segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Quando o antigo Batman morreu

Estava nesta semana refletido sobre o antigo Batman. Sim, falo daquele seriado de TV americano dos anos 60 (que viria para o Brasil mais tarde), no qual o Homem Morcego era um tanto fora de forma e seu fiel companheiro Robin era um bobalhão que colocava o adjetivo “santo” na frente de tudo o que exclamava. “Santo seriado, Batman!”. Com enredos surreais e lutas cômicas sempre acompanhadas de balões descrevendo os golpes com pow’s e pof’s, o Batman da década de 60 fez a alegria de uma geração inteira de crianças e deixou fãs nostálgicos que perduram até os dias de hoje. Aqueles que têm mais de quarenta anos ou pais que assistiram muita TV a década de 70 sabem do que estou falando.

A lembrança do antigo Batman me fez resgatar também outras memórias como a do antigo Hulk, do herói japonês Ultraman e do desenho animado Super Amigos. Há algo em comum nestas e outras produções daqueles anos: a simplicidade. Tudo era mais simples. Os enredos, os efeitos especiais, os personagens e a própria maldade. Não se via tanto sangue, tanta violência, tanta verossimilhança. Os filmes, seriados e desenhos animados para crianças eram, em geral, para crianças mesmo.

Minha mente volta a processar programações e logo me recordo dos seriados “Chaves” e “Chapolin Colorado”, criações imortais do saudoso Roberto Gomes Bolaños. Aqui no Brasil eles ainda passam, e há poucos que já não tenham visto pelo menos trinta vezes os mesmos episódios, rindo em cada um deles. O sucesso dessas criações não se deve à humor com conotações sexuais ou palavras de baixo calão. A inocência de ambos os seriados e a comédia pura foram a regra em todos os episódios. E era exatamente este humor infantil, leve, sem malícias, que levava as crianças às gargalhadas (e também os adultos, vale ressaltar).

Falo das programações infantis, porém as próprias programações de adultos não eram tão dotadas do voyeurismo, da agressividade, da imoralidade e da maldade explícita a que hoje estamos acostumados. E me parece, por tudo o que tenho ouvido de pessoas mais velhas, que havia uma linha divisória mais bem definida entre o que era de criança e o que era de adulto. O que era de adulto passava depois das 22h, quando as crianças já estavam indo dormir. Sim, criança ainda tinha hora de dormir à época. E era comum que os pais controlassem isso. Por mais incrível que pareça.

O tempo parece ter mudado os hábitos aos poucos. E com eles, toda a mentalidade da sociedade. Passo por passo, a grande mídia acompanhou essa mudança (ou, quem sabe, não foi ela mesma a principal autora do processo?) e o que antes não era para a criança, passou a ser. Proteger os filhos pequenos de diálogos baixos, bem como cenas de sexo e violência foi se tornando desnecessário e até ridículo. Em nome da verossimilhança, dos efeitos especiais mais realistas e, claro, de uma mente mais aberta e progressista, aceitamos com o passar dos anos ver e ouvir de quase tudo, praticamente sem peneiras, e achar que não há mal em que nossos filhos façam o mesmo. E então a velha inocência, retrógrada e ultrapassada, foi mesmo deixada de lado.

A mudança não foi brusca. Não se sobe uma escada dando um salto do primeiro ao décimo degrau. Mas do primeiro para o segundo degrau a diferença é bem pequena. E do segundo para o terceiro também. Em cada novo estágio, o estágio subsequente não parece tão distante. E assim se sobe toda uma escada. E assim se muda uma cultura.

Recentemente uma charge procurou demonstrar a existência de um gênero hipócrita de brasileiro, que permite ao filho ver imagens indecentes do Big Brother Brasil e a feroz violência de filmes de ação ou do MMA, mas o proíbe de ver um casal homossexual se beijando. Não tenho como saber, estatisticamente, se realmente existe um número tão grande de pessoas com este julgamento hipócrita, o qual justifique a formulação dessa charge. Seja como for, eu me pergunto se o que a charge tenta rotular como hipocrisia não seja simplesmente a postura natural de uma sociedade que ainda está em fase de transição. Afinal, a feroz violência de um MMA ou de um filme como Tropa de Elite, ou então, as representações sexuais entre casais heteros nas atuais telenovelas ou em filmes como Cidade de Deus, não seriam aceitas como programações apropriadas para crianças e adolescentes nas décadas do Batman-fora-de-forma e dos Super Amigos. Chocariam até mesmo boa parte dos adultos.

Daquela sociedade para cá, uma série de degraus foram subidos, um por um. O hipócrita que hoje aceita o MMA, a Tropa de Elite, A Cidade de Deus e os amassos heteros em todas as produções, mas não o beijo gay, talvez não aceitasse nenhuma dessas coisas há quarenta anos; possivelmente aceitará o beijo gay daqui a vinte anos; e, sem dúvida alguma, morrerá vendo toda uma nova geração totalmente acostumada com a ideia de amassos homossexuais na TV. As coisas continuarão mudando e o chargista não precisa temer a suposta hipocrisia que acusa. Ela também passará.

Um aviso fica: por mais mente aberta que julguemos ser, nossas gerações posteriores sempre questionarão muitos de nossos princípios. No futuro, tenho por certo que pessoas que hoje se julgam mente aberta, serão criticadas por não concordarem com - quem sabe? – pornografia em canal aberto durante o dia, ou com programações explorando a defesa de casamentos incestuosos e poliamorosos (entre três ou mais pessoas), ou com desenhos animados para crianças, em busca de verossimilhança e uma postura de crítica social, mostrando um marido espancando sua mulher, um mendigo sendo incendiado, ou um vilão estuprando alguma moça. Quando esse tempo chegar, essas pessoas serão consideradas as novas “hipócritas” da sociedade. Quando esse tempo chegar, todos nós teremos saudades do antigo Batman dos anos 60. Então, nos sentiremos culpados por tê-lo matado.

Nota: Texto escrito para a disciplina de Língua Portuguesa, que consta na ementa de Comunicação Social da minha universidade. O professor deu nota máxima.

Um comentário:

  1. Grande Davi, em fim nos encontramos por aqui. Eu já tive a oportunidade de ler esse seu artigo e achei muito bom. Eu sou da antiga, adorava ver esse seriado e com certeza você foi feliz em escrever esse texto. Faz uma visita no meu Blog, PROTOCOLO FINEGAN

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