sexta-feira, 1 de julho de 2016

A natureza corrompida do homem, a graça divina e o livre arbítrio

Há um ponto no qual eu concordo com os calvinistas: o homem é absolutamente corrompido. Ele, por si só, é incapaz de se voltar para Deus ou mesmo de perceber a desgraça em que se encontra. O ser humano pós-queda é um ser morto espiritualmente. E nele tudo está morto, o que inclui o seu livre arbítrio em relação à vida espiritual. O homem, se deixado por si só, pensará de si mesmo: "Sou livre". Mas ele apenas consegue escolher entre diferentes formas de mal; ele escolhe entre as opções que Satanás e a sua própria natureza corrompida lhe impõem. Não é a verdadeira liberdade. O homem pós-queda não possui uma natureza capaz de perceber todas as opções, achar dentre elas Deus e escolher segui-lo. Não há, em sua natureza corrupta, nem o perceber, nem o querer, nem o efetuar.

Quando Deus disse a Adão e Eva: "No dia em que comerdes do fruto desta árvore, certamente morrereis", estava falando sério. Adão e Eva morreram espiritualmente naquele dia. Desligaram-se de Deus. Foram amputados da fonte da vida. O ser humano fora projetado para estar conectado a Deus. Desfeita essa conexão, não há vida espiritual, nem possibilidade de retorno. "Sem mim, nada podeis fazer", diria Jesus milênios mais tarde aos seus discípulos. Isso vale para toda a humanidade.

Repare, no entanto, que Deus é onipresente. O Seu Santo Espírito encontra-se em todos os lugares. Não, não se trata de panteísmo. Na concepção cristã, Deus é infinitamente superior e distinto de qualquer componente do Universo, pois o criou e, evidentemente, o precede. Deus não é o chão, o céu é a árvore. Mas Deus está em todos os lugares. Não podemos saber como, mas Ele está. E é isso, apenas isso, que dá ao homem a possibilidade de enxergar alguma coisa. Explico melhor.

Uma vez que o Espírito de Deus está em todo o lugar, segue-se que mesmo o homem mais depravado que exista recebe de Deus alguma influência. Há, portanto, em todo o ser humano uma centelha divina, um pequeno sopro, um resquício do que um dia fora o projeto perfeito de Deus. Essa centelha, enfatizo, não é da natureza caída do homem. Não vem de dentro, mas de fora; vem de Deus. Ela existe no homem pura e simplesmente por ação divina, motivada pela misericórdia do Senhor. É o Senhor quem nos reanima, quem vivifica nossa consciência. 

O homem está morto por si mesmo; Deus lhe empresta um pouco de vida. Esse emprestar de Deus se expressa na constante busca do próprio Deus pelo homem. Quando Adão e Eva caíram, não foram eles que buscaram a Deus, mas Ele que os procurou. Quisesse Deus ausentar-se do ser humano após o pecado, Ele poderia. Embora em todos os lugares, Ele pode escolher não influenciar a ninguém; embora seja luz, Ele pode escolher reter a si próprio e não iluminar. Se esta tivesse sido a escolha de Deus, ninguém no mundo jamais teria se convertido ou mesmo se dado conta de seu estado decrépito. 

Penso eu que, tivesse Deus escolhido afastar-se por completo, o pecado teria fulminado o ser humano instantaneamente. Não fomos projetados para isso. Se há algum bem no homem pecador, alguma visão, alguma sensação de arrependimento, alguma falta de Deus, tudo isso se deve ao fato de Deus permanecer ativo nesse mundo; não vem de nós mesmos. E veja que ainda nem estou falando de conversão, mas sim do que precede a conversão, isto é, o reconhecimento de que tudo está errado. Nem isso vem de nós.

Alguns falam sobre a consciência do homem natural, mencionada pelo apóstolo Paulo em Romanos 2. Devemos entender o conceito da maneira correta. Não é que o homem tenha uma consciência natural independente de Deus, que poderia levá-lo ao Senhor. De forma alguma! A consciência humana depende também da ação divina no mundo. Aliás, todo o "aparelho espiritual interno" do ser humano depende da ação divina. Deus é o princípio ativo da consciência e do espírito humano, a mola propulsora, a energia que liga o computador. O computador não funciona sem energia. E também nós não funcionamos sem Deus. 

A maravilhosa graça divina não se inicia, portanto, na ressurreição de Cristo, ou na cruz do calvário, ou no nascimento humano do salvador. Inicia-se, temporalmente falando, no momento em que o ser humano peca pela primeira vez. Ali o ser humano perde tudo, mas Deus escolhe continuar ao seu lado. Para mim, já é grande o milagre de o próprio conceito de Deus, bem como todas as lembranças do Senhor, não terem se esvaído da mente do homem no momento do pecado. Amputados fomos de Deus. Éramos para ter nos tornado completos débeis espirituais.

Tudo isso significa que não há mérito em nós nem quando somos salvos (pois a salvação está baseada na obra de Cristo na cruz, sem a qual ninguém poderia viver eternamente), nem quando somos chamados à salvação. Reconhecer nosso estado pecaminoso e aceitar a Cristo é algo que só fazemos porque Seu Santo Espírito não deixou este mundo, nem cessou de nos chamar. Do contrário, não aceitaríamos, tampouco perceberíamos nossa devassidão. O que o Senhor faz com o homem diariamente é abrir o porão escuro onde ele se encontra e gritar: “Está vendo? Há luz aqui onde estou. Vou até aí te buscar. Só preciso do seu ok”. 

Sim, aqui está minha divergência para com os calvinistas. Creio que Deus, apesar de fazer tudo, no fim das contas pergunta: “Que queres que eu te faça?”. Deus aqui restaura o livre arbítrio, dá ao homem a condição de fazer o que não poderia fazer naturalmente. Deus acende a luz e diz: “Agora que eu iluminei seu campo de visão, você pode ver o bem e o mal. Pode escolher”. A condição é toda dada por Deus. É Ele o único quem nos dá essa possibilidade. Não há qualquer mérito nosso, qualquer bem que parta primeiro de nós, qualquer iniciativa própria de conhecê-lo. Não vamos a Deus. Ele vem a nós, já com tudo pronto. Mas não nos obriga a nada. Apenas chama. Se aceitarmos, Ele tomará a nossa mão e nos guiará até a eternidade.

2 comentários:

  1. Como Cidadão Constitucionalista, eu repudio todos e quaisquer Estados Ateus, Confessionais ou Pagãos, pois eles são tirânicos. Estados de Direito têm de ser laicos (seculares), como o nosso Brasil laico (desde a CREUB de 1891), pois somente estes garantem liberdades religiosas, desde que elas não atentem contra as dignidades humanas, como no caso das TJs, nas questões das transfusões sanguíneas, dos radicais islâmicos e assim sucessivamente. Sobre as transfusões, todos nós sabemos que elas podem causar hepatites, SIDAs e outras doenças infectocontagiosas, se os sangues estiverem contaminados por elas. Afetos, artes, denominações, famílias, liturgias, partidos, religiões, sacerdócios e templos não salvam ninguém. Evangelizações não são cristianizações, pois as cristianizações geraram Cruzadas, Inquisições e outros crimes. Evitemos acepções de pessoas (discriminações e preconceitos) de quaisquer tipos, pois além de serem pecados, são crimes previstos na CRFB de 1988 e na Lei 7.716 de 1989.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Leonardo,

      Constituição Federal, Direito e relação entre Estado e religiões não são o assunto dessa postagem.

      Att.,

      Davi Caldas.

      Excluir

Caro leitor,
Evite palavras torpes e linguajar não compatível com a filosofia do blog. Obrigado.