tão bem as leis da aritmética quanto a situação original [1].
O leitor percebe? Não houve quebra da lei da gravidade na situação da maçã, tal como não houve quebra das leis da matemática (aritmética) na situação do dinheiro na gaveta. A soma de seis mais seis continuou sendo doze e a gravidade continuou puxando as coisas para o centro da terra. O que mudou foi a previsão que fizemos, justamente porque um fato novo, com o qual não contávamos, interferiu na situação.

Portanto, se realmente milagres existem, é idiotice dizer que eles quebram as leis da natureza. O que eles quebram são as nossas previsões. “O milagre”, completa C. S. Lewis, “introduz um fator novo à situação: a força sobrenatural, com a qual o cientista não contava” [2]. Foi o que ocorreu no caso de Jesus. A previsão era de que um homem não poderia andar por sobre a água, pois eram considerados fatores como a lei da gravidade, a densidade que tinha um homem de pé e o estado físico do local em que estava pisando. Com apenas esses fatores em jogo, não haveria como um homem andar sobre a água. Mas com mais o fator sobrenatural, o resultado foi diferente.

É importante ressaltar ainda que é justamente por causa das leis da natureza que os milagres podem existir. Se não existissem leis naturais que determinassem que um homem não pode pisar na água sem afundar, não poderíamos dizer que Jesus operou um milagre. Da mesma forma, a existência de leis naturais assegura que milagres podem ocorrer se o elemento sobrenatural estiver operando. Porque não faz sentido que a situação natural por si mesma e a situação natural somada ao sobrenatural, produzam apenas o mesmo resultado. Se um elemento novo é posto na situação, o resultado não poderá ser o mesmo. Assim como nossa maçã, que acabou não caindo no chão por conta da mão que interceptou sua queda.

Os Milagres e a Ciência

Muito bem, nós já sabemos que os milagres, se existem, não quebram as leis da natureza. Contudo, isso não muda muito a situação para o naturalista. A natureza pode não ter as suas leis quebradas pelo elemento sobrenatural, porém o curso natural de seus eventos é alterado. E o maior problema disso, para o naturalista, é que o sobrenatural não poderá ser explicado através do natural. Por exemplo, se eu digo que Cristo andou por sobre as águas por que havia ali um elemento sobrenatural chamado fé, o naturalista questionará: “Como isso se dá? A fé gera algum tipo de prancha para que a pessoa flutue?”.

O naturalista sentirá uma terrível dificuldade de aceitar que haja qualquer tipo de interação entre a fé e a natureza. E isso ocorrerá porque o naturalista só consegue pensar no interior de sua perspectiva natural. Acontece que isso nem de longe prova que não seja possível haver tal interação. E se a interação entre a fé e a natureza é mesmo possível, é evidente que não poderemos entendê-la da perspectiva natural. Para citar outra vez o saudoso C. S. Lewis:

O comportamento dos peixes que estão sendo estudados em cativeiro torna o sistema relativamente fechado. Suponhamos, porém, que o tanque onde se encontram fosse abalado por uma bomba nas imediações do laboratório. O comportamento dos peixes não poderia mais ser explicado por aquilo que acontecia no tanque antes de a bomba cair, pois houve uma falha na interligação anterior. Todavia isso não significa que a bomba e a história anterior dos acontecimentos dentro da tanque estejam total e irremediavelmente desconectadas, e sim que, para encontrar a relação entre eles, será preciso voltar a uma realidade muito mais ampla, que inclui tanto o tanque quanto a bomba – a realidade da Inglaterra no tempo da guerra: as bombas estão caindo, mas alguns laboratórios continuam em atividade. Essa relação jamais seria encontrada na história do tanque. O milagre, da mesma forma, não se acha naturalmente associado na direção retroativa. Para descobrir como ele se acha interligado com a história anterior da natureza, é necessário substituir tanto esta quanto o milagre em um contexto mais amplo: tudo está ligado com tudo o mais. Nem todas as coisas, porém, estão ligadas pelos caminhos curtos e diretos que esperávamos [3].
O erro do naturalista é querer entender tudo apenas pelo o que acontece dentro do “aquário”. Não consegue entender que se existe mesmo uma sobrenatureza, é necessário ter uma visão completa tanto do que acontece dentro da natureza, como o que ocorre fora; e qual é a relação entre as duas. Talvez devêssemos lembrar aqui que a ciência estuda o mundo natural e nada tem a dizer sobre o que vai além. Então, é mais que certo que um milagre não esteja dentro da alçada da ciência. O dia em que a ciência natural puder explicar um milagre, então teremos certeza de que não houve um milagre, mas um fenômeno natural.

Bibliografia:


1. Lewis, C. S. Milagres. São Paulo: Vida, 2006. Páginas 93 e 94.
2. Lewis, C. S. Milagres. São Paulo: Vida, 2006. Página 94
3. Lewis, C. S. Milagres. São Paulo: Vida, 2006. Páginas 97 e 98.

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