domingo, 11 de agosto de 2013

O que realmente é o capitalismo?

Uma das maiores dificuldades que a direita tem para conseguir aceitação de suas idéias é que a maioria das pessoas não sabe o que é capitalismo. Falo por experiência própria. Pelo menos 95% das pessoas que conheço creem que capitalismo é um sistema econômico cujas bases podem ser resumidas em três palavras: egoísmo, consumismo e materialismo (no sentido comercial da palavra). Essa é a definição mais popular que existe de capitalismo. Até aqueles que não sabem quase nada de política e economia conhecem essa definição. Todavia, qualquer pessoa que parar um pouquinho para refletir, verá que existe algo muito errado aqui: como é que uma doutrina econômica vai ser definida por posturas individuais?

Este é o “x” da questão. A definição popular de capitalismo na verdade não é a definição de uma doutrina econômica, mas sim de uma postura individual. Ser egoísta, consumista e materialista não depende de qual doutrina econômica você escolhe para seguir. Pode-se ser um comunista, mas só pensar em si mesmo e dar um enorme valor ao consumo e às coisas materiais. Não é porque o comunista acredita em uma economia igualitária que ele se tornará uma pessoa altruísta e desapegada dos bens materiais. 

Imagine que um trabalhador se sinta injustiçado por trabalhar tanto e não ter direito de comprar uma Ferrari, tal como seu patrão. Ele pode se tornar um comunista apenas por querer comprar coisas boas como seu patrão. O fato de ele se unir a outros comunistas não implica em que ele seja um indivíduo de moral elevada que se importa profundamente com o sofrimento de cada trabalhador. O que o move é a vontade de ter algo que não pode ter. Ele se une aos outros por uma questão de identificação, mas pode muito bem ser uma pessoa extremamente insensível, egocêntrica e olho grande. Não é preciso ter um bom caráter para almejar igualdade econômica. Basta querer ter o que não pode ter.

Da mesma maneira, alguém pode concordar com uma economia capitalista, mas ser muito desapegado de bens materiais, comprar pouco, consumir só o que precisa, ser uma pessoa humanitária, ajudar aos necessitados e se importar de verdade com cada pessoa (boa parte dos padres católicos apresentam esse perfil, aliás). Pode-se, inclusive, ser um burguês que paga muito bem aos seus funcionários e que acredita de verdade em projetos beneficentes. Não vejo nenhuma contradição aqui.

Então, fica muito claro que a definição popular de capitalismo é falsa. Ela não descreve uma doutrina econômica, mas sim um conjunto de posturas individuais pouco louváveis, que uma pessoa pode ter independentemente de ser capitalista, comunista ou qualquer outra coisa. Mas de onde surgiu essa definição popular? Pasme o leitor, ela surgiu dos escritos de um intelectual: Karl Marx. Vamos entender.

Marx empregou a palavra capitalismo para descrever um sistema econômico que vinha se consolidando em sua época. Esse sistema pode ser chamado de liberalismo ou economia de livre mercado. Juntamente com seu amigo Engels, ele definiu esse sistema como uma doutrina que se baseava no lucro da classe burguesa (os donos dos meios de produção) em cima do trabalho da classe proletária (os donos da força de trabalho). O nome capitalismo vinha da palavra “capital”, que nos remete à dinheiro, investimento e lucro. Em outras palavras, capitalismo seria uma doutrina baseada no lucro exploratório de uma classe sobre outra. 

A partir daí, fazendo uso de um extremo economicismo (isto é, a economia seria a responsável pelo modo como todas as coisas se dão: religião, cultura, hábitos...), Marx conclui que o sistema capitalista seria altamente egoísta e consumista. Em um capítulo de O Capital, ele e seu companheiro se dedicam inteiramente a falar sobre o Fetichismo da economia capitalista, que seria, grosso modo, a mentalidade gerada pelo sistema de fazer as pessoas terem vontade de comprar mais do que necessitam. A conclusão de Marx levou todos os marxistas posteriores a relacionarem, como ele, consumismo e egoísmo com o sistema capitalista.

Não é objetivo desse texto, analisar propriamente as idéias de Marx. Mas quero dizer que a definição de Marx está completamente errada. A definição correta de capitalismo, ou melhor, de liberalismo econômico (o termo adequado) é: uma doutrina que se baseia na liberdade do indivíduo de fazer coisas como comprar, vender, trabalhar para uma indústria, montar seu próprio negócio e concorrer comercialmente, sem que o governo intervenha nessas escolhas individuais (seja auxiliando ou prejudicando). Essa é a definição correta do sistema que Marx tentou descrever.

As idéias de exploração, egoísmo, materialismo comercial e consumismo não fazem parte da definição do sistema econômico de livre mercado. Tais posturas têm a ver com caráter individual, natureza humana, moral, ética, cultura, contexto e etc. Ver o capitalismo como um sistema que se baseia nessas posturas é confundir sistema com conduta pessoal. 

Da parte da população leiga, isso é ingenuidade. Da parte das pessoas que realmente acreditam no marxismo, isso idiotice. Mas da parte dos estudiosos marxistas, isso é desonestidade mesmo. O estudioso marxista sabe que relacionar o capitalismo com o consumismo, egoísmo e exploração, por mais que tais condutas independam dos sistemas econômicos adotados, cria uma distorção enorme no entendimento do que seria uma economia de livre mercado. Diversas vezes ouvi pessoas dizendo: “Olha aí como o nosso governo beneficia os grandes empresários! Olha quantos escândalos envolvendo empresas privadas e governo! Bando de porcos capitalistas! Nosso governo é muito capitalista mesmo!”. Percebe a distorção? As pessoas acreditam que o capitalismo é culpado exatamente por aquilo que, na verdade, ele condena: a intervenção do governo.

Também ouço demais as pessoas dizendo: “É rapaz, vivemos em um mundo capitalista. As pessoas só pensam em comprar. Só pensam em bens materiais”. Ou mesmo: “Esse mundo é capitalista. Todo mundo só pensa em si mesmo. Não se tem amor ao próximo”. Uma mulher que compra dois mil pares de sapato ou um homem que troca de carro de seis em seis meses são considerados frutos do sistema capitalista. Um rico empresário que se recusa a ajudar necessitados é culpa do capitalismo. Ninguém diz que a culpa, na verdade, é toda do indivíduo. Ninguém diz que é ele que apresenta uma conduta deplorável em relação à oferta de produtos ou à riqueza. Ninguém lembra que é a pessoa que escolhe como ela irá agir. A culpa é do capitalismo. Porque é o capitalismo que é consumista e não as pessoas, segundo a lógica marxista.

O marxismo usa as idéias de fetiche da economia capitalista e de alienação do proletariado para provar que todos nós somos apenas marionetes de um sistema exploratório, sem opinião e sem direito de escolha. O marxismo tenta vender a idéia de que você não tem autonomia: se existem muitas empresas, muita variedade de produtos e muita propaganda, você, inevitavelmente se tornará consumista e egoísta. A não ser que aceite o comunismo e se empenhe em destruir o capitalismo. Porque é no sistema capitalista que reside o egoísmo, o consumismo e a exploração. Se você se opõe a ele, você se torna uma pessoa de bom caráter e seus pecados são justificados. Você aceitou o Santo Comunismo Cristo, todo-poderoso. É o que te salva. Os capitalistas, entretanto, são os ímpios. Estes deverão sofrer condenação por seu pecado “capital”.

O leitor percebe o truque? Uma simples definição errônea do sistema capitalista é o suficiente para que a economia de livre mercado seja considerada o grande mal do mundo. E por mais contraditório que seja, a definição errônea nos leva a acreditar que liberalismo econômico é tudo aquilo que não é comunismo. Não importa o quanto o governo intervenha na economia com regulamentações, burocracia, altíssimos impostos e parcerias com empresas privadas, nós continuamos a acreditar que isso é o mais puro capitalismo existente. O marxismo nos fez acreditar que qualquer sistema exploratório é capitalismo. Pode ser a economia menos livre do mundo, onde o governo intervém até nos preços dos alimentos: se há exploração, o sistema é capitalista. 

Então, para tentar desfazer essa distorção na cabeça do leitor que aprendeu desde pequeno a pensar nesses moldes, ratifico: capitalismo não é sinônimo de exploração, consumismo e egoísmo. Capitalismo é liberalismo econômico. E liberalismo econômico é sinônimo de pouca burocracia para montar negócios, pouca regulamentação, ausência de empresas e/ou parcerias público-privadas, baixos impostos, livre concorrência entre as empresas privadas, poucos serviços públicos, poucos gastos públicos, enfim, pouca intervenção governamental. Isso é o capitalismo em seu estado mais puro. Quanto mais um governo se distancia desses padrões, menos capitalista ele se torna. Há índices que medem isso, como o índice de liberdade econômica, o índice de facilidade de se abrir negócios e etc. 

Por fim, o leitor pode até não concordar com o sistema capitalista, achar que ele traz muitos problemas e entender que o governo precisa intervir (não é a minha opinião, mas eu respeito). Agora, o que é inconcebível é discordar do capitalismo sem entender o que ele, de fato, significa. O leitor acha ruim a exploração, o egoísmo, o consumismo e o apego aos bens materiais? Eu também. Mas isso não é uma discussão econômica. Se vamos discutir sobre capitalismo, então vamos discutir sobre livre mercado. Essa é a definição correta. O que passar disso, provém do maligno.

11 comentários:

  1. Muito bom o texto, tem muita gente precisando lê-lo! ahahhahah
    Mas se ainda assim, precisar "desenhar"... Podemos resumir de forma sistemática o capitalismo como o princípio básico da oferta e da demanda! Se ninguém compra, ninguém irá produzir! É como demonizar a televisão pelo seu conteúdo programática, sendo que só é transmitido aquilo que de fato tem dado lucro. Que no caso do Brasil, nem precisa comentar.

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    1. "se ninguém compra, ninguém irá produzir!", a frase do século XXI, aff.., que nega séculos de história da Humanidade, o tal anônimo precisa desenhar para ele, uma linha do tempo e dispor nela, o sistema de produção humana, aí ele vai começar a ver que o ser humano produz desde o tempo que começou a dominar a natureza e seus recursos (a.C. = aqui não é Cristo, é ANTES DE CAPITALISMO). No processo de sedentarização humana, há o desenvolvimento incessante de técnicas que permitiram, entre outras coisas, de um lado, garantir sobrevivência humana diante condições do meio adverso, e de outro, aumentar a produtividade (aliado, com progressivo aumento do conhecimento e desenvolvimento de técnicas). O próprio comércio nasce daí (comércio como a técnica de ofertar aquilo que se tem de excedente para conseguir o que não se dispõe, atribuindo nessas relações algum tipo de valor, e nos séculos posteriores, foi apropriado pelo capitalismo, nas relações monetárias, aí nasce o problema. É isso que abomino em todo capitalista-liberal, é condicionar esta relação humana de troca daquilo que tem em excesso pelo aquilo que não tem, como algo genuinamente capitalista. Isso é uma falácia, pseudo-pensamento, que tem atrozes consequências: como tratar o conhecimento humano, que se desenvolve independentemente do sistema político-econômico, em tratá-lo como produto. Isso é um crime contra a humanidade e contra a liberdade humana de livre-pensamento, condicioná-la a exigência de um mercado que visa só lucro, formado por seres-consumidores idiotizados com ideias que querem mesmo é conservar seus ideais individualistas, pouco importando com o ser enquanto integrante da humanidade. O liberalismo, seja de direita ou qualquer vertente (qualquer ismo que vocês inventam), qualquer sistema econômico filiado a partidarismo é corrompido por mais bem-intencionado que seja. Isso de Estado mínimo é falácia, mentira, você só retira do estado a liderança e joga para outros que detém algum meio de manipulação da ordem estabelecida (e dentro do capitalista, por mais que Marx seja abominado em muitos sentidos, ele estava certo ao dizer que acaba nas mãos de quem, em defesa, na verdade, quer dominar a historia, custe o que custar). Tomara que a humanidade, enquanto uns permanecem com a cabeça lá no século XIX, aspirando um “mundo das maravilhas” dos “ideiais-conto-de-fadas” (seja ele das liberdades promíscuas, ou seja ele igualitário sem conflito de classes), tomara mesmo, que ela comece a ambicionar um sistema que seja de um lado, garantidor das liberdades individuais, assegurando proteção a elas contra abusos diversos, e, do outro, re-pense um sistema econômico menos restrito (QUE NÃO SEJA CAPITALISTA, NEM ECONOMIA PLANIFICADA), que traga aquilo que ela importa e deve trazer: atender as necessidades necessárias humanas. Esta discussão do autor, e não do comentarista acima, de “natureza humana”, mesclando ideias (“senso-comum”) de propaganda de televisão, Freud e Maquiavel, tem pouco senso prático, nada capitalista isso, em outras palavras, seria o capitalismo livre o suficiente para limitar-se diante de algo que lhe promete aquilo que ele mais deseja? Se o autor quiser responder, fica a pergunta...
      Obrigado, Alexa, RJ, psicólogo.

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  2. Muito obrigado esse blog mudou meus conceitos políticos, obrigado.
    A partir de hoje sou de direita. acho que centro direta.
    Continue com o trabalho.

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    1. Fico muito feliz que eu tenha contribuído, de alguma maneira, para a formação de sua opinião. :D

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Ótimo texto, Davi! tenho uma pergunta. Você acha que comparado com outros sistemas econômicos o capitalismo não seria o que mais torna propício os desvios de conduta? O sistema não influencia o caráter do indivíduo?

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    1. Fábio, a meu ver, não.

      Acredito que o ser humano é naturalmente inclinado ao mal, o que significa, à priori, que qualquer sistema torna propício desvios de conduta, sem qualquer diferença um sobre o outro. O que acredito que influencia também é o fator cultural. Por cultural, neste contexto, entendo todos os aspectos externos em volta do indivíduo, tais como, família, amigos, vizinhos, rua, bairro, cidade, país, situação financeira, oportunidades e etc. Cada um responde a esses aspectos de modo diferente e desvios de conduta podem surgir daí também. Estes aspectos independem de sistemas.

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  5. Obrigado por responder, compartilho do mesmo pensamento. :)

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  6. Engraçado utilizar como símbolo do artigo a "Coca-Cola", o que denota, uma antítese que é o capitalismo no século XXI. O que se vê, é o seguinte: os que defendem o "liberalismo econômico", criticam o governo, naquilo que este faz, para atrapalhar sua atuação "livre", ao mesmo tempo que, justificam seus meios, pela autorização dada pelo seu alvo de críticas, o governo. Explicando, a COCA-COLA, e só um exemplo, tem suas receitas modificadas conforme o país, justificação: leis regulamentares dos níveis aceitáveis de determinadas substâncias na composição da bebida. Se há fundamento científico que tais elementos fazem mal, qual o intuito de se vender algo assim? Simples, no capitalismo, não importo o que o produto causa para quem consome, mas o que quem consome pode oferecer ao produtor, ou seja, lucro para empresa. Não há responsabilidade, e porque? você mesmo explicou, pela natureza humana. Então? como confiar liberdade para quem quer ser livre desta forma? No caso, da Coca-cola, por exemplo, onde há um governo mais frouxo (diria partidário a ideologia de quem detém este mercado), admite-se outras proporções deste elemento na bebida, e qual a justificativa quando o consumidor berra: diz a empresa, dando-se uma de ingênua, estamos dentro dos padrões estabelecido pelo governo (que antítese!). Por favor, é muita ingenuidade acreditar em liberalismo, a economia é administração de recursos para distribuição entre as pessoas, e o que o capitalismo é senão uma apropriação destes recursos e o engendramento de um sistema produtivo irresponsável, presunçoso, de plena exploração (não utilizo termos marxistas, não comento o que não li, comento do que vejo e sinto, um trabalhador nunca será valorizado o suficiente, não em sentido do que ele acha – pois sempre queremos mais, mas em relação ao empreendimento que integra), e isso, não tem nada a ver com defesa de liberdade de expressão, livre-associação, espontaneidade, originalidade, fim do aparelhamento do Estado e da monopolização da política ou qualquer noção que invente. Capitalismo, impõe um regime de trabalho que extenua a fisiologia do individuo, determina uma liberdade condicionada e impõe uma felicidade fictícia, que na verdade, é uma velha amargura de que “não se pode ter domínio de tudo”, e por mais que o liberalismo não defenda, diretamente, isso, seu telos, que é o progresso e a promessa de liberdade plena (Paraíso cristão), é, na verdade, uma vontade autoritária de dominar o mundo, as pessoas e suas ações.
    sem conta no Google.

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  7. Capitalismo é um sistema econômico, disse "é um" e não, "é o", ou seja, pode o ser humano inventar outro; liberalismo, socialismo (e outros) são modelos de tentar explicar o mundo (neste processo se identifica como se construiu a sociedade e qual o melhor rumo para ela seguir), são ideais, modelos teóricos que colocados na prática são isso que todos sabem: capitalismo = se traz melhorias, tem seu lado negativo, pois para sustentá-lo é necessário uma maioria expropriada, que seja avaliada como incompetente apenas para suprir o operacional na produção de bens de consumo, detentora de um mínimo possível para consumir no mercado que ela produz e propagadora da ideia de que são livres, que podem "crescer e se darem bem" (na idealização, não no campo real) e porque isso??? é porque o capitalismo, assim qualquer outro modelo teórico centraliza num ideal que operado, por uma minoria, mas que almeja atingir a todos, resumo, não venha com isso de que seremos livres para todos empreender, que não dá, capitalismo é para poucos (o mundo não se sustenta só com empreendedores).

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