quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

Avaliando os principais argumentos do catolicismo

“A Bíblia deve ser a nossa única regra de fé e prática”. É mais ou menos o que os cristãos protestantes têm afirmado há cerca de cinco séculos. O princípio pode parecer óbvio à primeira vista. Se na Bíblia encontramos as verdades de Deus reveladas para o ser humano é por ela que nós devemos nos guiar; ela deve ser a base para nossas crenças, doutrinas e práticas. E se é assim, a Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) cai em um erro um tanto idiota ao não concordar com os protestantes.

Não obstante, as coisas não são tão fáceis como podem parecer à primeira vista. Para o catolicismo, a Bíblia é tão importante quanto para o protestantismo. E se você perguntar a qualquer católico devoto, ele irá confirmar: “A Bíblia é a Palavra de Deus e deve ser seguida”. A diferença básica entre católicos e protestantes não está em enxergar este fato tão óbvio. A diferença está na concepção que cada um tem sobre: (1) quem tem capacidade de interpretar a Bíblia e (2) qual a interpretação está correta. É aqui que a coisa complica.

Dizer, como diz o protestante comum, que tudo se resume em seguir a Bíblia, é encarar a situação de maneira simplista. Ok, vamos seguir a Bíblia. Mas qual interpretação? E quem é a autoridade para interpretar? Se você não responde a essas duas questões, não chega a lugar nenhum. E para desespero do protestante comum, o católico tem resposta para essas duas questões. O católico acredita que quem tem a capacidade plena e inerrante de interpretar a Bíblia é o seu magistério, isto é, os seus bispos e o Papa.
Você pode achar que essa crença não faz sentido, mas faz. O católico entende que Jesus instituiu uma Igreja aqui na terra. Essa Igreja é a Católica. Se isso é verdade, é plausível supor que a ela tenha sido dado por Deus a capacidade de interpretar corretamente as Escrituras.

Aqui é a hora de deixar a arrogância de lado e reconhecer: o pensamento católico não é um absurdo. Ele pode até estar errado, mas é uma hipótese possível. Adotar esse tipo de postura quando vamos analisar algo é essencial. Nós, humanos, erramos muito por nos apegarmos a estereótipos e reducionismos, o que acaba por gerar um sentimento de que as ideias em que não acreditamos são idiotas. Ora, elas até podem ser idiotas, mas para se concluir isso é preciso fazer uma análise honesta. E no que se refere ao catolicismo, essa breve análise honesta mostra que o mesmo é uma boa hipótese. Mas será que é uma hipótese verdadeira? Bem, é o que pretendo averiguar aqui.

A visão protestante

Vamos começar com algo que ainda não foi feito nesse texto: delinear qual é a visão protestante da coisa. Para o protestante, Jesus Cristo realmente fundou uma Igreja aqui na terra. Mas essa Igreja não era nenhuma instituição que conhecemos hoje. Ela era tão somente um conjunto de judeus naturais e de conversos ao judaísmo que acreditavam que o Messias esperado já tinha vindo e era Jesus. Essa foi a Igreja que Jesus fundou. Portanto, todo aquele que aceitava Jesus como o Messias prometido, o seu sacrifício e mais a base religiosa provida pelas Escrituras Judaicas era parte da Igreja. E isso é válido para os dias de hoje. A Igreja fundada por Cristo não é uma instituição formal, mas abarca as mais diversas pessoas que creem ser Jesus o Messias, que aceitam o seu sacrifício e que se guiam pelas verdades básicas das Escrituras Judaicas.

Agora, isso não quer dizer que todas as facções dentro do cristianismo estão corretas, que não há uma verdade absoluta e que podemos crer no que quisermos. Para o protestante, há sim uma verdade e obviamente ele sempre vai achar que a sua facção está correta e as outras estão erradas, da mesma forma que o católico acredita que a ICAR está correta e todas as outras estão erradas. É uma questão de lógica. E não há nenhum problema nisso (desde que a discussão não descambe para o desrespeito e a violência).

Com o crescimento da mentalidade politicamente correta no mundo, essa disputa pelo monopólio da verdade diminuiu muito nas últimas décadas. Há uma tendência dentre as facções protestantes atuais de focarem mais nas semelhanças entre elas do que nas diferenças e enfatizar que o importante é estar de acordo nas verdades básicas (as questões menores podem esperar). Mas nos primeiros séculos após a Reforma, muitas disputas e tensões surgiram em função da visão de que a verdade não é relativa e, assim, não podem estar todos certos.

Mas, voltando ao início, o protestante acredita que ao fim do primeiro século, quando todos os apóstolos já haviam morrido, a Igreja começou um lento processo de romanização, no qual, ao longo de séculos foi agregando as características que viriam a definir a Igreja Católica Apostólica Romana. Dois pontos altos nessa romanização seriam os anos de 313, quando o Imperador Constantino acabou com as perseguições aos cristãos e iniciou um “namoro” com o cristianismo, e 538, quando o Imperador Justiniano derrotaria os últimos exércitos bárbaros que impediam o Papa de exercer maior autoridade. Assim, segundo a visão protestante, Jesus não teria fundado a Igreja Católica, mas sim uma Igreja que se romanizou ao longo do tempo.

O problema dessa romanização é que ela traria consigo muitos erros doutrinários. E por esse motivo Deus precisaria levantar pessoas que denunciassem esses erros, a fim de desenvolver muito gradualmente um movimento livre dos mesmos.

Contrapondo as ideias

Então, temos o seguinte panorama: o católico crê que Cristo fundou a Igreja Católica, ela é inerrante doutrinariamente e tem plena capacidade de interpretar as Escrituras. O protestante crê que Cristo fundou a Igreja Cristã, que abarca todos os que creem nele, mas essa Igreja se romanizou, agregando erros doutrinários e transformando-se na Igreja Católica.
 
O lado católico geralmente argumenta o seguinte: Jesus fez uma promessa a Pedro. Ele prometeu que iria edificar sua Igreja sobre a rocha e que as portas do inferno jamais prevaleceriam contra ela. Ora, uma Igreja que pudesse agregar erros doutrinários e assim se manter por séculos seria, na visão do católico, uma Igreja totalmente vencida pelo inferno. A Igreja fundada por Cristo, portanto, precisava ser inerrante. Além disso, uma Igreja capaz de errar não poderia produzir uma Bíblia Sagrada infalível, tampouco interpretações infalíveis. Para o católico, se hoje podemos crer que a Bíblia é a Palavra de Deus é porque uma Igreja infalível a produziu: a ICAR. E se a ICAR produziu a Bíblia, ela é a única que pode interpretá-la corretamente.

Vamos avaliar o argumento por partes.

“As portas do inferno não prevalecerão”
 
O primeiro ponto diz que uma Igreja que fosse capaz de agregar erros doutrinários seria uma derrotada pelo inferno. A palavra para inferno na língua original grega é “hades”. Hades geralmente era usado pelos judeus no lugar do hebraico “sheol”, que significa “sepultura”, “sepulcro” ou “abismo”. É o lugar para onde as pessoas vão quando morrem. Um corpo no sheol/hades é um corpo morto; uma alma no sheol/hades é uma alma morta. O sheol/hades, segundo a Bíblia, nunca se cansa de tragar vidas. Assim, dizer que as portas do sheol/hades não prevaleceriam contra a Igreja era dizer que a Igreja não iria morrer.
 
Se nós pensarmos que os primeiros trezentos anos de cristianismo foram de perseguição aos cristãos e milhares de mortes, faz sentido Jesus ter dado essa promessa. Ainda mais no início, quando os cristãos eram alguns poucos milhares, era bem fácil se desesperar e pensar: “A Igreja será totalmente extinta”. A promessa de Jesus visava, portanto, dar a certeza de que, apesar das perseguições, a Igreja continuaria viva.
 
A Igreja não permaneceu viva apenas diante das perseguições, mas diante dos ataques teológicos de pagãos, arianos, deístas, agnósticos e ateus. Sobreviveu ao pensamento antirreligioso iluminista, ao cristianismo liberal que pretendeu retirar toda a sacralidade da Bíblia, às revoluções comunistas e fascistas e ao islamismo crescente. E continua viva. Os cristãos ainda foram a maior religião do mundo. A Igreja não desapareceu.

A promessa de Jesus foi cumprida e não é necessário crer na ICAR para reconhecer essa verdade, pois o que Jesus disse se limitou a isso: a minha Igreja não vai morrer. E não morreu. Mas não morrer não implica em ser inerrante. Tentar retirar esse entendimento do texto de Mateus 16 é tentar forçar o texto a dizer mais do que ele diz.

“Igreja falível, Bíblia imperfeita”
 
O segundo ponto afirma que uma Igreja falível não poderia produzir uma Bíblia infalível. Mas será? Pense no seguinte. Existem alunos que são muito inteligentes em matemática. Mas o fato de eles serem muito bons com cálculos não faz deles alunos infalíveis. Eles podem errar. Tanto podem que jamais vemos um aluno gabaritar todas as provas, trabalhos e exercícios de matemática que faz em sua vida. Eu, pelo menos, nunca vi isso. É perfeitamente possível um aluno muito bom em matemática gabaritar várias provas ao longo da sua vida acadêmica. É o que geralmente acontece. Mas nunca todas elas.
Então, perceba que não é necessário um bom aluno de matemática ser infalível para que ele faça algumas provas perfeitas durante sua vida. Embora, provavelmente, ele vá falhar em muitas ocasiões, ele também será infalível em tantas outras.
 
Da mesma forma, o fato de que alguns homens santos registraram fielmente os ensinos de Jesus e outros, também santos, reuniram esses registros (diferenciando o que era de Deus e o que não era) não significa que eles eram infalíveis em matéria de doutrina ou que precisavam ser inerrantes para que uma Bíblia perfeita surgisse. Como seres humanos, eles eram falíveis. Estavam sujeitos a cometer erros doutrinários, aceitar alguma crença falsa, a interpretar mal as palavras e ações de Jesus Cristo, a enxergar algo de acordo com pressuposições próprias. Isso se aplica principalmente aos que não foram seus discípulos diretos.
 
Tal como o aluno bom que estuda e se torna apto para gabaritar uma prova, mesmo ainda estando sujeito a errar, Deus tornou homens santos aptos para registrar fielmente os seus ensinos e, depois, para reuni-los em um cânon; mesmo estes homens santos ainda estando sujeitos a errar.
 
O católico pode perguntar: “Mas se os discípulos diretos de Cristo e os Pais da Igreja poderiam errar doutrinariamente, como podemos crer na Bíblia? Ela pode muito bem estar repleta de erros”. Sim, à priori, ela poderia mesmo estar cheia de erros. Qualquer coisa feita por humanos pode estar errada. Mas “poder estar” não significa “estar”. E a única maneira de descobrir se algo está errado ou certo é fazendo uma análise. Não é o que fazemos quando queremos descobrir a verdade? Não há nada de novo aqui.
 
O fato é que uma análise ampla da Bíblia, baseada na arqueologia, na história, na lógica, em princípios básicos de interpretação e nas suas próprias evidências internas de que está dizendo a verdade são suficientes para provar a sua infalibilidade. Qualquer pessoa honesta, que tenha um conhecimento razoável e uma vida espiritual saudável é capaz de se aplicar em uma análise dessas. Ademais, bons livros sobre o assunto não faltam.
 
Mas ainda que o católico diga que tais evidências internas e externas não provam cabalmente a infalibilidade da Bíblia (e que, por isso, seria necessário pressupor a infalibilidade da Igreja), deve lembrar que pouca coisa nessa vida é provada de modo cabal. Seja na área teológica, seja na área cientifica, ou nas pequenas coisas da vida, não podemos ter essa prova cabal. Geralmente, o máximo que conseguimos, em todas as áreas da vida, é acreditar em coisas bastante prováveis. Talvez a ideia de fé se enquadre justamente aí nesse intervalo. Fé não é a certeza do que é cabalmente provado, mas a certeza do que é provável dentro de determinadas circunstâncias.
 
Outro questionamento pode advir do católico aqui: por que Deus guiaria homens na produção de uma Bíblia infalível, mas não guiaria homens na manutenção de uma Igreja infalível? É uma boa pergunta. Mas podemos elencar várias respostas. Em primeiro lugar, vamos usar o senso de proporção. A Bíblia foi escrita por cerca de quarenta autores. E provavelmente foi reunida por algumas poucas dezenas de líderes. A Igreja, no entanto, foi liderada por milhares de clérigos ao longo dos séculos (somando padres, bispos, arcebispos, cardeais e papas). A Bíblia teve um desfecho em sua mensagem. É um livro fechado, imutável. A Igreja, no entanto, precisa tomar decisões diariamente e interpretar as Escrituras. A Bíblia foi escrita por homens que testemunharam aquilo sobre o qual escreveram. A Igreja, conforme o tempo passa, mais distante fica dos fatos descritos. A produção da Bíblia não requereu de seus escritores e selecionadores uma perfeição extensa, mas apenas perfeição nos momentos em que a produziam. A Igreja, para ser infalível, requer que seus diversos líderes sejam perfeitos em doutrina durante longos anos, enquanto durar suas lideranças (ou, no mínimo, que seus principais líderes sejam infalíveis sempre, a fim de que o erro não se propague). Em resumo, é muito mais fácil administrar a produção de uma Bíblia infalível do que de uma Igreja infalível.
 
Minha afirmação pode parecer uma afronta a Deus. Haveria algo difícil para Deus fazer? Quem sou eu para dizer que Deus teria dificuldade de criar uma Igreja infalível? Mas, acalme-se. Não estou limitando Deus. Se Ele quisesse, poderia fazer uma Igreja infalível, sem dúvida. Ocorre que Ele também poderia não fazer. E uma evidência disso é que Ele, de fato, não trabalhou desse modo no Antigo Testamento. No princípio, antes de haver Israel, o ser humano conhecia um monoteísmo primitivo, que era a tradição deixada por Adão e seus descendentes. Contudo, Deus permitiu que os homens fossem desvirtuando esse monoteísmo, aceitando crenças e interpretações errôneas. Isso daria origem a diversas religiões politeístas e a deturpações dentro do próprio monoteísmo.
 
Posteriormente, Deus desenvolveu a nação israelita, a fim de proteger suas verdades da influência pagã. Mas não impediu que séculos depois os líderes judeus começassem a crer e propagar interpretações equivocadas das Escrituras.
 
Ora, se esse desvio doutrinário foi possível durante todo o Antigo Testamento, por que não seria no Novo? Não há uma razão. A não ser que Deus diga que não é mais possível isso acontecer na era da Igreja, não há porque achar que não é possível.
 
Certa vez, debatendo com um católico, fiz a ele esse questionamento. A sua resposta foi que no Antigo Testamento Deus ainda não tinha completado a sua revelação. No Novo Testamento, com Cristo, a revelação estava completa e tudo agora era novo.
 
Ok. Eu concordo que Cristo nos salvou da morte, nos libertou da escravidão do pecado, transformou nossa vida, nos deu o seu Espírito Santo. Por isso tudo se fez novo em nossas vidas. Inquestionável. Mas enquanto ele não voltar para levar a Igreja, como prometeu, nós continuaremos a ser falíveis, tal como eram os homens do passado. Nem tudo mudou. Há coisas que só mudarão no fim. Então, por que seria absurdo supor que a Igreja, feita de pessoas falhas, com pressupostos e influencias, com teimosia e ganância, não poderia agregar doutrinas e interpretações equivocadas ao longo do tempo? Não há razão para se pensar assim. Aliás, a ICAR acredita que todos os homens falham (até o Papa). Como um homem capaz de falhar, estaria isento de falhar doutrinariamente? Não dá para isolar uma coisa da outra. Pelo menos não temos base alguma para isso. Falhas chamam falhas. De todo o tipo.
 
Talvez o católico fique triste comigo aqui e pense: “Poxa, mas quanto empecilho esse irmão coloca para aceitar o catolicismo!”. Mas não pense assim de mim. Eu aceitaria o catolicismo de bom grado se ele me parecesse verdadeiro. O problema é que quando eu analiso suas crenças, doutrinas e interpretações, não vejo base sólida. Pior que isso: vejo nela os mesmos erros cometidos pelos líderes judaicos da época de Jesus. Estes líderes acreditavam firmemente que eram infalíveis em matéria de doutrina e interpretação das Escrituras. Cogitar a hipótese de que a tradição dos anciãos, antiquíssima e conceituada, estava errada era um absurdo. Crer que Jesus, um carpinteiro, morador da pobre Nazaré, sem instrução formal, com apenas 30 anos de idade, estava certo e eles, seguidores de uma tradição de séculos, com grande estudo formal, altos cargos e idade avançada, estavam errados, era inadmissível.
 
Parece que Deus permite os desvios doutrinários para que o homem sempre saiba que quando ele se julga infalível, torna-se cem vezes mais suscetível ao erro. Ademais, faz parte do livre arbítrio. Perguntar por que Deus permitiu desvios doutrinários no meio de seu povo é como perguntar por que Deus permitiu que o pecado entrasse no mundo. O pecado entrou porque o homem se agarrou a algo no lugar de Deus. Os desvios ocorrem pelo mesmo motivo. E isso pode acontecer até com o mais sincero adorador. Lembre-se que Davi era “homem segundo o coração de Deus”, mas tinha três esposas.
 
“Igreja falível, interpretações imperfeitas”
 
O terceiro ponto principal argumentado pelo católico é que uma Igreja falível não poderia fazer interpretações infalíveis. Bom, já vimos que para gabaritar provas não é preciso ser perfeito. O que quero dizer é que uma Igreja falível é uma Igreja que pode cometer falhas, mas não necessariamente que vai cometê-las. Particularmente, acho que dificilmente a Igreja não iria cometer falhas. Mas quando você se entende como falível, sua tendência é tomar mais cuidado para não falhar e consertar mais rapidamente os seus erros. Todos já ouviram aquela frase que dizemos ao alcoólatra: o primeiro passo para se tratar é reconhecer que você tem um problema. Uma Igreja que não reconhece que tem um problema ou que pode vir a ter tende a acumular mais erros.
 
Uma Igreja falível poderia sim interpretar as Escrituras corretamente. E ela poderia não cometer nenhuma falha doutrinária em sua história, ou algumas poucas falhas, pequenas e corrigidas rapidamente. Aliás, é sempre bom ressaltar que muitos dos primeiros cristãos acreditavam que para ser cristão era necessário ser circuncidado. É provável que os próprios apóstolos tenham sustentado essa crença por alguns anos. Foi preciso um grande debate, acirrado e acalorado, para que os mesmos chegassem à conclusão de que não era mais necessário o ritual. O que esperaríamos de uma Igreja falível que se entende como falível, seria isso mesmo: crenças errôneas consertadas em um espaço de tempo relativamente curto.
 
O católico mais uma vez pode argumentar com a questão da certeza. O catolicismo dá certeza de inerrância na interpretação. O protestantismo não. Já expliquei que poucas coisas nessa vida nos oferecem certeza absoluta e que geralmente cremos através de probabilidades. As interpretações talvez se enquadrem nisso. 

O que não se pode ignorar aqui é que interpretações devem obedecer a regras básicas de coerência lógica, textual, histórica, cultural, linguística e bíblica. Quando essas regras são obedecidas, é possível gerar interpretações bem prováveis e reduzir drasticamente o risco de erros. No mais, os debates acirrados e honestos e a condução do Espírito Santo são capazes de levar a Igreja a consertar seus erros e buscar a verdade, mesmo que isso possa levar tempo. Mas, para isso, é necessário reconhecer a falibilidade. Quando a Igreja não faz isso, os erros são sacramentados e se tornam tradição; tradição “infalível”.
 
A Igreja que se julga falível não teme ser encontrada em erro, pois está aberta a ser consertada e moldada permanentemente por Deus. A Igreja que se julga infalível não teme ser encontrada em erro porque não crê nessa possibilidade, o que a leva a não achar necessário ser consertada por Deus.

Confusões, heresias, múltiplas interpretações e facções
 
Respondida a argumentação católica, devemos agora responder alguns questionamentos lançados diretamente ao pensamento protestante. Para o protestantismo, cada crente é um sacerdote e deve ter livre acesso à palavra de Deus. Mas isso, segundo o católico, cria uma cultura de livre interpretação da Bíblia, o que dá aval ao crente para interpretar a Bíblia de qualquer maneira, sem os critérios básicos, e gera multiplicidade facções, relativismo da verdade e surgimento de heresias. Como responder a isso?
 
A livre consulta da Bíblia
 
Em primeiro lugar, não é trabalho de um líder cristão limitar a leitura da Bíblia para não deixar a Igreja correr risco de interpretar errado. O trabalho do líder cristão é dar aos seus liderados as ferramentas e as orientações devidas para que ele próprio seja capaz de interpretar corretamente. Os grandes líderes e teólogos protestantes nunca advogaram uma cultura de livre interpretação das Escrituras, sem os critérios básicos e sem ajuda de pessoas mais bem preparadas intelectual e espiritualmente. Advogou-se sim a livre consulta.
 
O fato de que a livre consulta carrega consigo o risco de incentivar as pessoas a fazerem más interpretações, criarem heresias e multiplicarem facções não pode ser usado como argumento para impedir a livre consulta. Afinal, Deus não impediu o livre arbítrio por conta de ele trazer consigo o risco de escolhermos o mal. A Bíblia é a Palavra de Deus e deve estar disponível para todos. A função do líder é tão somente estar bem preparado para interpretar as Escrituras e passar isso aos seus discípulos.
 
Os princípios básicos de interpretação, aliás, são bastante simples. Em sua maioria são os mesmos utilizados para interpretar qualquer outro texto, religioso ou secular. Isso não quer dizer, claro, que os líderes são dispensáveis. Geralmente, eles estão nessa posição porque apresentam um conhecimento acima da média, uma boa capacidade de ensino e uma vida espiritual saudável. Como não é a maioria das pessoas que tem essas características, a figura do líder é muito importante. Muito importante, mas não infalível, tampouco inatingível. A verdade e a mentira são bastante democráticas. Um grande líder pode estar redondamente errado, enquanto que um roceiro pode ter consigo todos os princípios corretos de interpretação.
 
O problema das facções
 
Em segundo lugar, a multiplicidade de facções não é um problema tão grave. O católico parece prezar muito por uma suposta unanimidade. Para ele, Deus não poderia permitir a divergência de opinião sobre doutrinas cristãs e interpretações das Escrituras, pois nos deixaria sem saber qual é a verdade. E a ICAR, segundo ele, proporcionava isso antes do protestantismo. O que o católico esquece é que essa suposta unanimidade nunca existiu. Sempre houve quem discordasse da Igreja Católica. A diferença é que antes as vozes discordantes existiam em menor número, pertenciam a poucos grupos e eram ofuscadas pela grandiosidade do sistema católico. Hoje o catolicismo precisa disputar com miríades de vozes, de miríades de grupos, e seu poder já não é mais o mesmo. Foi apenas isso o que mudou.
 
Nunca haverá unanimidade. E a existência de uma Igreja infalível não livraria ninguém de ter que estudar e escolher entre uma religião e outra, uma facção e outra. O que deve ficar claro é que, se a verdade existe (e nós cremos que sim), é possível encontrá-la. Se cada um julga tê-la encontrado, mesmo crendo em coisas diferentes, isso não muda o fato de que existe uma verdade e é possível encontrá-la. Alguém está certo e alguém está errado. O que está errado não procurou direito. Simples assim.
 
Esse quadro é o mesmo tanto se houver uma Igreja infalível quanto se não houver. É triste, mas vivemos em um mundo difícil, no qual precisamos buscar doutrinas, crenças e interpretações corretas dentre muitos erros e mentiras. É um problema inerente a este mundo caído. Mas, por outro lado, mantendo uma vida espiritual saudável, uma postura honesta, a mente aberta e os critérios básicos de interpretação, não é tão difícil encontrar a verdade. Ademais, Deus não irá cobrar nenhum cristão sincero por aquilo que ele não entendeu/conheceu, nem teve oportunidade de entender/conhecer plenamente.
 
O suposto relativismo e a ação de Deus na história

Em terceiro lugar, a ideia de relativismo protestante é um mito. A multiplicidade de igrejas no protestantismo na verdade prova justamente o contrário: cada igreja acha que está com a verdade. Se não fosse assim, por que surgiriam tantas igrejas? Se não há verdade absoluta, se todas as pessoas podem estar certas, então que diferença faz abrir outra igreja? As igrejas surgem justamente porque uma não concorda com a outra. Isso não é relativismo.
 
Talvez sejamos impulsionados novamente à questão de como saber quem está certo. O católico parece se preocupar muito com isso. Ele teme que se não há uma Igreja infalível, todas as facções podem estar erradas e, se há uma certa, não dá para saber qual é. Não vou repetir o que já falei anteriormente, mas quero focar em outro ponto: este pensamento subestima a capacidade de Deus agir na história do mundo. Quando o monoteísmo primitivo estava repleto de distorções, o que Deus fez? Formou uma nação através de Abraão para preservar suas verdades. E quando o judaísmo estava repleto de distorções rabínicas, o que fez Deus? Enviou Jesus para morrer por nós e reformar o que havia ensinado.
 
Será que da mesma forma Deus não agiu durante a história, tentando mudar os rumos do cristianismo? E será que em algum momento Ele não logrou êxito em levantar um movimento totalmente baseado em suas Escrituras? Será que não existe um movimento assim hoje? Será que nas profecias de Daniel e Apocalipse não há previsões sobre um movimento como este? Não estaria desde o passado registrado na Bíblia que a verdade seria deturpada, mas que Deus lutaria para trazê-la de volta através de um movimento que não se colocasse como infalível doutrinariamente, mas buscasse consertar seus erros e prosseguir rumo à verdade? E não seria possível, através de uma postura honesta e um estudo profundo, racional, espiritual e bíblico, chegar até esse movimento e passar a seguir a Bíblia corretamente? São possibilidades que não podemos jogar fora.
 
De fato, o que tenho visto através do estudo acurado das profecias bíblicas é que um movimento político-religioso iria deturpar verdades bíblicas e teria supremacia por bastante tempo. Esse poder emergiria no interior do governo que dominaria a Grécia, isto é, Roma. Dominaria sobre os reinos que surgiriam após a queda do Império, isto é, os bárbaros. No entanto, seria contraposto por um movimento no fim dos tempos, o qual restauraria as verdades de Deus e conclamaria os cristãos a abandonarem seus erros doutrinários. Esse movimento não é o protestantismo, pois este deixou por reformar muitas verdades e até criou novos problemas. Entretanto, é um movimento que dá continuidade ao que foi iniciado de positivo na Reforma Protestante.
 
O movimento em questão se colocaria contra todas as doutrinas católicas que são contrárias à Bíblia como a da imortalidade da alma, o castigo eterno dos ímpios, a anulação do sábado bíblico, a sua substituição pela santidade do domingo, a veneração de imagens, as orações pelos mortos, o purgatório, o batismo de crianças, o batismo por aspersão, a intercessão dos mortos pelos vivos, a infalibilidade papal, a infalibilidade da Igreja, a exclusividade de interpretação pelos líderes e etc.
 
Não é intuito desse texto identificar este movimento ou demonstrar em detalhes como ele é previsto pelas profecias bíblicas ou como a Bíblia também prediz a deturpação do cristianismo por meio de um poder político-religioso. No momento é suficiente o leitor saber que o único movimento que se enquadra perfeitamente na descrição que fizemos é chamado de “Igreja Adventista do Sétimo Dia”. Ela tem se esforçado, desde o início, em reformar suas próprias doutrinas, através de muito estudo, agregando assim verdades antes esquecidas e lançando fora crenças incoerentes. Assim, tornou-se uma sabatista, preocupada com as questões de saúde, que rechaça as crenças oriundas do paganismo (as quais encontraram “apoio” em interpretações e traduções errôneas da Bíblia) como a imortalidade da alma e inferno eterno e etc. E a mesma tem crescido vertiginosamente ao longo de pouco mais de 150 anos, já contando com quase 20 milhões de membros e colégios, universidades, hospitais, instituições de assistência social, emissoras de TV, estações de rádio, fábricas de alimentos saudáveis, gravadoras e editoras em centenas de países.  Esse conjunto de características é interessante e merece um estudo acurado em outras ocasiões. A ideia aqui é apenas mostrar ao leitor a existência de outra hipótese. E como aprendemos, só podemos considerar alguma hipótese idiota depois de analisarmos a mesma, abstendo-nos de reducionismos e estereótipos.

Conclusão

O objetivo primordial desse texto foi analisar do modo mais honesto possível se o catolicismo é verdadeiro ou não. Vimos que não é, conquanto, sem dúvida, a ICAR seja uma instituição repleta de cristãos sinceros (líderes e leigos) que ajudou a propagar o evangelho e a civilizar povos. Seus atributos são inúmeros porque não deixa de ser uma instituição cristã. Mas seus muitos erros doutrinários, acumulados pela sua crença de ser infalível, tornaram seu sistema pernicioso, tal como são todos os que não consertam os seus erros.
 
A conclusão é que o pensamento protestante está mais próximo da verdade do que o pensamento católico. Contudo, o protestantismo ainda carrega, em suas diversas facções, crenças e interpretações herdadas do catolicismo que não estão de acordo com aquilo que diz a Bíblia. A insistência em negligenciar o sábado bíblico ou em descrever Deus como um ser que capaz de manter um lugar de sofrimento eterno para os ímpios são exemplos dessa herança católica. Isso nos leva a abrir a mente para a possibilidade de existir algum movimento levantado por Deus para terminar aquilo que o protestantismo começou. E essa hipótese, caso confirmada, comprova que Deus age na história, a fim de consertar sua Igreja, a Igreja Cristã.

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