domingo, 10 de agosto de 2014

A democratização da imbecilidade e da devassidão

Outro dia começou uma discussão sobre o funk carioca em uma aula que tenho na faculdade. Não me lembro como começou. Só sei foi mencionado a frase que uma professora universitária postou em seu face sobre o funk carioca. Ela contava que não estava conseguindo dormir com aquelas músicas altas tocando às três da madrugada em algum baile da vizinhança. E ratificava: "Se funk é cultura, exame de urina também é". A frase rendeu uma polêmica do cão e, ao ser relembrada na sala de aula, não deixou de acalorar os ânimos.

Mas não digo que chegou a causar polêmica. Quando em uma sala com mais de trinta alunos, apenas três ou quatro pessoas tem uma opinião divergente do assunto em discussão, e, apenas uma dessas três ou quatro pessoas diverge radicalmente, sendo as outras bem moderadas, o que temos não é uma polêmica, mas uma semi-unanimidade. Foi o que ocorreu naquele dia. Os ânimos acalorados eram puro histerismo. Histerismo de quem está tão acostumado a não receber oposição que se assusta ao ver uma ideia contrária.

Na concepção dessa maioria histérica que lá se encontrava, funk é cultura tal como qualquer outra coisa fabricada pelo ser humano também o é. De fato, isso é uma das várias definições da palavra "cultura"; palavra elástica, que Alfred Kroeber e Clybe Kluckhonh, autores de "Culture: A Critical Review of Concepts and Definitions", apontam para a existência de, pelo menos, 167 definições diferentes. Entre essas tantas definições existentes, há uma que é a definição popular, a definição do povão. Essa definição seria mais ou menos o seguinte: "Cultura é qualquer manifestação artística ou conjunto de pensamentos e hábitos coletivos que sejam bem elaborados e cujo valor não contradiga a moral e a dignidade do ser humano".

Conforme esta definição, eu não poderia considerar cultura o infanticídio regular praticado por determinadas comunidades humanas ou algum pirado que resolveu colocar um papel higiênico sujo de merda no meio de sua sala, ao lado do vaso de plantas, dizendo que isso é uma tradição da sua comunidade. Não, amigos, isso não é cultura, segundo esta definição popular, e qualquer pessoa simples, pobre e analfabeta concordaria que não é.

O mesmo pode-se dizer de grande parte dos funks cariocas, sobretudo, aqueles que são denominados carinhosamente de "proibidões", justamente por conterem apologia direta, clara e extensiva ao tráfico de drogas, à marginalidade, à pedofilia, ao adultério e à devassidão. Mesmo aqueles que não são proibidos, estão, em sua maioria, permeados de apologias a uma má conduta.

Além do mais, geralmente são músicas burras. Sim, burras, com pouco conteúdo, dito de forma pobre, com repetições infindáveis. O ritmo, segue o mesmo padrão. Uma batida incessantemente repetitiva, cheia de sons destoantes, sem harmonia e que leva o cérebro a um estado de caos, agitação e vazio intelectual. Não que músicas agitadas sejam um mal em si, mas a mistura criada por boa parte dos funks cariocas é perniciosa. Ela inclui, em uma grande sopa mórbida, agitação e idiotice, caos e liberação dos instintos animalescos, sem dar espaço para reflexão, sem permitir que o coração seja tocado em algum ponto da melodia e que o cérebro retire alguma boa lição que tenha sido inteligentemente amalgamada ao ritmo veloz.

Para piorar, ele ainda inclui em sua mistura maligna cantores que simplesmente não são cantores. São pessoas de vozes desentoadas, desafinadas, fracas, estridentes e feias. Não, não se trata de preconceito. É pós-conceito. Chego a essa conclusão após ouvir muitos e muitos funks cariocas (não por vontade própria, mas por imposição de muitos funkeiros, que não sabem ouvir sua música para si mesmos e precisam colocá-las em caixas altíssimas de som para toda a cidade ouvir). Não, não é preconceito e eu provo. Embora eu não goste de funk, reconheço que a Srta. Anitta, que canta, entre outras músicas, a "O Show das Poderosas", tem uma boa voz. Ela sabe cantar. E, por mais que as letras de suas músicas não me agradem nem um pouco, elas tem alguma harmonia. Contudo, o que mais tenho ouvido do funk carioca são conjuntos de barulhos repetitivos com uma letra imoral.

Os histéricos que estavam na sala, naquele dia, tem muitos histerismos para lançar como objeções ao que estou dizendo. Um deles é que estou sendo elitista. É típico de quem se acha o revolucionário e defensor dos pobres. Respondo que minha posição nada tem a ver com condição social. Os melhores e mais inteligentes sambas e chorinhos que já foram escritos na face da terra saíram da cabeça de favelados dos anos 20, 30 e 40. Todo mundo sabe disso. Eram pessoas que nasceram em meio à pobreza, mas que escreviam melhor que qualquer "filhinho de papai". E que melodia! Não curto samba, mas os sambas dessa época eram bons. Procure no Google por homens como Otávio de Souza, Pixinguinha e Cartola (o primeiro, um humilde mecânico, os dois últimos, negros e favelados) e veja a profundidade das letras que eles compunham. Obras primas! 

Não, meus amigos. Não tenho nada contra pobres. Sou um deles. Meu salário não financia nem a metade do valor dos carros que meus professores comunistas tem. Não tenho casa própria. Não moro na zona sul. E não, eu não tenho a oportunidade de poder só estudar, como muitos dos histéricos daquela sala têm. Eu trabalho duro, em empresa privada. E se eu não for eficiente, serei mandado embora (com justiça!).

Minha crítica é à idiotice e à imoralidade. Ou melhor, nem isso. Seja idiota e imoral quem quiser ser. A minha crítica é a um patota ridícula que deseja me obrigar a considerar bom, bonito, normal e cultural vozes desentoadas e desafinadas cantando imoralidades e idiotices, acompanhadas de um conjunto de barulhos frenéticos sem harmonia.

À pretexto de ajudar os pobres, os gurus dessa patota histérica democratizaram, em um passado não muito distante, a imbecilidade e a devassidão. E agora esses histéricos, que são seus filhos, querem que eu aceite isso como uma vitória da sociedade. Mas eu permaneço firme em minha posição: papel higiênico sujo de merda no meio da sala não é cultura. É insanidade.

3 comentários:

  1. Caro Davi,

    Concordo em gênero, número e grau com tudo o que escreveu sobre o funk carioca, que eu resumiria como pornografia com pretensão a música.

    Obrigo-me, porém, a sugeriri-lhe uma pequena retificação: a música "Rosa", na verdade, é uma valsa, não um samba, e Pixinguinha é o autor "apenas" da música (aspas porque esta, em si, é uma obra-prima). A belíssima letra de "Rosa" é de Otávio de Souza, que - ainda confirmando o que está no seu texto - era um humilde mecânico!

    A propósito, ainda, dessas belas letras, é impossível não mencionar, com todas as honras, o sujeito chamado Angenor de Oliveira (ANgenor, mesmo), que é o conhecidíssimo Cartola. Pobre (morava no Morro da Mangueira) e só tendo concluído o 4º ano primário (!!!), foi capaz de escrever poesias do quilate de "As Rosas não Falam" ou "O Mundo é um Moinho".

    Em suma: revendo a "Época de Ouro", mais do que comprovamos não haver, forçosamente, relação entre pobreza e baixa escolaridade com mediocridade e imoralidade.

    Abraços

    ResponderExcluir
  2. Belo texto. Esta discussão do funk ser cultura (ou não) e velha, mas sempre aparece.

    Como se pode afogar em definições de cultura, tendo a argumentar que ser (ou não) cultura, nada o faz sobre se aquilo é legítimo, bom, belo ou aceitável.

    A antropologia tem por metodologia não fazer juízo de valor. Mas é um tolice tamanha que defende estes relativismos culturais tacanhos. Eis um dos cocoetes mais típicos dos oligofrênicos.

    Abraço!

    ResponderExcluir
  3. Pintura tem um verme, a Pichação. Plantações de cacau, tem um praga, a Vassoura de Bruxa. O próprio ser humano tem um lugar onde vai dejetos, a Privada. Uma cantora pode emitir sons de uma bela música, por outro lado alguém pode urrar de dor. Música Arte também passou a ter uma latrina, o Funk. Ouvir Funk é exatamente tentar fazer refeições às margens do Rio Tietê.

    ResponderExcluir

Caro leitor,
Evite palavras torpes e linguajar não compatível com a filosofia do blog. Obrigado.